Da Hipoteca Judiciária Como Efeito Secundário da Sentença



No interregno entre a sentença condenatória e a propositura do processo de execução, não raramente nos deparamos com a parte vencida dissipando o seu patrimônio para tentar livrar-se indene ao cumprimento da sentença que lhe pesa.

Do outro lado, todavia, está o vencedor da demanda que, futuramente, no bojo do processo de execução, encontrar-se-á impedido de ressarcir-se do direito assegurado na sentença condenatória que lhe foi procedente, ante a ausência de bens do devedor.

Neste esteio, com o objetivo de garantir ao titular do direito a plena eficácia da sentença, no caso de uma futura execução, nosso legislador instituiu o artigo 466 do Código de Processo Civil, que trata da HIPOTECA JUDICIÁRIA, como um dos efeitos da sentença, in verbis:

Art. 466 - A sentença que condenar o réu no pagamento de uma prestação, consistente em dinheiro ou em coisa, valerá como título constitutivo de hipoteca judiciária, cuja inscrição será ordenada pelo juiz na forma prescrita na Lei de Registros Públicos.
Parágrafo único - A sentença condenatória produz a hipoteca judiciária:
I - embora a condenação seja genérica;
II - pendente arresto de bens do devedor;
III - ainda quando o credor possa promover a execução provisória da sentença.

Em última análise, a hipoteca judiciária serve de instrumento para o vencedor ter uma garantia de que a sentença alcançará seu resultado prático, a despeito das delongas próprias de um processo judicial.

Infelizmente pouco explorada pelos advogados no resguardo dos interesses de seus clientes, a hipoteca judiciária é, quiçá, uma das poucas saídas deixadas aos titulares de direitos, consistente no recebimento de dinheiro ou coisa, a fim de prevenirem-se das inúmeras situações fáticas que podem sobrevir ao longo do processo enquanto este fica pendente da apreciação pela Instância Superior.

A hipoteca judiciária não se trata, pois, de uma vantagem injustificada a disposição dos credores, mas, ao contrário, é instrumento que se limita a reduzir a situação desvantajosa em que eles já se encontram.(1)

Sobreleva notar que a inscrição da hipoteca judiciária - que deverá ser levada a registro junto ao Cartório Imobiliário competente, - não depende do trânsito em julgado da ação, podendo, portanto, ser constituída ainda que a sentença seja ilíquida ou sujeita a recurso. (2)

Pelo teor do artigo 466 do Código de Processo Civil, acima transcrito, vê-se com clareza que a hipoteca judiciária visa garantir, principalmente, as sentenças que não são passíveis de execução imediata como, por exemplo, aquelas em que os recursos que as combatem são recebidos também no efeito suspensivo.

Isto porque, conforme entendimento jurisprudencial e doutrinário predominante, “se a lei faculta a hipoteca mesmo quando o credor tem a possibilidade de promover a execução, por maioria de razão a deve facultar, quando ele está inibido de a promover” (3)

Neste mesmo passo é o magistério do festejado autor JOSÉ CARLOS BARBOSA MOREIRA (4), senão vejamos:
"Ora, se se concede a hipoteca judiciária mesmo que a sentença seja provisoriamente exeqüível, isto é, quando o recurso cabível não tenha efeito suspensivo a fortiore quando o tenha, e por conseguinte não haja lugar para a penhora ou medida equivalente. Em tal hipótese, precisamente, é que a hipoteca judiciária poderá revelar-se mais útil".

Assim, o fato de ter sido recebido eventual recurso em ambos os efeitos, tal fato, por si só, não é motivo relevante para o afastamento da hipoteca judiciária, eis que esta decorre da simples publicação da sentença não se subordinando à coisa julgada.

Com efeito, a constituição da hipoteca judiciária não depende sequer de prévia menção no corpo da sentença, nem exige prévio requerimento da parte na petição inicial ou na reconvenção, eis que nasce da existência fática da própria sentença condenatória ou, na lição do mestre MOACYR AMARAL DOS SANTOS(5), “constitui-se independentemente de pedido da parte e de declaração expressa na sentença pelo juiz."

Poder-se-ia, pois, afirmar que a hipoteca judiciária é uma conseqüência imediata cujo substractum emana do próprio preceito condenatório da sentença.

Contudo, sobreleva notar que se o juízo de origem já exauriu a sua atividade jurisdicional na causa, não mais poderá ele determinar a inscrição da hipoteca judiciária, incumbência esta que ficará a cargo do relator sorteado para a análise do recurso interposto.

Importante frisar, ainda, que a hipoteca judiciária, por óbvio, não alcança os bens ditos impenhoráveis. Desta forma, ficam excluídos da constituição da hipoteca os bens da União, Estados, Municípios e respectivas autarquias, os bens inalienáveis, o bem de família e o imóvel rural a que se refere o art. 649, X, do CPC.

Eventuais decisões condenatórias proferidas em face da Fazenda Pública não terão como efeito secundário a instituição de hipoteca judiciária, haja vista que, como é cediço, os bens públicos não podem ser gravados com direito real de garantia.

Por derradeiro, cumpre ressaltar que os credores que pretendem a instituição da hipoteca judiciária deverão proceder a especialização e a identificação do bem imóvel a ser levado a registro perante o competente Registro de Imóveis, ou seja, deverão fixar o valor da responsabilidade do devedor e precisar o imóvel a ser onerado com a garantia.

Decerto, a hipoteca judiciária não representa uma solução absoluta para o cumprimento das decisões judiciais em benefício do vencedor, mas constitui-se, outrossim, em importante instituto processual que, se utilizado com mais freqüência pelos patronos das causas que a comporte, minimizaria, sensivelmente, a frustração de seus clientes em eventual execução futura.


Referências:
(1) In, Hipoteca Judiciária, artigo de Hélio Apoliano Cardoso, advogado em Fortaleza-CE;
(2)“A sentença condenatória constitui título de hipoteca judiciária mesmo sem haver transitado em julgado.” (RT 511/115).
(3)José Alberto dos Reis, in Código de Processo Civil Anotado, Vol. V, pág. 205.
(4)In Comentários ao Código de Processo Civil, Vol. V, p. 538, 4.ª edição.
(5) In Comentários ao Código de Processo Civil, Vol. IV, p. 455.
Autor: Peterson Zacarella


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