Ficção e Realidade



Outro dia, lendo um texto de Fabrício Maraschin, que tratava, em linhas gerais, da repercussão do filme Cidade de Deus, me parei a pensar sobre uma frase sintética do autor, que perguntava "o que choca mais: a ficção ou a realidade?".

De pronto, alguém explicará o efeito do filme com o clichê da "banalização da violência", mas vai além. Estamos entrando de cabeça em um pós-modernismo, onde situações do dia-a-dia são tão surreais que não são levadas a sério.

Ao caminharmos na rua e vermos o ápice da degradação humana em uma calçada, somos isolados daquela realidade por meio de uma redoma criada para nossa própria defesa, pois somos fracos. Não somos, naturalmente, capazes de ver um semelhante em situações como as que vemos diariamente e não nos imaginarmos em seu lugar.

Surge, então, para nos proteger, a ficção fantasiada de realidade, onde a violência que se vê em "Carandiru" ou "Cidade de Deus" nos choca, enquanto assistimos ao fictício, confortavelmente sentados em uma poltrona reclinável e no ar condicionado. Aí ficamos perplexos.

Na saída do cinema, a criança ranhenta que vem, inconvenientemente, suplicar por uma esmola é automaticamente repelida, por não ter o talento de um ator e os efeitos visuais de um diretor a ponto de nos despertar qualquer sentimento que não seja a insatisfação por sermos importunados.

Ora, percebe-se o que se poderia chamar de inversão de papéis, onde a realidade é vista como se fosse parte da ficção e o que deveria ser entretenimento satisfaz nossa necessidade de ter dó. Porém, em vez de trocarem de função e permanecerem separadas por uma linha divisória, ficção e realidade passam a invadir seus domínios mútuos e, impertinentemente, me obrigam a escrever este artigo.

Onde estão, enfim, ficção e realidade? O que nos provoca emoção é real ou o factível já não se nos apresenta satisfatoriamente como propulsor de sentimentos?

Volto à questão inicial do Fabrício: O que choca mais: ficção ou realidade?
Autor: Felipe Simões Pires


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