Conhecendo Ingmar Bergman



Saber como trabalham os diretores de cinema é sempre uma curiosidade para os que apreciam a sétima arte. Saber como trabalha o sueco Ingmar Bergaman é ter a certeza de que conheceremos uma maneira única de se conceber uma obra de arte. E é exatamente isso o que acontece com o filme Diário de uma filmagem, rodado durante as gravações do longa-metragem Fanny e Alexandre, de 1982, por Arne Carlsson e depois roteirizado e dirigido pelo próprio Ingmar Bergman, em 1986.
Este documentário nos transporta para as angústias e alegrias de um diretor que prima pelos diálogos bem construídos, bom gosto com as imagens e sensibilidade com os atores. Diretor de clássicos como Morangos silvestres, O sétimo selo, Persona, Cenas de um casamento, entre vários outros, Bergman é conhecido como um dos melhores diretores de atores do cinema. Atrizes como Liv Ullman, Harriet Andersson, Ingrid Thulin, Bibi Andersson e Ingrid Bergman tiveram suas melhores interpretações trabalhando com esse diretor. Em Fanny e Alexandre isso não é diferente. Todo o elenco desse longa está afinado com a direção de Bergman. E, ao assistir Diário de uma filmagem, não é difícil entender o porquê.
No primeiro dia de gravação, que Bergman considera o mais terrível de todos, ele começa com uma cena que considera simples. Nesse momento, vemos o diretor tentando imprimir empolgação em seus atores ao mesmo tempo em que demonstra preocupação com eles. Bergman pede aos atores mirins que tirem os chinelos para não escorregarem e que tomem cuidado com pregos no estúdio. Ele brinca, conversa e a cena flui de maneira incrível.
Mas nem sempre a relação com os atores acontece tranqüilamente. Em um dos momentos mais emocionantes de Diário de uma filmagem, Bergman trava uma luta com um de seus atores, que está inseguro no papel. Os letreiros avisam que o ator Gunnar Bjornstrand autorizou a exibição das cenas. Bjornstrand é um dos grandes intérpretes suecos e já havia trabalhado com Bergman em O sétimo selo e vários outros filmes. Mesmo assim, ele está em inseguro em fazer uma pequena participação cantando uma música de uma personagem da peça Noite de Reis, de Shakespeare. A cena parece simples, mas é gravada exaustivamente em razão do medo de Bjornstrand. Ao longo dessas tomadas, Bergman não perde a calma. Trabalha como uma espécie de maestros de emoções que tem que saber lidar com o ego, as angústias e o medo de seus intérpretes diante da câmera.
Ao longo de Diário de uma filmagem, essa forma única e delicada de lidar com atores é mostrada várias vezes. Como é mostrada também a preocupação de Bergman com a fotografia, cenários e figurinos. Caminhando de braços dados com Sven Kyvist, seu diretor de fotografia há muitos anos, ele pensa, discute e repete as cenas incansavelmente. Mas nunca deixa que sua equipe disperse. A cena em que o pai de Alexandre está no leito de morte e recebe a visita de seus parentes é filmada com movimentos de câmera escolhidos a dedo. Bergman gastou mais de três horas para filmar uma tomada de, aproximadamente, um minuto e meio. Um minuto de beleza estética e emocional.
O humor refinado de Bergman também aparece em Diário de uma filmagem. Depois de tudo preparado para a gravação de uma externa em Uppsala, cidade natal do cineasta, o bispo local não autoriza a retirada de sua antena parabólica da torre da igreja. A tal antena descaracteriza a ambientação e, mesmo assim, o bispo não concorda em retirá-la. Sarcasticamente Bergman comenta “ele deve utilizar esta antena para fazer contatos com Deus”.
As cenas dessas filmagens, como de várias outras, não entraram na edição final de Fanny e Alexander. No documentário não se percebe uma preocupação do diretor em recriar a seqüência do filme abordado. Pelo contrário, as cenas parecem escolhidas pelo que significaram como experiência cinematográfica. Como a cena da mulher gorda e doente saindo por uma porta com o corpo em chamas. Quem assiste a Fanny e Alexander fica impactado com esse momento de apenas quarenta segundos aproximadamente.
Mas, por trás dessa tomada, encontra-se o terror de vários diretores no momento das filmagens, a realidade. Mesmo com todos os cuidados técnicos, o dublê da atriz queimou severamente a palma de uma das mãos. Como um menino que não quer perder a fantasia, Bergman desabafa a vontade de abandonar o estúdio para sempre quando a realidade acaba com suas brincadeiras.
Fanny e Alexander é a obra mais pessoal de Bergman. A história dos personagens título e da família Ekdahl são inspirados em sua própria vida. Talvez isso tenha aumentado ainda mais a entrega desse diretor à produção do filme. De qualquer maneira, Diário de uma filmagem mostra uma outra forma de conhecer Ingmar Bergman. Felizmente tão bonita quanto conhecê-lo por suas imagens, histórias e atores.
Autor: Daniel Antônio de Oliveira


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