PAISAGEM, LUGAR E (ECO)TURISMO NO PARQUE ESTADUAL DA PEDRA DA BOCA – PB



Graduação em Geografia – UEPB;
Especialização em Ciências Ambientais – FIP/PB



Introdução


O ecoturismo, modalidade alternativa do turismo, é entendido como uma “viagem” de retorno à natureza e/ou como um novo olhar em que se busca a interpretação e a interação com a paisagem, a valorização da diversidade de culturas e como, um novo estilo de desenvolvimento, vem se afirmando como um contraponto ao processo de degradação da paisagem e do lugar.
Segundo o Professor Milton Santos (1999), “a paisagem é um conjunto heterogêneo de formas naturais e artificiais, formada por frações de ambas, seja quanto ao tamanho, volume, cor, utilidade, ou por qualquer outro critério (...) podendo essa paisagem ser artificial, aquela transformada pelo homem, como também, natural, aquela ainda não mudada pelo esforço humano”. Para Pires (1996), a paisagem é uma categoria de percepção do ambiente criada pelo homem que pode ser definida como domínio do visível, ou seja, aquilo que a vista abarca.
O homem mantém contato com a paisagem através da percepção sensorial, classificada em dez modalidades: a visão, a audição, a pressão, o tato, a temperatura, a sinestesia (o sentido muscular), a dor, o paladar, o olfato e o sentido químico comum. Como diz Beni (2002, p. 394) na seguinte assertiva:

A paisagem contém todos os tipos de energia necessários para estimular as dez modalidades sensoriais [...], que se combinam na percepção. A visão é a mais complexa e a mais importante.

Assim, entendemos também a paisagem como sendo um instante fotográfico captado pelas lentes dos nossos olhos num momento especial que, registrado na nossa memória conforme a qualidade e interação entre o observador e a paisagem. É a possibilidade de sensibilização, de estímulo a uma outra percepção, de provocar uma mudança de atitude na relação dos homens entre si e com o planeta que torna a paisagem um instrumento, uma força, um componente essencial do Ecoturismo, já que nas palavras de Cruz (2001, p. 5), “o espaço geográfico é o principal objeto de consumo do turismo”.
Para Veras (1995), a abordagem da paisagem pode ocorrer de três maneiras: primeiro como um sistema determinado pela inter-relação de seus elementos concretos, naturais e/ou culturais. Segundo, entendendo-a como expressões metafóricas sensoriais e, terceiro, compreendendo-a como a inter-relação destas abordagens, ou seja, conceituá-la como um produto da interação do homem com o seu meio (urbano, rural, regional, natural e transformado).

A percepção da paisagem no ecoturismo

De acordo com as concepções apresentadas, a paisagem apresenta como condições de existência o suporte físico-geográfico, através do espaço geográfico, que possibilita materializar as relações sociais construídas historicamente, manifestando a diversidade cultural expressa pelos elementos estético-sensoriais inerentes a cada grupo social.

Já o lugar é a teia de relações humanas com a natureza de determinado grupo social no plano do vivido que garante a construção de uma rede de significados e sentidos tecidos pela história e pela cultura, produzindo o sentimento de identidade e de pertencimento [...] posto que é aí que o homem se reconhece porque é o lugar da vida. O sujeito pertence ao lugar como este a ele [...] (CARLOS, 1996, p. 29).

No lugar, para Veras (1995, p. 119-127), percebe-se nitidamente o conjunto de características que lhe impõem específica caracterização e importância simbólica, resultante de sua própria relação com a paisagem, num permanente processo de troca, definido por uma determinada sociedade que tem seus valores culturais e históricos próprios, cuja complexidade apresenta-se como um desafio pela necessidade de se inter-relacionar as dimensões sociais, culturais e ambientais.
Assim, as experiências simbólicas têm a faculdade de interagir o natural e o cultural, o sonho e a realidade, consciente e inconsciente.

É aí que a paisagem, por possibilitar estas leituras relacionais, pode ser considerada uma metalinguagem para identificar o lugar. O lugar tem na paisagem uma das formas de expressar a vida que palpita, indicando um mundo de idéias, valores e significados (VERAS, 1995, p. 132).
Assim para a autora o lugar, por assumir uma posição de apropriação consciente, permite uma interação entre espaço e o sujeito observador / interventor, que vai transformá-lo em algo que lhe pertence, ou algo de que se sinta fazendo parte. Quando se considera determinada paisagem um lugar, automaticamente se deixa de ser um simples observador (o “forasteiro viajante”) e passa-se a fazer parte do cenário apreciado:

na paisagem observo, no lugar leio a paisagem e interajo, penetro no cenário e sou mais um elemento a ser percebido por quem não sente este, como um seu lugar, e permanece distante ao observá-lo. O lugar é interação, troca e simbiose com o sujeito observador. O sentido de pertinência e posse, possibilita se estabelecer um diálogo informal, numa dialógica com o universo apropriado (VERAS, 1995, p. 134).


Ao buscar estabelecer também um diálogo subjetivo com a paisagem e com o lugar através da interpretação ambiental, da estética, da poética, da interação, da vivência, do aprendizado e do respeito à cultura local, o ecoturismo pode contribuir para a valorização e a conservação da paisagem, fazendo com que os atores locais estimem sua cultura e sintam-se sujeitos do seu lugar, determinem seu próprio desenvolvimento, admirem e cuidem da sua paisagem, criando possibilidades ilimitadas para a reconstrução de uma nova ética ambiental e respeito à diversidade cultural.
Nesse sentido, o ecoturismo traz no seu conceito e nos seus princípios a (re) valorização da paisagem e do lugar, em oposição ao turismo tradicional. A prática do ecoturismo depende da paisagem conservada, além de ser um instrumento de educação e de interpretação ambiental, o grande diferencial que o destaca das práticas convencionais de turismo. Ao possibilitar a interação do ecoturista com a natureza, estimula uma mudança de atitude na relação homem-natureza.
Sobre o lugar, o ecoturismo conceitualmente deve estimular o respeito e a valorização das culturas locais. Uma cultura autêntica, tradicional é um componente fundamental do ecoturismo, ou seja, as comunidades locais devem estar em posição de poder, e não em posição de subordinação, dispondo de autonomia sobre sua cultura, seus artefatos e rituais, sua própria direção, enquanto se relaciona com culturas que interagem com a sua, sem exploração, e decidem sobre as inovações e as mudanças a serem introduzidas no seu lugar (WEARING e NEIL, 2001).
Sabemos que para se combater as deficiências e gerar empregos e renda no setor de ecoturismo é preciso inserir a população local nessa atividade, nas palavras de Lima (2003, p.75), a gestão do ecoturismo, além de garantir os objetivos de conservação da natureza e a manutenção da qualidade ambiental, deve permitir que os benefícios gerados por suas atividades sejam amplamente incorporados pelas populações locais, como sujeitos do desenvolvimento.

Paisagem e lugar no Parque Estadual da Pedra da Boca: uma abordagem imaginária
As serras de Araruna e da Confusão correspondem a um horst que contrasta com o graben da depressão do Curimataú ou vale do Rio Curimataú. A depressão do Curimataú corresponde a uma fossa tectônica resultante de falhamentos, apresentando altitude média de 300 metros, com desníveis de 300 metros entre a baixada e os topos mais elevados das serras vizinhas. Segundo Carvalho (1982), muitos estudos que analisaram o relevo nordestino, salientam que os terrenos pré-cambrianos sofreram reativações epirogênicas entre o Paleozóico e o Terciário originando a tectônica de ruptura. Como resultados surgiram os Grabens, tipo o vale do Curimataú. O Parque Estadual da Pedra da Boca possui uma paisagem cênica formada por um conjunto rochoso bastante trabalhado pela natureza, de composição granítica porfirídica, com vestígios de gnasses e quartzitos, este complexo está inserido nos contrafortes da Serra da Confusão, denominado também de Calabouço, no município de Araruna - PB. A denominação Pedra da Boca advém da existência de uma imensa formação rochosa de aproximadamente 336 metros de altura, a qual apresenta uma cavidade provocada pela erosão, cuja configuração lembra um sapo gigante prestes a abocanhar um colossal pirilampo. Nas proximidades da Pedra da Boca localizam-se também outras feições geológicas, como a Pedra da Caveira, que recebeu este nome por ter caracteres semelhantes ao de um crânio humano. Outra formação rochosa muito visitada no parque é a Pedra da Santa, é point obrigatório de visita, neste lugar é realizado hoje o turismo religioso, onde todos os dias 13 de cada mês e principalmente no mês de maio, quando recebe fiéis para a tradicional missa ao ar livre, reunindo devotos e pagadores de promessas, além de visitantes de toda a região e de outros estados. Na gruta um antigo morador do lugar, o Sr. Celso Lisboa (político, 1909-1990), construiu no passado um altar para a imagem de Nossa Senhora de Fátima. Com o objetivo de disponibilizar uma infra-estrutura de apoio e acomodação aos fiéis durante as atividades religiosas, estava sendo construído próximo a Pedra da Santa, o Santuário e Memorial da Pedra da Boca, obra que no momento encontra-se parada e tornou-se um dos maiores problemas de ordem ambiental, já que foi construído sem levar em consideração a dinâmica natural dos elementos bióticos e abióticos do lugar e os impactos ambientais que iria acarretar, além de transformar a paisagem natural.
A citada Pedra da Santa, conhecida também como Pedra do Letreiro, preserva a maior concentração de pinturas rupestres tipo hieróglifos da “Tradição Nordeste”, cujas pinturas são atribuídas aos antigos moradores do local, os índios Tarairius e os Paiacus, pertencentes a grande nação Cariri, conhecidos por Tapuias. Segundo pesquisadores teriam aproximadamente cinco mil anos, demonstrando a ampla dispersão que alcançou esta arte pré-histórica, na qual estão representadas com riquezas de detalhes a luta e a caça, simbolizando a cultura dos povos ameríndios que habitavam essa região.
É identificada através de figuras de pequenos tamanhos, antropomorfos dotados de enfeites, ornatos e atributos, os quais caracterizam a figura humana dentro de um contexto sociocultural, com lutas, cenas de caça, de danças e de sexo. As figuras antropomorfos sempre nos aparecem em posições que sugerem movimentos e agitação (SANTOS, 2005, p.61).
Nestas pinturas rupestres do local ocorrem figuras biomorfas e geométricas, caracterizadas por representações antropomórficas e zoomórficas, com proporções semelhantes e com poucas representações fotomorfas. Significam o imaginário sociocultural das mais profundas e antigas raízes dos povos nordestinos. Atualmente, tais resquícios pré-históricos vem sendo alvo do intemperismo natural e da ação humana.
Outro ponto de visitação são a Pedra e fonte da Priquiteira, denominação dada pelos moradores da região, a qual alguns dizem que recebeu este nome porque nela encontravam-se um grande número de periquitos, por esse motivo chegam a dizer que o verdadeiro nome dela é Pedra da Periquiteira, outros dizem que sua denominação foi causada pelas muitas plantas que existem no local, chamadas de Periquiteiras. Existe também, a Pedra do Oratório, onde também se pratica rapel. Estas rochas ladeiam-se por árvores frutíferas, além do Rio Calabouço que corre nas suas proximidades, fronteira natural que separa os Estados do Rio Grande do Norte e Paraíba. O Rio Calabouço, este é um dos principais afluentes do Curimataú, cuja importância é fundamental, não somente para Araruna, mas também para os outros municípios. Em decorrência da devastação da mata ciliar e da irregularidade do regime pluviométrico da região, o curso d’água desse rio tornou-se intermitente. Na mata do gemedor e nos arredores do Parque, ainda é possível ver resquícios de algumas árvores famosas como Pau-d’arcos, baraúnas, umburanas, carnaúbas, marmeleiros, jatobás, pereiros, ubaias, aroeiras, juazeiros, angicos, além de coqueiros, mangueiras, entre outros. Na região encontramos também, plantas da caatinga hipoxerófica mais arbustiva e arborizada como cactáceas e bromeliáceas, e a caatinga hiperxerófila, como a macambira, jurema, xiquexique, a coroa-de-frade, o mandacarú e outras.

A paisagem e o lugar no Parque Estadual da Pedra da Boca e seu uso ecoturístico

É no Parque Estadual da Pedra da Boca, localizado no município de Araruna que encontram-se os atrativos que propiciam o desenvolvimento do ecoturismo e do turismo de aventura no Estado Paraíba, atividade praticada através de mais de 30 modalidades no espaço do ar, da terra e da água. Segundo a Embratur (2004) constitui o segmento que mais cresce na ótica do turismo ecológico, com uma taxa de 18,6 % ao ano, ou do turismo de esportes radicais. Atualmente no local está sendo desenvolvido o ecoturismo, atividade onde preservação é a palavra-chave para o seu progresso e a natureza dá o “show”; o turismo arqueológico e o turismo religioso.
As altas formações rochosas de feições geológicas da região, em especial as do Parque atraem turistas do Estado da Paraíba e de outros estados, inclusive de outros países, como de Portugal e da Holanda, que encantados com as belezas naturais, têm como lazer fazer roteiros bem originais e tradicionais, ou então praticar esportes radicais, através de várias modalidades, como o rapel, os pontos propícios à técnica do rapel na Pedra da Boca são: rapel na Aroeira – 55 metros, na Oratória – 50 metros, na Pedra da Caveira – 50 metros e na Boca – 80 metros. Também existe a prática do alpinismo, escaladas, saltos da asa-delta, caminhada. Nos arredores do parque “jipeiros” e motociclistas fazem constantemente enduros e ciclistas percorrem trilhas de paisagens encantadoras de tamanha beleza natural, através da Mata do Gemedor, resquício de mata nativa de bioma caatinga.
Todo o Parque está inserido nos contrafortes da Serra da Confusão, assim conhecida pela existência de várias serras de rochas graníticas que escondem grutas e cavernas. Segundo Santos (2003, p.25), Caverna é o nome genérico dado a toda cavidade natural, independente de sua morfologia, cuja abertura deve permitir, no mínimo, a entrada de um ser humano, e gruta é toda cavidade de desenvolvimento preferencialmente horizontal e superior a 20 metros. As cavernas e grutas da região são quase inexploradas, algumas possuem importantes sítios paleontológicos e arqueológicos, com muitas pinturas rupestres, outras dão abrigo a alguns animais da fauna do lugar como: gato do mato, raposas, tejus, alguns roedores, morcegos entre outros. Parafraseando Santos, as cavidades naturais do parque são frutos de tombamentos de enormes blocos de granito que, ao caírem, formaram abrigos sob rochas e cavernas e que estão em constante evolução, graças à ação da erosão e dissolução da água.
A visita as cavernas e as grutas da Pedra da Boca é uma das potencialidades ecoturísticas do local, onde o grau de dificuldade é alto. Ter em mente a responsabilidade ambiental e informação correta nestes lugares é primordial, visto pela fragilidade, exigindo cuidados especiais para que os sinais de falta de consciência não fiquem marcados, tais como descaracterização pelo pisoteio, pichações e lixos entre outros impactos. O local também possui diversas trilhas catalogadas onde o turista pode contemplar a natureza, as espécies vegetais e animais nativos e com graus de dificuldades diferenciados, uma verdadeira prova de resistência.

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Autor: Márcio Balbino Cavalcante


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