A anexação do Acre: Plácido de Castro ou Barão de Rio Branco?



“Paranhos do Rio Branco! Abençoado seja o teu cérebro, porque a tua inteligência
restituiu ao Brasil os brasileiros que estavam sem pátria!” (Olavo Bilac).

Em 17 de novembro de 2004, o gaúcho Plácido de Castro foi incluído no Panteão da Pátria e da Liberdade, na Praça dos Três Poderes em Brasília, como o mais novo herói brasileiro a ser cultuado. O Projeto de Lei do Senado (n°56 de 2000) foi aprovado e transformado na Lei 10.440 em 2 de maio de 2002. O 1° Artigo da Lei diz: “Será inscrito no ‘Livro dos heróis da Pátria’, que se encontra no Panteão da Liberdade e da Democracia, o nome de José plácido de Castro, o libertador do Acre, Plácido de Castro” (grifo nosso).

Por que a glória deve ser dada exclusivamente a Plácido de Castro? Por que a veneração não se estende aos governadores do Amazonas Ramalho Júnior e Silvério Néri, os verdadeiros responsáveis pela Guerra do Acre e seus principais patrocinadores? Por que a glória não é estendida, em igual proporção, a José de Carvalho, a Galvez, aos membros da Expedição dos Poetas, aos líderes da “revolução” do Juruá, ou a todos os seringueiros que fizeram a “revolução”? Por ventura estes teriam derramado menos sangue boliviano?

O gaúcho Plácido de Castro foi um libertador? Todos os Tratados Internacionais negam o pertencimento do Acre ao Brasil: Bula Papal Intercoetera (1493) Tratado de Tordesilhas (1494), Tratado de Madri (1750), Tratado de El Pardo (1761), Tratado de Santo Ildefonso (1777) e o Tratado de Badajós (1801). O próprio Brasil Imperial reconhecia que o Acre pertencia à Bolívia através do Tratado de Ayacucho (1867) e por inúmeras vezes o Brasil Republicano confirmara o prescrito em 1967. Então, o agrimensor libertou o Acre de seus legítimos donos?

Qual Acre foi libertado pelo gaúcho? O Acre Meridional ou o Setentrional? O Alto-Purus ou o Alto-Juruá? Teria libertado os mais de 152 KM2 que atualmente definem o Acre? Como a própria história relata, a “Revolução” liderada pelo gaúcho limitou-se ao Vale do Rio Acre, mais precisamente em Xapurí, Brasiléia, Rio Branco e Porto Acre. Ora, então quem libertou o restante do Acre?

O coronel Plácido de Castro libertou o Vale do Rio Acre? O correto seria afirmar que os soldados-seringueiros obtiveram importantes vitórias sobre os bolivianos nessa região. No entanto, a conquista não estava completamente consolidada.

Primeiramente, por que tão logo a notícia da peripécia dos seringueiros chegou ao Andes, o próprio presidente da Bolívia, General Pando, organizou uma megaoperação militar de libertação. O rumor de que a “coluna Pando” ocuparia o Acre à força, causou tanta apreensão ao Brasil em relação ao desfecho da Questão do Acre e, particularmente, com destino dos “revolucionários”, que o Ministro Barão de Rio Branco diligentemente enviou uma expedição militar ao local da desforra boliviana e tratou logo de assinar um “modus vivendi” com o país andino.

Em segundo lugar, o Acre já havia sido arrendado ao Bolivian Syndicate desde 21 de dezembro de 1901. Toda luta contra a Bolívia seria inglória se levarmos em consideração que o Consórcio não aceitaria qualquer prejuízo com o Acre. Não assistiria a epopéia do último oeste de “braços cruzados”. A intervenção militar internacional seria iminente, e o fim de Plácido de Castro e de seus soldados seria trágico. O impasse foi resolvido graças à diplomacia de Paranhos, que mediante um pagamento indenizatório de 110.000 libras esterlinas, conseguiu convencer o Bolivian Syndicate a renunciar seus direitos sobre o Acre (26 de fevereiro de 1903).

O processo de anexação do Acre ao Brasil pode ser dividido em duas fases: a Fase Militar, conhecida como Revolução Acreana (1889-1903); e a Fase Diplomática (1903-1909), caracterizada pelos tratados assinados entre o Brasil e a Bolívia (1903) e o Peru (1909). A primeira fase é a tentativa de se resolver a Questão do Acre através da guerra. A segunda fase, marcada pelo poder da “caneta” e da arte da negociação, representa a efetiva anexação do Acre ao Brasil.

José Paranhos, o Barão de Rio Branco, sabedor da impossibilidade de se obter o Acre através do arbitramento internacional, já que, tudo testemunhava contra o Brasil, preferiu a negociação. O território acreano que ficava abaixo do paralelo 10°20’, incontestavelmente boliviano, foi anexado ao Brasil com a assinatura do Tratado de Petrópolis.

Acima do paralelo 10°20’, as terras acreanas foram declaradas “litigiosas”. Sabiamente o Barão alegou o desconhecimento da nascente do Rio Javari, tornando a “linha Cunha-Gomes” uma incógnita. Além do mais, o Peru entrou na disputa das terras alegando ser o dono não só do Acre, mas também de boa parte do Amazonas. Barão de Rio Branco isolou a Bolívia e negociou a região litigiosa diretamente com o Peru.

O Juruá acreano, parte das terras litigiosas, não conheceu a “revolução” de Plácido de Castro. Como pode este “herói” ser o seu libertador? O “herói”, inclusive, nem se quer é testemunha da anexação definitiva do Juruá ao Brasil, pois é assassinado em agosto de 1908, e a assinatura do Tratado Brasil-Peru ocorre somente em setembro de 1909. O Juruá só se tornou de fato brasileiro após seis anos de negociações. O Brasil convence o Peru a se contentar com 40 mil KM2.

O Acre nasce das tintas da “caneta” do Barão e não do sangue contido na “espada” de Plácido. A diplomacia sempre é mais louvável do que o militarismo. A negociação com o adversário é mais humana do que a morte do inimigo. Em nenhuma hipótese a espada é símbolo de honras, pelo contrário, representa a dominação, o poder militar, o autoritarismo, a guerra, a violência, a morte e o uso da força como método para solucionar os conflitos sociais.

O dia 17 de novembro, a sagração da diplomacia, não pode ser maculado. Há drásticas diferenças entre “espada” e “caneta”, entre guerra e diplomacia, entre Plácido de Castro e Barão de Rio Branco. O primeiro foi o mais bem sucedido líder contratado pelo governador do Amazonas e seringalistas para defender a manutenção do lucro gumífero pelas armas. O segundo foi o principal protagonista da ampliação territorial do Brasil República.

O Barão conseguiu, através da hábil negociação diplomática, definir 32% das fronteiras terrestres do Brasil, além de tornar “verde-amarelo” cerca de 900 mil Km2. Rio Branco assinou tratados com a Bolívia (1903), Equador (1904), Venezuela (1905), Holanda (1906), Colômbia (1907), Peru (1909) e Uruguai (1909). Sem dizer que já havia solucionado a Questão do Amapá, com a França e a Questão das Missões, com a Argentina.

O sucesso da diplomacia do advogado Barão de Rio Branco ofusca a participação do coronel Plácido de Castro no processo de “libertação do Acre”. Se o “herói” Plácido de Castro adentra as portas do Panteão brasileiro sem ao menos ter anexado um palmo de terra acreana ao Brasil, o Barão humildemente se contenta em ser o patrono da diplomacia brasileira. “Se hoje temos o Acre dentre os Estados da República Federativa do Brasil devemos ao Herói José Plácido de Castro”. (Parte final da justificativa do Projeto de Lei do Senado n° 56, de 2000).

o autor é acadêmico do mestrado em letras na UFAC
Autor: eduardo de araújo carneiro


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