A noção do Ser em Ibn Sina (Avicena)



A Noção do Ser na Filosofia de Ibn Sina (Avicena) e a problemática da liberdade de emanação.

Francisco Saullo Vital da Silva
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1 Introdução
O presente trabalho pretende analisar a concepção do Ser na filosofia do pensador árabe Ibn Sina, ou Avicena, como é conhecido no Ocidente. Durante muitos anos, desempenhou um enorme papel fora do pensamento Oriental e contribuiu enormemente para evidenciar as obras de Aristóteles. Tomando esta tarefa como possível, buscou-se a leitura e interpretação da tradução de um dos escritos de ‘Abu ‘Ali al-Hussain Ibn Allah Ibn Al-Hassan ibn ‘Ali ibn Sina (Avicena). Ele viveu entre o séc. X e o XI (980-1037) da nossa era , seu livro foi traduzido como Ibn Sina (Avicena): a origem e o retorno.
Além de sua própria filosofia, Avicena fundamenta-se nas concepções de grandes filósofos, as quais, ao longo do tempo, tiveram influências fortes e sustentadoras de muitos outros pensadores tanto do Oriente como do Ocidente. Essas influências são dos neoplatônicos, especialmente Plotino com sua teoria que “o é mundo ordenado por um princípio primeiro” (GUERERO, 2004. p. 23); Aristóteles com sua teoria da causalidade (tudo que está no mundo possui uma causa que gera sua existência) e como bom muçulmano, possui elementos da leitura e da interpretação do livro sagrado do islamismo, o Alcorão. Este que não poderia deixar de influenciar, já que ele tinha um grande domínio deste livro desde sua infância.
Também percebe-se no filósofo persa que há elementos da filosofia do segundo grande mestre da falsafa, AbūNasr Muhammad Ibn Muhammad Ibn Tarjān Ibn Uzalag Al-fārābī ( 872- 950 d. C./ 259-339 H) , no que se refere a primeira noção e caracterização do Ser em Necessário e Ser Possível, e assim promovendo um salto de amadurecimento na visão de mundo no aspecto de que o real e o divino se ligaram em uma só para a formação mística do espiritual no oriente.
Para Ibn Sina, O Ser divide-se em três aspectos: o Ser Necessário por si próprio, o Ser Necessário por intermédio de outro e o Ser Possível. O primeiro é considerado Deus (criador), já o segundo e o terceiro estão relacionados como sendo a criação material, tanto humana quanto os seres da natureza.
2.1 O Ser Necessário
Na concepção de Avicena o Ser necessário é o ente que gera vários outros seres. O Ser Necessário por si não possui causa, não tem matéria (corpo), é inteligível por si, não está sujeito a acidentes e é uno. Não é possível que ele seja uma coisa necessária simultaneamente por si própria e por intermédio de outro, pois caso apresente esta condição de necessariedade de dependência do outro Ser, ele passará a ser por si mesmo um Ser possível.
Para Avicena, o Ser Necessário por si próprio tem uma unicidade pois “não é possível que de dois elementos saia um que seja necessário por intermédio de outro” , pois não existe um “ser necessário por ‘pluralidade’, sob qualquer aspecto” . Conforme já expresso nas distinções de uma e da outra, em que um não pode ser necessária por si mesma e por intermédio de outro ao mesmo tempo, Avicena diz que cada um possui a necessidade de ser não por si só, cada um possui a possibilidade de ser por si. “Para isto acontecer Avicena nos expressa que para ser um possível Ser por si é necessário que haja uma causa para seu ser, ou melhor, para sua existência”. Sendo assim possui causas externas, e não será um Necessário Ser.
O Ser necessário é inteligível por si e não é totalmente sensível por si. Isso que, por ele não ser corpo, e não está em nenhum lugar, e nem está sujeito aos acidentes que os corpos comportam, ele é inteligível em ato. Todo Ser Necessário por si é bem puro; sendo o bem geral é o que todas as coisas buscam e pelo qual aperfeiçoam o Ser.
O Ser Possível não é um bem puro, porque sua essência por si mesma não tem necessidade de ser pura; pois a seu Ser por si mesmo comporta a privação sob determinados aspectos. Ele não está isento de todos os aspectos do mal e da imperfeição. Portanto, só o Ser Necessário por si próprio é perfeito e totalmente puro. Vale contar que a essência primeira possui uma grandiosa pureza de “bem” que fica útil e benéfico para a perfeição de todas as coisas.
2.2 Ser Possível
Tudo que possui a concretização de sua existência a partir da intermediação de outro, ou seja, de uma causa se torna, por sua essência, um Ser Necessário por intermédio de outro. Esse só passará a torna-se um Ser Possível quando possuir uma causa que gere sua existência, ou seja, para se tornar um Ser possível é necessário que haja uma essência, que seja anterior ao todo do Ser, pois se não houve uma essência anterior ao Ser possível, o mesmo não é um possível Ser e sim um Ser Necessário por si mesmo, mas este Ser só existe um, que não foi criado e nem gerado por nenhum outro.
(...) Todo ser possível ou é por si mesmo, ou é por certa causa; se for por si mesmo, então ele próprio é ser necessário, não é um ser possível, e, se for por certa causa, ou seu ser é necessário com esta causa ou fica como estava antes do ser da causa; e isto é absurdo, (...), então, é preciso que seu Ser seja necessário com o ser da causa. Portanto, todo ser possível, por si, somente é ser necessário por intermédio de outro .
Desta forma Avicena expõe a diferença entre o Ser Necessário e o Ser Possível e explica que o necessário Ser quando é por intermédio de outro se torna um Ser possível. Fica caracterizado desta maneira o Ser Possível e o Ser Necessário em sua unicidade de Ser por si próprio e não por intermédio de outro. Podemos caracterizar mais esse Ser como uma essência material e que é possível para a existência, pois, possui matéria de corpo, forma; é divisível e está sujeito a acidentes, ao contrário da essência do Ser Necessário por si próprio que não é corpo, nem matéria de um corpo, nem forma de um corpo, nem matéria inteligível, muito menos possui forma inteligível numa matéria inteligível; ele não é divisível, nem na quantidade, nem em princípios, nem no enunciado, nestes três aspectos ele passa, porque é uno.

3 Problemática e Percepção de Comentadores
Após várias leituras sistemáticas da obra Ibn Sina (Avicena): A origem e o retorno, é possível perceber o surgimento uma problemática referente à criação do Seres Possíveis e Necessários por intermédio de outros. Esse problema é no momento uma lacuna que difere da essência criadora que pode ser ou não solucionada pelas leituras complementares e que influenciaram muitos outros filósofos da idade medieval ocidental.
A problemática encontrada na obra de Ibn Sina é a seguinte: Como pode o Ser Necessário por si mesmo ser a essência dos seres que são criados pelos Seres Necessários por intermédio de outro? Sendo que para haver a existência dos seres Possíveis não é necessário o consentimento da causa?
Se o Ser Necessário (Criador) criar suas obras por necessidade natural mostra uma contradição em um dos seus atributos (liberdade), pois ele não possuirá um atributo tão forte, caso ele próprio não possua este elemento para fazer sua criação quando Ele quiser ou bem entender. Assim sendo, não é possível que nele exista o fator liberdade no aspecto puro. Não possuindo esta característica o criador passará a ser uma agente que cria e recria ao longo do tempo, ou melhor, Deus só será o primeiro “ponta-pé” da criação dos possíveis, já que ele não possui liberdade para parar a criação quando ele quiser.
Outros leitores de Avicena também encontraram este mesmo problema, mas com formulação diferente, tentaram resolver, mas alguns só fizeram uma “correção” no pensamento do filósofo persa. Já outros tentaram “provar com a+b” que esta teoria da criação como necessidade natural está completamente errada e seria uma verdadeira blasfêmia diante do Ser Criador. Veremos aqui alguns artigos que nos ajudaram a compreender mais a problemática.
Dentre os filósofos que buscam criticar o pensamento da vontade natural, está Tomás de Aquino contemplado no nosso primeiro conjunto de artigo do Dr. Alfredo Ostorck, intitulado como Possibilidade lógica e Potência divina: Tomás de Aquino crítico de Avicena. É neste texto que Ostorck explana o pensamento de Tomás e a influência de Avicena sob sua filosofia “tomasiana” em que se é bem conhecida em toda a idade média. A historiografia contemporânea é abundante em obras que mostram a evolução do pensamento de Tomás na influencia crítica de Aristóteles, Avicena e Averróis . O Doutor da igreja soube beber e aproveitar com tanto vigor as suas fontes bibliográficas que as ultrapassou criando um novo pensamento.
Tomás de Aquino crítica abertamente a teoria aviceniana da emanação dos seres a partir do Ser Necessário por si próprio (Deus) em seu livro Suma contra os Gentílicos, escrito em 1261, em que se colocado explicitamente o grande problemas da teoria do filósofo árabe de que Deus não age por necessidade natural. O argumento que crítica Avicena gira em torno da noção de possibilidade que Tomás havia apresentado em seu capítulo anterior da sua obra quando da demonstração da tese segundo a qual “o poder de Deus se estende sobre todas as coisas possíveis”.
A resposta a esta questão deixada por Avicena vai ser analisada e resolvida por Tomás baseado nas obras Aristóteles e Averróis. Ostorck dá a seguinte interpretação:
(...) os possíveis seriam reflexo da essência divina que é imitável pelas criaturas. Eles são consubstanciais a Deus e que, em se conhecendo a si mesmo, Deus os conhece todos ao mesmo tempo em que se conhece como capaz de produzi-los.

Ao término deste primeiro artigo é percebido a conclusão de Tomás de Aquino a respeito da pontecialidade divina na criação dos seres na tese de Avicena, que ele não teria percebido no caso da criação divina que a situação é distinta. Sendo onipotente, Deus pode criar tanto a matéria quanto à forma. Deus conhece, portanto, não somente a forma, princípio da universalidade, mas também a matéria, princípio da particularidade do Ser Possível. É por esta razão que Avicena reduz a sua tese da criação dos Possíveis (causalidade divina) a uma causalidade natural. Deus pode criar uma pluralidade de coisas, é porque ele conhece e “pensa primeiro que sua criação”.
Para resolver este dilema Guilherme usa a análise a do uso da linguagem como meio de significação e conclui apoiando-se em Agostinho, fazendo a sustentação na seguinte forma: “a teoria geral do símbolo mostra que para, que algo seja um símbolo, deve haver entre dois usuários um acordo acerca do modo de interpretar o símbolo. A univocidade da significação é constituída pelo acordo”. Assim ele Exemplifica:

(...) Um sujeito A que transmite, por meio do símbolo S, a mensagem M, ao sujeito B. Se A transmite, por um símbolo S várias mensagens ao sujeito B, pode-se falar em equivocidade. Todavia, se A transmite pelo símbolo S várias mensagens a sujeitos distintos, a univocidade é preservada, pois S simbolizará uma só coisa para C e outra para D.
Para concluir o nosso pensamento referente à problemática levantada a partir destas interpretações acima, ficaríamos sabendo o resultado adquirido acima, mas buscando ainda outros utensílios para caráter de informações para estruturamento deste trabalho e também como um bom filósofo, que busca e faz da investigação uma jornada, foi buscada leitura metódica e equilibrada da obra que sustentou a tese de Avicena sobre a causalidade dos Seres criados: A Metafísica de Aristóteles. Nesta obra é possível encontrar uma solução arcabouça para a problemática desenvolvida e analisada neste artigo.
Na Metafísica Aristóteles fala da causalidade primeira de um objeto como sendo o primeiro criador e causado do outro, contudo a formação de criações futuras é conseqüência da primeira, por que se não fosse a primeira não existiriam os que vieram depois. Assim expressa o filósofo grego:


Ademais, é evidente que há algum primeiro princípio e que as causas das coisas não são nem uma seqüência infinita, nem infinitamente múltiplas quanto ao tipo, pois a geração material de uma coisas a partir de uma outra não pode prosseguir numa progressão infinitas (por exemplo, carne a partir da terra, a terra do ar, o ar do fogo e assim por diante, indefinidamente, sem uma interrupção); nem pode a origem do movimento (por exemplo, o homem ser movido pelo ar, o ar pelo sol, o sol pela discórdia, numa série ilimitada).


Desta maneira, Aristóteles afirma que para ter um objeto ou uma coisa é necessário ter uma causa para sua existência, e se ela for criação de várias gerações, mesmo assim ela continuará sendo conseqüência da primeira não do “termo anterior”, já que, para o filósofo grego se não tiver a causa primeira não existiria o termo que está agora visível:

E ocorre precisamente o mesmo com a causa formal, pois no caso de todos os termos intermediários de uma série contidos entre o primeiro e o último termo, o termo anterior é necessariamente a causa daqueles que o sucedem – porque se tivéssemos que dizer qual dos três é a causa, diríamos o primeiro. De qualquer modo, não é o último termo, uma vez que o que vem no final não é a causa de nada. Tampouco, por outro lado, é o termo intermediário, que se limita a ser a causa de um – e não faz diferença alguma se há um termo intermediário ou vários, ou se seu número é infinito ou finito. Mas no que se refere ás séries, que são infinitas desta maneira, e do infinito em geral. Todas as partes são igualmente intermediarias até o presente momento. Assim, se não há primeiro termo, não há, de modo algum, causa.


Assim, pode-se dizer que na relação de criador e criador a causa primeira de todas as coisas possíveis e impossíveis de serem criadas são frutos da primeira causa e não da última ou da antecessora causal. Desta maneira, é possível afirmar que a análise que o sistema aviceniano fez sobre a causa primeira está mal interpretado, pois é apresentado uma forma de criação natural e imprópria para a pessoa do Ser Criador e gerador substancial do das coisas existentes na terra ou na razão.
Autor: Francisco Saullo Vital da Silva


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