O Pássaro Voou. Mas não é esta a função do pássaro? (Para Roberto Shinyashiki)



Não conheço ao certo sua história. Tudo o que sei é que um amigo foi a uma palestra sua e me contou empolgado o título do seu próximo livro e como ele tinha surgido: O pássaro voou.
Cozinhava quando sua filha o chamou para ver o pássaro, desligou correndo o fogão e foi atender ao chamado, mas, triste, a menina lhe contou que ele havia voado.
Ao que me foi dito ou, pelo menos, o que escutei do que me relataram, este foi o motivo primeiro que o levou a escrever que, na vida, temos que tomar cuidado porque senão os pássaros voam sem que os vejamos.
Fiquei pensando a respeito da ave que encantou sua filha e de outras tantas que pousam e levantam vôo nos mais diversos lugares. Afinal, sua função não é voar?
Imaginemos algumas variações possíveis da sua história. Sua filha avistou algo que lhe chamou a atenção e quis que você, seu pai, compartilhasse com ela tal experiência. Poderia ter saído correndo da cozinha, largando imediatamente o que estava fazendo para atendê-la. Ainda assim, poderia não ter visto o pássaro pois ele poderia ter sido mais rápido que a sua prontidão. Talvez deixasse sua filha mais feliz, mas teria corrido o risco de ter a refeição de vocês queimada e talvez alguns fundos de panela escurecidos. Talvez, nunca se sabe, se o pássaro tivesse ficado parado, tivesse ficado observando-o muito tempo, a gordura fosse esquecida no fogo e pudesse ocorrer até mesmo um incêndio. Isto poderia ter sido mais decepcionante para sua filha do que o fato de você não ter visto a ave a qual queria lhe mostrar.
Imaginemos que tudo tivesse ocorrido bem na cozinha, que, de fato, não fosse tão necessário desligar o fogão naquele momento. Imaginemos que ao chegar junto a sua filha, o pássaro não tivesse voado e pudesse vê-lo. Talvez para você ele não parecesse tão interessante quanto para a menina. Talvez fosse um pássaro igual a outros tantos que já tenha visto na vida e que, relatando isto para sua filha, ela ficasse igualmente decepcionada. Talvez o visse e sua beleza fosse realmente admirável, mas que, passados alguns dias, meses ou anos, não mais recordasse deste momento, que toda a beleza do pássaro não mudasse em nada o que sua vida era antes.
Entretanto, porque o pássaro cumpriu seu papel de voar, sua filha pode ter aprendido que, por mais que queiramos compartilhar nossa vida com aqueles que amamos, algumas experiências são só nossas. Ela pode ter aprendido que gritar pode não ser a melhor solução para as questões da vida, que, talvez, se tivesse ido até a cozinha chamá-lo, o pássaro pudesse não ter se assustado com o barulho, você tivesse desligado o fogão, a acompanhado e, assim, passasse um bom tempo admirando com ela toda a beleza da natureza refletida em tão admirável ave. O pássaro voou, mas antes sua filha o viu e, talvez, ela jamais volte a ver animal parecido e sua imagem fique para sempre em sua memória. Talvez não. Pode ser que fosse um pássaro comum e que ela descubra que ficou triste por você não ter sido rápido o bastante sem motivo real. O fato é que o pássaro fez o que deveria ter feito e que há algum motivo, que talvez nunca saibamos, para ele ter passado pela vida de sua filha e lhe chamado a atenção.
Você não viu o pássaro e este fato mudou a sua vida. A partir daquele momento, você parou para pensar em todos os “pássaros” que podem estar passando próximo a você sem que sejam vistos. Se ele não tivesse voado, não teria feito várias pessoas refletirem a respeito de oportunidades e, com toda certeza, eu não estaria lhe escrevendo.
Entendo que devemos estar o mais atento possível para podermos admirar os “pássaros” que passam por nossas vidas. Mas, além disso, creio que é muito importante saber que existe um motivo para as coisas acontecerem de uma forma e não conforme as outras infinitas possibilidades que existem para cada instante.
O mais importante é tentarmos descobrir qual a nossa função nos acontecimentos. O pássaro cumpriu seu papel de voar, você cumpriu seu papel de instigador do pensamento. Creio que cumpri meu papel de questionadora.
Autor: Catarina de Azeredo Roscoe


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