Quando o sol poente briha mais que o nascente



“Só o termo Oriente Médio já define um olhar ocidental”. José Arbex


Por que a mídia ocidental tem tanto interesse em estigmatizar o Oriente como uma região violenta? Por que os orientais são genericamente taxados de fundamentalistas? Por que o Oriente deve sempre estar associado ao pólo negativo do mundo, e o Ocidente com o positivo? Seria este sempre o “mocinho”, enquanto aquele o “bandido”? Por que o Oriente sempre tem que aparecer em oposição ao Ocidente? Seria o Oriente tão simplesmente o não-Ocidental? Por que é que temos que pensar a pluralidade cultural em termos de ocidente e oriente?

A visão bipolar do mundo não vem de hoje. Desde a antiguidade, as pessoas eram ensinadas a pensar o mundo de forma maniqueísta. O universo estaria dividido em duas partes completamente distintas: o bem e o mal. O estrangeiro era visto como inimigo.

Quem pertencia, por exemplo, à civilização romana, via uma outra civilização como a representação do não-romano. Se os romanos representavam a modernidade, todas as outras civilizações, por mais distintas que fossem entre si, representavam a barbárie.
Há poucos anos atrás, na época da Guerra Fria, essa visão maniqueísta poderia ser percebida facilmente: quem era do bloco capitalista, era considerado “bom” e quem pertencia ou simpatizava com o bloco socialista, era considerado “mau”.

Após o fim do socialismo real, o mundo capitalista perdia o seu lado antagônico. Isso representou um potencial prejuízo para as indústrias bélicas, pois teoricamente não haveria mais justificativa para os enormes “investimentos” em artefatos de guerra.

O governo “yanque” foi forçado, por conseguinte, a criar uma nova ameaça mundial, um novo inimigo a ser combatido. A invasão do Iraque ao Kuwait em 1990 se encaixou, com diz o adágio popular, como uma verdadeira “luva”, a essa situação.

A Guerra do Golfo em 1991 foi encarada como uma guerra da luz contra as trevas. O mundo ocidental ia ao encontro do oriental para salvaguardar os ideais democráticos. Dez anos mais tarde, o embuste do “11 de setembro” serviu para delinear melhor a face do inimigo ocidental: não estaria mais personificado na pessoa de Saddam Hussein, mas representado no multifacetado “terror” do Oriente.

Afinal, o que é o Oriente? Quando estudamos coordenadas geográficas no Ensino Médio, somos ensinados que a área que está ao leste do meridiano de Greenwich é o oriente e tudo o que está ao oeste é o Ocidente. No entanto, não devemos nos esquecer que o centro geodésico é uma construção humana. A terra é esférica, não dá para definir o seu início, nem o ser fim, quanto mais o seu meio.

A longitude de 0° é uma arbitrariedade. Foi fruto de uma convenção para tornar a Inglaterra, a maior potência Européia dos séculos XVIII e XIX, no centro do mundo. Convencionou-se iniciar o 0° longitudinal tendo como referência o observatório astronômico de Greenwich na Inglaterra. Portanto, os mapas cartográficos são ideológicos, são referências de interesses geopolíticos. Poder-se-ia representar o mapa mundi tendo como centro o continente asiático, ou, como é a tendência do século XXI, a América do Norte.

Queremos dizer com isso que os termos Oriente e Ocidente não são espaços geográficos definidos, mas construções ideológicas. Heródoto, o “pai da História”, foi o primeiro a empregar o termo Oriente na antiguidade “clássica”. Ele referia-se ao sul da Síria.

O Oriente bíblico (Mt 2:1-2; Gn 19:9, 11; 29:1; Jz 6: 3, etc) certamente não tinha como referência o meridiano de Greenwich, mas a terra de Canaã (todas as terras da palestina ao ocidente do Jordão). Outro exemplo é o caso do Tratado de Tordesilhas que em 1494 dividiu o mundo ao meio tendo por base ilhas de Cabo Verde. Para ilustrar ainda mais esse caráter ideológico, observemos que a Austrália, mesmo estando localizada no extremo oriente do mapa mundi atual, para muitos, pertence ao mundo ocidental.

Na primeira metade do século XX, estudiosos Ingleses dividiram o Oriente em três grandes partes, de acordo com a aproximação geográfica com a Europa. a) O Oriente Próximo, parte do oriente mais perto da Europa, englobava toda a região dominada pela cultura árabe-mulçumana; b) O Oriente Médio, constituído pelo universo cultural hindu; c) O Extremo Oriente, que compreendia o universo cultural chinês. No entanto, a Independência da Índia e a criação do Paquistão em 1947, além da criação do Estado de Israel em 1949, tornaram essa divisão antiquada.

Na época da Guerra Fria, com a Rússia “engolindo” praticamente todo o leste Europeu e a China Comunista dominando o sudeste da Ásia, resolveu-se demarcar bem as “fronteiras” entre o Ocidente e o Oriente. A mídia norte-americana baniu a idéia de Oriente “Próximo”, pois, a aproximação tinha como referência a Europa comunista e ela não pagaria esse “mico”, é claro. Como essa área estava sendo disputada por Capitalistas e Socialistas, ficou mais adequado chamá-la de “Oriente Médio”.

Assim sendo, para muitos estudiosos e para a imprensa ocidental, Chipre, Egito, Irã, Iraque, Israel, Jordânia, Kuwait, Líbano, Arábia Saudita, Síria, Turquia, Iêmen, Bahrein, Omã, Qatar, Emirados Árabes Unidos, Afeganistão, Paquistão, Uzbequistão, Turcomenistão, Tajiquistão e Quirguistão passaram a constituir o “crescido” Oriente Médio. A região situa-se no sudoeste da Ásia e no nordeste da África e é a região mais islamizada do mundo, com exceção de Israel. Também é a região mais rica em petróleo do mundo.

A questão religiosa e econômica do Oriente Médio é fundamental para compreendermos o processo de construção do novo inimigo ocidental e a nova concepção de oriente na atualidade. A visão maniqueísta continua, apesar do fim da dicotomia capitalismo e socialismo.

Hoje, a grande dicotomia é: mundo cristão versus mundo islâmico; quem tem petróleo versus quem não tem. Por isso que agora a concepção de Oriente restringiu-se às fronteiras do Oriente Médio. Os islâmicos passaram a representar melhor o estrangeiro, o “bárbaro”, o terrorista, o “outro que é diferente de nós”. E quem é diferente de “nós”, necessariamente é inferior a “nós”.

Por isso, o que conhecemos sobre o Oriente não é o Oriente, mas uma representação criada do Oriente pelo Ocidente. É uma versão inferiorizada do Oriente.
Quando se é mostrado o tratamento dispensado à mulher oriental como o símbolo da opressão e do atraso da cultura mulçumana, esquecem de que os países ocidentais são os campeões mundiais de violência contra a mulher.

Dizem que os fundamentalistas foram os responsáveis pelo “11 de setembro” - o maior atentado da história (3 milhões de mortos). Será que se esqueceram dos 70 mil mortos de Hiroxima e Nagasáqui? Será que os 600 mil civis mortos no Camboja na década de 70, por soldados norte-americanos se apagaram da história?

A mídia ocidental cristalizou a idéia de que os islâmicos são violentos. Certamente não foram eles que fabricaram as duas Guerras Mundiais do século XX. Na verdade, os grandes causadores da maioria dos conflitos no Oriente Média são os próprios ocidentais. Foram eles que desenharam a atual divisão política do Oriente Médio, são eles os maiores exportadores de armas para essa região.

A grande problemática da atual visão maniqueísta de mundo é que o Islã não está confinado no Oriente Médio. O mundo islâmico não se limita aos Árabes. O islamismo foi a religião que mais cresceu no último século, ela está em toda parte do mundo. Existem mais islâmicos não-árabes do que propriamente árabes. E o interessante é que em outras regiões alheias ao Oriente Médio, não se tem notícia de conflito.

Tudo esconde o fato de que o Oriente é uma região permeada pelos interesses ocidentais.
Terminamos essas linhas com a seguinte pergunta: Será que todas as culturas da terra estariam bem condicionadas às generalizações: Ocidente e Oriente? No dia em que soubermos conviver com o diferente sem ter que classificá-lo como inferior, não precisaremos mais esconder o turbilhão de culturas que existem por trás dessa visão bipolar de mundo. Quando isso acontecer, seguramente não estaremos mais vivendo sob o jugo do “capetalismo”.
Autor: eduardo de araújo carneiro


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