Aspectos Teóricos e Práticos da Intervenção do Estado na Economia



1- TÍTULO: ASPECTOS TEÓRICOS PRÁTICOS DA INTERVENÇÃO
DO ESTADO NA ECONOMIA: ANÁLISE DO MANDADO DE SEGURANÇA Nº 6.010


2 - INTRODUÇÃO


Desenvolvemos o presente estudo como trabalho de conclusão do curso de Pós-Graduação em Direito Empresarial. Partimos de um caso concreto para analisar as implicações teóricas e práticas de sua decisão.
O tema que pretendemos desenvolver está relacionado ao direito econômico e ao direito do consumidor. Mais especificamente, realizaremos a pesquisa atinente à intervenção do Estado na economia.
Embasamos nosso estudo no acórdão proferido pelo Superior Tribunal de Justiça no Mandado de Segurança nº 6010, julgado em 13/10/1999 e publicado no Diário Oficial de 06/12/1999. O caso apresentado trata da legalidade ou não da exigência de fixação de preços em cada produto ofertado no supermercado do impetrante, quando já existe um sistema de informação de preços nas prateleiras e através de código de barras.
A questão que envolve a Constituição Econômica, o Código de Defesa do Consumidor, os princípios gerais de direito econômico e de defesa do consumidor é abordada no presente trabalho da seguinte forma: apresentação de objetivos gerais e específicos do estudo; justificativa da escolha do tema; apresentação do caso e delimitação do problema; descrição da metodologia adotada; marco teórico; análise e discussão do caso com apresentação de nossa conclusão acerca da questão abordada e anexos.


3 - OBJETIVOS


3.1 - OBETIVO GERAL


Analisar a questão da legalidade ou não da intervenção do Estado na economia e nas relações de mercado da forma como foi apresentada pelo despacho do Exmo. Sr. Ministro da Justiça, que determinou a obrigatoriedade da afixação de preços em todas as mercadorias expostas à venda, estipulando prazo para que os estabelecimentos comerciais se adequassem à norma. Esta decomposição será feita à luz dos princípios informadores da ordem econômica e do direito do consumidor aplicáveis ao caso concreto, com o escopo final de concluir se a decisão apresentada pelo poder judiciário no acórdão relatado no item 5.1 merece reformas ou não.
3.2 - OBJETIVO ESPECÍFICO


São objetivos específicos do nosso estudo:
a) Esclarecer acerca da supremacia das normas constitucionais e os efeitos da desobediência as suas normas e princípios;
b) Conceituar princípios informadores do direito, delinear as formas de sua aplicação e as conseqüências de sua violação;
c) Identificar os princípios informadores da ordem econômica segundo a Constituição vigente e verificar sua aplicação ou não ao caso concreto;
d) Identificar os princípios que regem o direito econômico e determinar quais os princípios aplicáveis ao caso concreto;
e) Conceituar consumidor e fornecedor;
f) Enumerar os princípios que regem o direito do consumidor e determinar quais os princípios aplicáveis ao caso ora em estudo;
g) Esclarecer sobre a função social da empresa e do marketing;
h) Enumerar os fundamentos, formas e limites da intervenção do Estado na economia e verificar, a partir do estudo dos itens anteriores, se, no caso relatado, ela é devida ou não;
i) Analisar se a decisão judicial dada ao caso apresentado no item 5.1 foi acertada ou não de acordo com o nosso ponto de vista.


4 - JUSTIFICATIVA


A enorme gama de produtos ofertados no mercado de consumo, a publicidade maciça em relação a estes produtos e as inovações tecnológicas postas à disposição da sociedade hodierna têm alterado a ordem econômica, o mercado de consumo e as relações interpessoais deles decorrentes. Atualmente, observamos uma profunda alteração nos paradigmas até então reinantes no mercado.
Com efeito, não se pode negar que vivemos hoje numa sociedade contemporânea permeada pela produção em massa, troca em massa, consumo em massa, oferta em massa, publicidade de massa, atingindo um número indeterminado de pessoas, gerando conflitos outrora nunca imaginados.
Assim, a ideologia que informava as relações de mercado, consubstanciada exclusivamente na liberdade absoluta do poder de contratar e na não-intervenção ou intervenção mínima do Estado na economia – fruto do liberalismo de fins do século XVIII e século XIX, não mais responde aos anseios da sociedade moderna, refletindo diretamente no campo da economia, sociologia, política e, como não poderia deixar de ser, no campo jurídico.
Surge então o que costumamos denominar de “nova ordem econômica”, cujos reflexos se colocam como forma de coibir abusos dos agentes econômicos e regular o mercado, forçando o Estado a adentrar em áreas do Direito nunca antes protegidas. Assim, o Estado passa a intervir (com relativa freqüência) nas transações privadas e coletivas, causando espécie à sociedade e ao empresariado brasileiro.
Daí nascem diversos questionamentos quanto à legalidade ou não da intervenção do Estado na economia, suas formas, limites e abrangência, os quais pretendemos responder.
O presente estudo pretende trazer uma contribuição teórica aos juristas nacionais, ao tratar de tema relevante e atual, assim como uma contribuição efetivamente prática aos brasileiros que, de uma forma ou de outra, atuam no mercado – haja vista a implicação direta da intervenção estatal no dia a dia de uns e outros.
É certo que as atuais inovações tecnológicas que permeiam a oferta e a informação, tais como, a adoção do sistema de código de barras pelos supermercados - tema abordado no presente estudo - e os reflexos diretos e indiretos que provocam na economia e no mercado podem tanto representar um avanço quanto um retrocesso social.
Com efeito, a questão abarca, como dissemos, um número indeterminado de consumidores brasileiros, assim como as empresas que ofertam seus produtos em massa para que aqueles os consumam. Os produtos ofertados pelas redes de supermercados vão desde produtos supérfluos a produtos essenciais, de maneira que a oferta atinge um número significativo de pessoas que diariamente se dirigem aos supermercados a fim de adquirir tais produtos.
Assim sendo, a maneira como tais produtos são ofertados ao consumidor é tema de grande importância à sociedade brasileira da mesma forma que o é para os estudiosos e operadores do Direito, haja vista o elevado número de ações semelhantes ao recurso em estudo que diariamente deságuam nos nossos tribunais, podendo ser citadas apenas algumas para exemplificação: MS nº 6.016 (anexo V), MS nº 5.986 (anexo VI), MS nº 5.943 (anexo VII), MS nº 6.023 (anexo VIII), MS nº 6.018 (anexo IX), MS nº 6.055 (anexo X).
Insta ressaltarmos também que, em novembro de 2000, foi publicada a Lei Estadual mineira de nº 13.765 (anexo XI) que regula exatamente a questão ora levantada, o que comprova a atualidade e relevância do tema para o nosso direito, configurando esta mais uma intervenção do Estado na economia.
Pertinente ressaltarmos ainda, porque é fator altamente ligado ao nosso trabalho e ao curso de especialização desenvolvido, que ante às modificações políticas, sociais e econômicas ocorridas não só no País mas em todo o globo, surge para a empresa o dever de cumprir com sua função social (assim entendida como a necessidade de se trazer benefícios à sociedade como um todo) e para o Estado, a obrigatoriedade de efetivar o cumprimento desta nova orientação jurídica.
Desta forma, no atual contexto – onde predominam relações permeadas pelo desequilíbrio – não há como negar que o Direito se apresenta como instrumento de controle social, desenvolvendo meios de tutelar os interesses da coletividade e regular o mercado, por intermédio da intervenção Estatal – prática corriqueira nos dias modernos (seja, através da edição de novas leis, atos administrativos ou outras formas, legítimas ou não).
Assim, ante as considerações aqui levantadas, não podemos negar que a intervenção do Estado na economia, sua abrangência, formas e limites é um questionamento atual e de extrema relevância, vez que é cada vez mais freqüente.


5 - DELIMITAÇÃO DO TEMA


5.1 - APRESENTAÇÃO DO CASO


Trata-se do Mandado de Segurança Preventivo nº 6.010, julgado pelo Superior Tribunal de Justiça em 13/10/1999 e publicado no Diário Oficial da União em 06/12/1999, impetrado por Bompreço S/A Supermercados do Nordeste contra ato do Sr. Ministro de Estado da Justiça.
O impetrante intentou o presente Mandado de Segurança com pedido de liminar alegando encontrar-se sob ameaça de sofrer pesadas multas e ter seus estabelecimentos fechados em virtude de ato ilegal do impetrado – consistente em despacho emanado do Sr. Ministro de Estado da Justiça, homologando despacho emitido pelo Sr. Diretor do Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor, publicado no órgão oficial em 25/05/1998.
O ato estatal impugnado nos autos é o seguinte, como se depreende do acórdão constante do anexo (anexo I):


Despacho nº 17 – Referência: Portaria nº 442, de 16 de junho de 1998. Assunto: Comissão Especial para proceder estudos e propor formas de aprimoramento dos critérios e padrões para visualização de preços dos produtos expostos à venda. Decisão: Recebo o relatório da Comissão Especial no prazo estabelecido. Pelo seu conteúdo, não vejo como ser acolhida a proposta da Associação Brasileira de Supermercados – ABRAS, em face da extrema elasticidade do prazo para solução da matéria objeto do estudo e, ainda, por distanciar-se das disposições contidas nos arts. 6º III e 31, ambos da Lei nº 8.078 de 11 de setembro de 1990. Em contrapartida, alio-me às ponderações dos representantes dos PROCONS, do Fórum Nacional de Entidades Civis de Defesa do Consumidor, do Ministério Público Federal, bem assim às considerações e propostas apresentadas pela Secretaria de Direito Econômico desta Pasta. Malgrado reconheça os benefícios da evolução tecnológica, com a adoção de código de barras, sou forçado a reconhecer, também, diante dos lamentáveis fatos concretos trazidos ao conhecimento do Ministério da Justiça, que as exigências de informações claras e adequadas, erigidas em proteção do consumidor, somente serão plenamente atendidas com o preço afixado no produto exposto à venda. Rejeito, pois, qualquer argumento que violente a dignidade do consumidor. Desse modo, apoiado na legislação mencionada e na Constituição Federal, que consigna a defesa do consumidor como princípio da ordem econômica, referendo o Despacho do Senhor Diretor do Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor, datada de 20 de maio de 1998, publicado no Diário Oficial da União de 25 do mesmo mês, razão pela qual estabeleço a data de 11 de setembro do corrente ano como limite para a afixação dos preços diretamente nos produtos expostos à venda. Oriento, por derradeiro, o Sistema Nacional de Defesa do Consumidor a agir de acordo com o teor da precitada manifestação do DPDC.

Do despacho homologado, emitido pelo Diretor do Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor, consta o seguinte: (anexo II)


[...] Determino, no uso das atribuições conferidas a este Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor, e neste específico caso, o disposto nos arts. 30 e seguintes da Lei nº 8.078/90, que, na oferta e na Publicidade de produtos comercializados no território nacional, ficam os estabelecimentos comerciais obrigados a afixarem o “Preço à Vista” através de etiquetas ou similares, diretamente nos bens expostos à venda, fazendo constar os seus preços à vista em caracteres legíveis, independentemente de outra modalidade de pagamento. Existindo no local, sistema de código de barras, instituído pelo Decreto nº 90.595/84, é obrigatória, também, a afixação dos preços à vista, dos produtos correspondentes aos referidos códigos, de tal forma a evitar o constrangimento, quando do acesso do consumidor ao caixa do estabelecimento para o devido pagamento do que adquire. [...] Ficam os órgãos públicos legitimados na proteção e defesa do consumidor incumbidos de acompanhar o cumprimento deste Despacho, adotando todos os meios previstos em lei, inclusive penalizando, tudo em favor de seu fiel cumprimento. [...].


Assim, como vemos dos despachos acima citados, o ato da autoridade coatora (Exmo. Sr. Ministro de Estado da Justiça), primeiramente, referendou o despacho do Diretor do Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor, que declarava a obrigatoriedade de afixação de etiquetas individuais em todas as mercadorias expostas à venda com o respectivo preço das mesmas, ainda que existisse o sistema de código de barras no estabelecimento e, em segundo lugar, estabeleceu a data de 11 de setembro de 1998 como limite para a adoção da providência ordenada no despacho referendado.
O impetrante alega que é portador do direito líquido e certo de não afixar, diretamente na embalagem do produto que expõe à venda, o preço à vista, entendendo que o processo de código de barras já instituído em seus estabelecimentos é útil e satisfatório a prestar informações sobre o preço do produto ao consumidor, além de reduzir custos, não implicando acréscimo de preço do produto e favorecendo assim o consumidor.
Aduz ainda que não existe legislação específica ordenando a obrigatoriedade da afixação de preços por meio de etiquetas individuais em cada produto ofertado, considerando ilegítimo o ato contra o qual se insurge, pois este teria inovado o conteúdo da lei e violado o princípio da livre concorrência, promovendo intervenção indevida nos negócios privados.
Desta feita, o impetrante requereu liminar e, após, a segurança definitiva para continuar utilizando o sistema já adotado em seu estabelecimento para divulgação de preços.
As informações foram prestadas, tendo a autoridade coatora defendido a legalidade do ato, opinando neste sentido também o Ministério Público Federal.
O Sr. Relator, Ministro Garcia Vieira, votou no sentido de denegar a segurança, embasado no artigo 5º, XXXII (BRASIL, 1999, p. 8) e no artigo 170, V da Constituição Federal (BRASIL, 2000, p. 101), esclarecendo que um dos princípios básicos da ordem econômica é a defesa do consumidor. Explicita ainda que o Código de Defesa do Consumidor é lei que estabelece normas de ordem pública e interesse social, relacionando, entre os direitos básicos do consumidor (nos termos do artigo 6º, item III) (BRASIL, 2000, p. 186), a informação adequada e clara sobre o preço do produto, dentre outras especificações. Entende que o fato de existir em cada produto o código de barras e o preço nas gôndolas não é suficiente para garantir ao consumidor informações claras, precisas, ostensivas e corretas sobre o preço, conforme preceitua o artigo 31 do Código de Defesa do Consumidor (BRASIL, 2000, p. 192).
Lembra ainda que, no Brasil, existe um elevado número de analfabetos e semi-analfabetos para os quais seria difícil a consulta via terminal de computador a fim de averiguar o preço, utilizando-se do código de barras.
Aduz também, nas razões de seu voto, que a não afixação de preços em cada produto impediria o consumidor de verificar, no caixa, se os produtos que está adquirindo estão sendo cobrados pelo mesmo valor que lhe foi ofertado na gôndola ou no terminal de consulta. Sustenta ser muito comum que as mercadorias sejam registradas no caixa por preço superior ao que consta das prateleiras.
Atesta ainda que o impetrante adotava o etiquetamento individual de preços em cada produto e os alterava diariamente na época da inflação e que, nos tempos atuais, onde a moeda é estável e o preço não tem que ser alterado todos os dias, o custo é bem menor.
Por fim, afirma entender que somente com o preço afixado em cada produto se cumpriria o disposto nos artigos 6º, III, 30 e 31 da Lei 8.078/90 – Código de Defesa do Consumidor (BRASIL, 2000, p. 186-192).
Transcreve em seu voto parte do parecer do Douto Subprocurador-Geral da República, Dr. Miguel Guskow, destacando trecho em que este afirma que a informação do preço, através do código de barras e das gôndolas, é falha primeiro, porque facilita a prática de fraudes por parte do estabelecimento comercial ofertante do produto e, segundo, porque induz o consumidor a erro, reclamando complementação mediante método mais eficaz. Sustenta ainda que o ato impugnado não viola o princípio da livre iniciativa, uma vez que este representa liberdade com obediência à lei e a livre iniciativa autoriza a adoção de medidas protetivas do direito do consumidor.
Desta feita, entende que o ato impugnado não padece de nenhuma ilegalidade, motivo pelo qual vota pela denegação da segurança.
Os Exmos. Ministros Hélio Mosimann, Demócrito Reinaldo, Milton Luiz Pereira, Humberto Gomes de Barros e José Delgado acompanharam o relator denegando a segurança. Do inteiro teor do acórdão ainda constam os votos vista dos dois últimos Ministros citados, quais sejam, Humberto Gomes de Barros e José Delgado.
Em suma, este é o resumo do caso que ora analisamos, encontrando-se o acórdão em inteiro teor no anexo I deste trabalho.


5.2 - DELIMITAÇÃO DO PROBLEMA

Dentre as diversas questões abordadas no caso, pretendemos analisar a questão da legalidade ou não da intervenção do Estado na economia e nas relações de mercado, partindo da análise da aplicação e incidência das normas de direito econômico e de defesa do consumidor ao caso concreto apresentado no item anterior, como forma de identificar se a decisão foi correta ou não, segundo o nosso ponto de vista e o referencial teórico adotado. Para tanto, pretendemos responder às seguintes questões:
1. Qual o conteúdo da norma impugnada no caso?
2. Houve intervenção do Estado na economia?
3. Se positiva a resposta acima, de que forma se deu esta intervenção?
4. Se positiva a resposta do item 2, a intervenção foi devida ou indevida?
5. Quais são os princípios que informam o direito econômico aplicáveis ao caso apresentado no item anterior e que podem limitar ou dar subsídios para a intervenção do Estado na economia?
6. Quais são os princípios que informam o direito do consumidor aplicáveis ao caso apresentado no item anterior e que podem limitar ou dar subsídios para a intervenção do Estado na economia?
7. Quais as normas que embasam a decisão do caso concreto apresentado no item anterior?
8. A decisão judicial apresentada ao caso em estudo foi acertada? Por quê?

6 - METODOLOGIA


O presente projeto técnico baseia-se em pesquisa bibliográfica e estudo de caso. A metodologia adotada tem o intuito de aplicar o conhecimento técnico obtido através da leitura das obras elencadas na referência bibliográfica ao caso concreto apresentado no item 5.2.
O referencial bibliográfico consiste basicamente na pesquisa e estudo de textos ligados ao tema objeto do projeto. A partir da análise minuciosa das obras destacadas no item 10, alargamos nosso conhecimento teórico-jurídico sobre o tema da pesquisa, resultando em melhor compreensão e análise crítica do caso delineado no item 5.2.
O estudo de caso, por sua vez, consiste na análise de uma dada situação diretamente ligada ao tema do projeto de pesquisa, vislumbrando sua aplicação fática em um dado contexto. Enfoca o objeto concreto a ser estudado em seu ambiente natural. Aborda, em suma, a eleição de uma situação-problema, sua contextualização, análise de suas nuances e implicações práticas e teóricas, elaboração de considerações sobre a teoria aplicada e/ou aplicável, apresentação de soluções e críticas ao desfecho dado ao caso. O estudo de caso permite a possibilidade de efetivarmos o estudo de um fenômeno real a partir do referencial teórico pesquisado.
Assim, a metodologia adotada – junção de pesquisa bibliográfica e estudo de caso – permite estreita relação entre o tema de pesquisa e a bibliografia do pesquisador, transformando o projeto técnico em um estudo mais objetivo, claro, prático, prazeroso e real. A técnica metodológica adotada permite que vislumbremos a teoria e prática nas quais se apóiam a reflexão objeto de estudo.
Enumeramos abaixo as etapas que seguimos para a conclusão do projeto:
1. Escolha do tema/caso
2. Escolha do orientador
3. Levantamento de bibliografia
4. Leitura e análise do caso
5. Leitura e fichamento da pesquisa bibliográfica
6. Redação do projeto
7. Revisão do texto
8. Formatações finais
9. Impressão do trabalho
10. Encadernação
11. Entrega da monografia


7 - MARCO TEÓRICO
7.1 - SUPREMACIA DA CONSTITUIÇÃO
EFEITOS DA DESOBEDIÊNCIA AS SUAS NORMAS E PRINCÍPIOS


Sendo a Constituição norma hierarquicamente superior, à qual todo o ordenamento jurídico deve obediência, nada mais justo iniciarmos nossos estudos pelos efeitos advindos de sua não-observância, sem muito nos delongarmos – para nos atermos a questões mais controvertidas, mormente se considerado que a decisão aplicada ao caso baseou-se em princípios e normas constitucionalmente estabelecidas.
A Constituição de um Estado é, portanto, a base de todo o ordenamento jurídico que rege tanto o Estado como o cidadão. Desta forma, tanto um quanto outro estão subordinados diretamente a ela no campo da legalidade de suas ações ou omissões.
É que, segundo o ilustre jurista Roque Antônio CARRAZA, não só a ação como também a omissão da obediência às normas constitucionais pode gerar inconstitucionalidade:


Notamos, en passant, que no Brasil, esta conformidade exige não só que as leis, os decretos, as portarias etc. estejam em sintonia com a Constituição Federal, como, também, que não se omita a aplicação de suas normas, quando ela assim o requer. É que ao lado da inconstitucionalidade por ação (art. 102, I, a e II, a, b e c, da CF), temos desde o advento da Carta de 1988, a inconstitucionalidade por omissão (art. 103 e §§ 1º, 2º e 3º da CF). (1999, p. 29).


Assim, sendo a norma constitucional a Lei Maior de um conjunto jurídico sistematicamente organizado, qualquer violação as suas prescrições corresponderá, sem dúvida, à maior forma de ilegalidade possível.
Como salienta, oportunamente, o renomado professor já mencionado, a Constituição Federal constitui-se de normas que deverão ser incondicionalmente observadas:

As normas constitucionais, além de ocuparem a cúspide da pirâmide jurídica, caracterizam-se pela imperatividade de seus comandos, que obrigam não só pessoas físicas ou jurídicas, de direito público ou de direito privado, como o próprio Estado. O que estamos procurando ressaltar é que a constituição não é um mero repositório de recomendações, a serem ou não atendidas, mas um conjunto de normas supremas que devem ser incondicionalmente observadas, inclusive pelo legislador infraconstitucional. (CARRAZA, 1999, p. 28).


7.2 - PRINCÍPIOS: DEFINIÇÃO E CONSEQÜÊNCIAS DE SUA VIOLAÇÃO

Etimologicamente, o termo “princípio” (do latim principium, principii) encerra a idéia de começo, origem, base. Em linguagem leiga é, de fato, o ponto de partida e o fundamento (causa) de um processo qualquer (CARRAZA, 1999, p. 30).
Princípios jurídicos, por sua vez, são as normas básicas que informam e vinculam todo o ordenamento jurídico, sejam eles implícitos ou explícitos, constitucionais ou infraconstitucionais – ressalvadas, por óbvio, as devidas proporções quanto à hierarquia dos mesmos.
O citado professor ainda salienta, com enorme propriedade:

Os princípios são as diretrizes, isto é, os nortes, do ordenamento jurídico. [...] Princípio jurídico é um enunciado lógico, implícito ou explícito, que, por sua grande generalidade, ocupa posição de preeminência nos vastos quadrantes do Direito e, por isso mesmo, vincula, de modo inexorável, o entendimento e a aplicação das normas jurídicas que com ele se conectam. (CARRAZA, 1999, p. 29, 31, 32).


Sob nossa concepção, tanto o intérprete da lei quanto o operador do direito, assim como todos os demais ligados a esta ciência, devem, sempre, partir da base do ordenamento jurídico, ou seja, dos princípios, para ora suprir as lacunas legais, ora entender o sentido real e intrínseco das normas, e por fim, interpretar as regras jurídicas em consonância com o que lhes dá sustentáculo. Por isso, no campo doutrinário, CARRAZA manifestou que “nenhuma interpretação poderá ser havida por boa (e, portanto, por jurídica) se, direta ou indiretamente, vier a afrontar um princípio jurídico constitucional.” (1999, p. 33).
Assim, importante ressaltarmos aqui a relevância dos princípios – ainda que brevemente, uma vez que neles se apóiam quaisquer interpretações do ordenamento jurídico. A partir da análise de princípios da ordem econômica e defesa do consumidor, poderemos chegar indubitavelmente a uma solução para o caso concreto ora estudado.


7.3 - A NOVA ORDEM ECONÔMICA E SEUS REFLEXOS JURÍDICOS

Nos idos dos séculos XVIII e XIX, o globo girava em torno da ideologia liberalista, que consistia na plena e irrestrita liberdade contratual, livre mercado e individualismo, embasado na doutrina econômica do laissez-faire, em contraposição a qualquer princípio intervencionista do Estado que viesse a regular a atividade econômica. Nesta seara, a classe dominante, sob o manto do princípio da liberdade, passou a controlar o mercado, gerando concentração de poder e riquezas e desigualdades sociais.
A doutrina liberalista mostrou-se, ao longo dos séculos, como uma ideologia falha que apresentava inúmeras imperfeições, podendo até mesmo levar ao caos o próprio sistema capitalista - assim considerado o modelo econômico onde ao particular cabe a apropriação e realização dos meios de produção - ao qual se opunha o modelo socialista.
As sociedades foram acometidas de tantos maus, se podemos assim dizer, derivados da ideologia não-intervencionista do Estado Liberal, que, hodiernamente, podemos observar um esvaziamento de qualquer concepção liberalista - no sentido clássico desta expressão - e o surgimento de uma política voltada para as grandes massas e o social, numa tentativa de evitar que os erros se perpetuem na História.
Importante relevarmos essas breves considerações históricas para que possamos compreender efetivamente a nossa Constituição Econômica, suas diretrizes e regras – especialmente se considerarmos que o direito econômico é, em si mesmo, um ramo do Direito dotado de mobilidade, ou seja, o direito econômico não é estático, acompanha (e precisa acompanhar) as modificações socioeconômicas para bem discipliná-las, adequando a norma ao contexto fático de um determinado tempo.
Assim, a nova ordem econômica traduz-se pela necessidade de impor um freio ao liberalismo individualista submetido apenas às leis de mercado, concedendo-lhe uma concepção social e de proteção dos interesses das grandes massas e da coletividade como um todo. É o chamado Neoliberalismo.
Desta forma, a mera leitura do Título VII da Carta Vigente (BRASIL, 1999, p. 101-108) – ou, o que se convencionou chamar de Constituição Econômica – nos remete a aspectos coletivos e sociais, em detrimento do absolutamente individual pregado pelo liberalismo clássico.
Tal consideração é de extrema importância, porque é a Constituição Econômica de um país que determina o modelo econômico adotado.
E a nossa Constituição consagrou o modelo capitalista, como já citado (artigo 170, caput, e incisos II e IV, artigo 173, artigo 174) (BRASIL, 1999, p. 100-103). Em contrapartida, estabeleceu também que um dos vetores da ordem econômica é a promoção de uma chamada “justiça social”, para garantir que o exercício dos direitos da livre iniciativa e propriedade privada se condicionasse ao interesse da coletividade (artigo 170 caput e incisos II, V, VI, dentre outros) (BRASIL, 1999, p. 100).
Assim, concluímos que a opção da Carta de 1988 é pelo sistema de apropriação privada dos meios de produção, com alguns preceitos direcionados à socialização, sem contudo comprometer o sistema em sua essência. A Magna Carta, consagra de um lado, o sistema capitalista de mercado (artigo 170, caput – que afirma que a ordem econômica é fundada na livre iniciativa) (BRASIL, 1999, p. 100) e, de outro, estabelece princípios moderadores de tal modelo. Isso foi estabelecido pelo legislador no intuito de evitar que erros já historicamente perpetrados não se repitam no presente, onde verificamos que a preservação e continuidade do modelo capitalista são inevitáveis e desejados – haja vista o desenvolvimento desenfreado e sem retorno do mesmo. Demais disso, salientamos que a intenção do legislador constituinte foi a de preservar o Estado Democrático de Direito onde garantias individuais são asseguradas a todos os cidadãos.
Desta forma, a Constituição Federal vigente determina os meios e formas de intervenção do Estado na economia, para garantir os direitos decorrentes de um capitalismo sadio nela consagrados.
Concluímos, portanto, que o direito econômico brasileiro adequou-se (e continua adequando-se, dado à sua mobilidade e concreticidade) à nova ordem econômica, sempre de acordo com a evolução do pensamento político social da humanidade, a fim de garantir aos cidadãos brasileiros a observância das regras do Estado Democrático de Direito (artigo 1º do Diploma de 1988) (BRASIL, 1999, p. 3). É o que salienta SANTOS: “O momento histórico atual corresponde, indubitavelmente, à transição do Estado Liberal, mero árbitro em questões de ordem, segurança e paz, como já visto, para um Estado de Justiça Social, este sim a nova expressão do Estado de Direito.” (2000, p. 64).


7.4 - PRINCÍPIOS INFORMADORES DA ORDEM ECONÔMICA


Para que entendamos as formas de intervenção do Estado na economia e a sua razão de ser da maneira como prevista na Constituição Econômica de 1988 e, para que a partir daí, possamos verificar a sua aplicabilidade ou não ao caso concreto, consideramos indispensável o estudo dos princípios constitucionais norteadores de tal ordem econômica, pelo que passamos a analisá-los, brevemente, um a um, conforme o artigo 170 da Carta de 88 (BRASIL, 1999, p. 100).

7.4.1 - A DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA
SEGUNDO OS DITAMES DA JUSTIÇA SOCIAL


A Constituição Federal de 1988 estabeleceu a dignidade da pessoa humana em dois momentos particulares: no artigo 1º, inciso III (BRASIL, 1999, p. 3), como fundamento do Estado Democrático de Direito; e no artigo 170, caput (BRASIL, 1999, p. 101), como princípio geral informador de toda a atividade econômica do País.
O conceito de vida digna, que a princípio nos parece um tanto abstrato, em realidade não o é. Vida digna é aquela com suficientes condições de subsistência. Desta forma se manifestaria um cidadão leigo, bem como já o fizeram juristas renomados, a saber, Fernando Gherardini SANTOS (2000, p. 70).
O mesmo se dá com o conceito de justiça social que, aparentemente, é um tanto quanto indeterminado e vago (SANTOS, 2000, p. 70). Não obstante, nos filiamos à tese do Mestre citado, quando explicita que o conceito de justiça social está ligado à noção de distribuição de renda, “de modo a assegurar a todos a supressão das necessidades básicas de subsistência.” (SANTOS, 2000, p. 70).
Trata-se, portanto, de princípio impositivo, ao qual se submetem tanto legisladores quanto cidadãos leigos, como o próprio Estado, ao passo que este também - e sobretudo - se submete às normas constitucionais.
De fato, poder-se-ia dizer que o princípio que assegura a todos existência digna em conformidade com os ditames da justiça social estaria, de certa forma, em contradição com o próprio modelo capitalista adotado pela Carta de 1988, uma vez que este sistema, por si só (por sua natureza), é baseado no individualismo e, conseqüentemente, pressupõe uma certa desigualdade. Porém, o princípio em referência não está em desacordo com a ordem econômica consagrada, lado outro, traduz o intuito de preservar o capitalismo, adequando-o à realidade econômica nacional - haja vista que falamos de um país onde a distribuição de rendas e a concentração de riquezas nas mãos de poucos não poderia ser maior. Como bem salienta o renomado jurista mencionado, o intuito é “nortear e mitigar os aspectos selvagens do capitalismo, reduzindo as desigualdades sociais a um nível suportável." (SANTOS, 2000, p. 71).


7.4.2 - A VALORIZAÇÃO SOCIAL DO TRABALHO


Mais uma vez, temos aqui um princípio previsto em dois momentos da Constituição de 88: como fundamento da República, no artigo 1º, inciso IV (BRASIL, 1999, p. 3), e como princípio informador da ordem econômica brasileira, na forma do artigo 170, caput (BRASIL, 1999, p. 101).
A valorização do trabalho humano, a nosso ver, vem reafirmar a intenção do legislador constituinte de evitar o colapso do sistema capitalista e, porque não, do Estado Brasileiro, ao passo que procura reduzir as grandes disputas inerentes a este sistema (a exemplo dos conflitos existentes entre capital e trabalho no modelo liberal clássico), com o intuito de que tanto um (capital) quanto o outro (trabalho) coexistam de forma se não harmônica, ao menos tolerável.


7.4.3 - A LIVRE INICIATIVA


A livre iniciativa prevista na Constituição Federal de 1988 como fundamento do Estado Democrático de Direito (artigo 1º, inciso IV) (BRASIL, 1999, p. 3), ao lado dos valores sociais do trabalho, assume caráter distinto de sua concepção clássica do liberalismo do século XVIII.
Consagrada como princípio constitucional impositivo no artigo 170, caput (BRASIL, 1999, p. 101), tem conotação de liberdade de organização e exercício de qualquer atividade econômica voltada à obtenção de lucro (SANTOS, 2000, p. 73).
A respeito deste princípio os nobres juristas portugueses salientaram:


Ele traduz a possibilidade de exercer uma actividade económica privada, nomeadamente através da liberdade de criação de empresas e da sua gestão. Compreende como componentes a liberdade de investimento ou de acesso, a qual se traduz no direito de escolha da actividade económica a desenvolver, a liberdade de organização, ou seja, a liberdade de determinação do modo como a actividade vai ser desenvolvida (incluindo a forma, qualidade e preço dos produtos ou serviços produzidos) e a liberdade de contratação ou liberdade negocial, que compreende a liberdade de estabelecer relações jurídicas e de fixar, por acordo, o seu conteúdo. (SANTOS, GONÇALVES, MARQUES, 1998, p. 50).


É o parágrafo único do artigo 170 (BRASIL, 1999, p. 102) que já define a livre iniciativa como “o livre exercício de qualquer atividade econômica, independentemente de autorização de órgãos públicos, salvo nos casos previstos em lei”.
Assim, Constituição Federal, de um lado, garante o exercício do direito da livre iniciativa, e de outro, restringe os seus alcances: primeiramente, quando determina no parágrafo único do artigo 170 (BRASIL, 1999, p. 102) que a lei pode determinar casos de intervenção do estado na economia exigindo do particular autorização para exercer determinada atividade econômica e, em segundo lugar, quando coloca a livre iniciativa ao lado de outros princípios aparentemente contraditórios ao que estudamos por ora, como podemos citar por exemplo a valorização do trabalho, a defesa do consumidor, a defesa do meio ambiente e tantos outros que limitam sua amplitude.
A doutrina já ressaltou, quanto ao motivo das restrições que são impostas ao exercício da livre iniciativa, o seguinte:


A liberdade de iniciativa privada não é, contudo, reconhecida pela Constituição em termos absolutos. [...] As restrições ou condicionamentos à iniciativa privada ora são justificadas pela necessidade de protecção do interesse público em geral, ora pela necessidade de protecção dos interesses de terceiros, nomeadamente de grupos com uma relação específica com a actividade da empresa [...]. A liberdade de iniciativa está, assim, funcionalizada à satisfação de exigências sócio-económicas. (SANTOS, GONÇALVES, MARQUES, 1998, p. 51).


Mais uma vez, evidenciamos a conotação social empregada pelo legislador constituinte à Constituição Federal de 1988, que não abandona princípios basilares da ideologia capitalista mas, por outro lado, os restringe, buscando harmonizar o mercado sem privar o cidadão de seus direitos.


7.4.4 - A ERRADICAÇÃO DA POBREZA E DA MARGINALIZAÇÃO
E A REDUÇÃO DAS DESIGUALDADES SOCIAIS E REGIONAIS


Ao instituir este princípio na Carta de 1988, nos artigos 3º, inciso III (BRASIL, 1999, p. 3), como objetivo fundamental da República Federativa do Brasil e 170, inciso VII (BRASIL, 1999, p. 101), como base informadora da ordem econômica, o legislador constituinte mais uma vez demonstrou sua imensa preocupação com o social, fazendo sobressair ainda mais este caráter que permeia toda a nova Constituição Brasileira.


7.4.5 - SOBERANIA NACIONAL


A soberania é apresentada no artigo 170, inciso I da Constituição Federal (BRASIL, 1999, p. 101) como princípio básico da ordem econômica.
Segundo SANTOS, “o que a Constituição Federal pretende é a libertação econômica do país, para que o Brasil passe de mero consumidor de tecnologia externa, ... e se atualize e se modernize mediante uma economia autônoma e independente, com o fim de possibilitar à sociedade brasileira competir em pé de igualdade no mercado internacional.” (2000, p. 78).


7.4.6 - A PROPRIEDADE E SUA FUNÇÃO SOCIAL


No capítulo destinado aos direitos e garantias fundamentais, a Constituição Federal de 1988 assegura, no caput do artigo 5º (BRASIL, 1999, p. 5), a inviolabilidade do direito à propriedade, garantindo em seguida, no inciso XXII, o direito de propriedade (BRASIL, 1999, p. 7). No inciso seguinte, porém, na esteira do pensamento político social adotado pela Carta de 88, o legislador determina que a sociedade atenderá a sua função social.
Da mesma forma, no artigo 170, incisos II e III (BRASIL, 1999, p. 101), a Constituição estabelece como princípios gerais da atividade econômica a propriedade privada e a função social da propriedade.
O legislador garante, basicamente, a propriedade privada como instrumento mantenedor do capitalismo, porém, assegura que tal propriedade não poderá ser utilizada indistintamente pelos cidadãos, devendo atender a sua função social.
Na lição do direito comparado, temos que

[...] de facto, o direito de propriedade privada não é reconhecido como um direito absoluto, podendo ser objecto de limitações ou restrições, as quais se relacionam com princípios gerais de direito (função social da propriedade, abuso de direito), com razões de utilidade pública ou com a necessidade de conferir eficácia a outros princípios ou normas constitucionais, incluindo outros direitos económicos ou sociais e as disposições da organização económica. (SANTOS, GONÇALVES, MARQUES, 1998, p. 47).


O que visa o legislador, mais uma vez, é a preservação do capitalismo saudável e, para tanto, institui normas de limitação ao mau uso de tal sistema, buscando evitar o caos que se verificou no passado, quando a ideologia era apenas a liberdade plena e total, sem quaisquer restrições.
Como manifesta SANTOS, “a exemplo do que tem feito em outras matérias, a CF/88, ao mesmo tempo que reconhece o direito de propriedade privada, coloca sua função social no mesmo patamar valorativo, impedindo, com isso, que um princípio possa sobrepor-se ao outro, fazendo-se necessário, portanto, uma absolutamente necessária harmonização.” (2000, p. 79).
Este aspecto reforça o pensamento hodierno, consagrando a Constituição de 1988 como sendo uma Carta eminentemente social, como já referimos anteriormente.

7.4.7 - LIVRE CONCORRÊNCIA

A livre concorrência como disposta no artigo 170, inciso IV, da Carta de 88 (BRASIL, 1999, p. 101), tem o intuito de assegurar o modelo capitalista como sistema econômico adotado pela República - haja vista que a livre concorrência é um dos pilares e sustentáculos de todo o capitalismo em si mesmo.
Porém, o que podemos observar na sociedade moderna é o alargamento desenfreado de fusões e a expansão de organizações econômicas gigantescas que chegam a oprimir as instituições menores.
Assim, prevendo os prejuízos que daí poderiam resultar, o legislador instituiu no § 4º do artigo 173 (BRASIL, 1999, p. 102) que “a lei reprimirá o abuso do poder econômico que vise à dominação dos mercados, à eliminação da concorrência e ao aumento arbitrário dos lucros”.
Desta forma, a Carta de 88 garante a livre concorrência (artigo 170, IV) (BRASIL, 1999, p. 101), mas evita, por meio da intervenção estatal (artigo 17 § 4º) (BRASIL, 1999, p. 102), que dela surjam os inesperados efeitos que podem estrangular todo o sistema, restringindo a liberdade de iniciativa para condicioná-la ao interesse da coletividade.

7.4.8 - DEFESA DO CONSUMIDOR

Da forma como o fez, em diversas oportunidades, no corpo do texto constitucional, o legislador constituinte previu a defesa do consumidor em dois momentos: no artigo 5º, inciso XXXII (BRASIL, 1999, p. 8), como direito individual e coletivo fundamental de todo cidadão, e no artigo 170, inciso V (BRASIL, 1999, p. 101), como princípio informador da ordem econômica.
Assim, podemos dizer que a Carta de 88 inseriu a defesa do consumidor no patamar legislativo mais elevado, estabelecendo-a como cláusula pétrea.
A proteção ao consumidor em sede constitucional constitui inovação da Carta de 88. O Poder Constituinte a instituiu ao perceber as enormes discrepâncias e abusos perpetrados no mercado consumerista, respondendo aos anseios sociais dos consumidores brasileiros. O reconhecimento constitucional da necessidade de normas protetivas do direito do consumidor implica no reconhecimento pelo legislador da vulnerabilidade do consumidor na relação de consumo, que vinha gerando, há muito, profundo desequilíbrio nas relações desta natureza. Ao lado deste reconhecimento, segue a intenção do legislador de adequar as normas constitucionais à realidade socioeconômica atual.

7.4.9 - DEFESA DO MEIO AMBIENTE

A defesa do meio ambiente permeia todo o corpo constitucional, refletindo, como dizia SANTOS, “uma preocupação legislativa ausente nos textos constitucionais anteriores.” (2000, p. 89).
O legislador constituinte regulou a proteção ao meio ambiente dedicando-lhe um capítulo inteiro, (Capítulo VI – Do Meio Ambiente – do Título VIII – Da Ordem Social) (BRASIL, 1999, p. 122-124). Ficou assim estabelecido no caput do artigo 225 que “todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado [...]” (BRASIL, 1999, p. 122). Desta forma, a Constituição conferiu à Defesa Ambiental uma condição ímpar de proteção.
Ressaltamos ser pertinente a colocação constitucional, pois falar em meio ambiente é também falar em direito à vida, à saúde, à existência digna, uma vez que o meio ambiente ecologicamente equilibrado é o responsável pela qualidade de vida da população não só de uma dada região como também, numa esfera muito maior, de todo o globo. Como manifestou-se SANTOS, a inserção da defesa do meio ambiente, como princípio que informa a ordem econômica nacional, significa que a atividade econômica deverá respeitar o meio ambiente em seu todo, de forma a evitar a depredação predatória dos recursos naturais (2000, p. 94).

7.4.10 - BUSCA DO PLENO EMPREGO

Com tal princípio, esculpido no artigo 170, inciso VIII, da Constituição Federal (BRASIL, 1999, p. 101), elencado dentre aqueles princípios que informam a ordem econômica nacional, a Carta de 1988 reafirmou mais uma vez o modelo capitalista, procurando garantir, sobretudo, a preservação de uma existência digna a todo cidadão – dando-lhe condições de trabalho e, conseqüentemente, de melhoria da qualidade de vida e subsistência.
Desta forma, a livre iniciativa, a concorrência, a propriedade, o desenvolvimento nacional e as atividades econômicas de modo geral deverão atender ao fim social do emprego.

7.4.11 - TRATAMENTO FAVORECIDO PARA AS EMPRESAS DE PEQUENO PORTE CONSTITUÍDAS SOB AS LEIS BRASILEIRAS E QUE TENHAM SUA SEDE E ADMINISTRAÇÃO NO PAÍS

Este princípio consta do artigo 170, inciso IX, da Carta de 88 (BRASIL, 1999, p. 101), visando, mais uma vez, garantir a soberania nacional. A intenção do legislador é de que as grandes empresas originadas das fusões e privatizações atualmente comuns venham a oprimir a indústria nacional, em respeito da função social a ele empregada pla Carta de 1988.


7.5 - PRINCÍPIOS QUE REGEM O DIREITO ECONÔMICO

7..5.1 - PRINCÍPIO DA SUBSIDIARIEDADE

O princípio da subsidiariedade tem seus reflexos na intervenção direta do Estado na economia. Por meio deste princípio, positivado na Constituição Federal de 1988 – artigo 173, caput (BRASIL, 1999, p. 102), o Estado poderá explorar diretamente a economia, tomando para si atividades preferencialmente privadas.
No entanto, o permissivo legal do artigo 173 da Carta Magna (BRASIL, 1999, p. 102) destaca que a intervenção direta do Estado na economia somente se dará nos casos nela previstos, ou quando se fizer necessário aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo.
Desta forma, entendemos que, havendo a República Brasileira adotado o sistema capitalista de apropriação privada dos meios de produção, a exploração da atividade econômica caberá inicialmente aos particulares. Lado outro, nos casos em que a Constituição Federal delimitar e nos casos que envolvam segurança nacional e relevante interesse coletivo, poderá o Estado intervir diretamente, explorando por si só a atividade econômica. Podemos então concluir que a exploração da atividade econômica competirá ao Estado apenas em casos excepcionais, sendo a regra a sua exploração pelo particular.
Este princípio atingirá, portanto, as sociedades de economia mista e empresas públicas somente quando atuarem na área que compete ao setor privado pois, fora destes limites, o Estado estará atuando por titularidade própria e não em via de exceção à regra.
7.5.2 - PRINCÍPIO DA ECONOMICIDADE


O princípio da economicidade tem seu fundamento na gestão do patrimônio público.
Se de um lado é certo que os agentes responsáveis pela gestão dos recursos públicos não deverão trazer sempre lucro à entidade a que pertencem, de outro, não deverão gerir tais recursos de modo a causar prejuízos injustificáveis, sob pena de serem responsabilizados por isso.


7.5.3 - PRINCÍPIO DA LUCRATIVIDADE


Enquanto o princípio da subsidiariedade tem seus reflexos na intervenção direta do Estado na economia, o princípio da lucratividade os tem especialmente na intervenção indireta.
A partir deste princípio, temos por legítima a intervenção que limita o lucro abusivo e o arbitrário dos agentes econômicos, sem lhes causar danos de tal monta que chegue a inviabilizar sua atividade econômica, levando ao seu alijamento do mercado.
Assim, ao intervir na economia, o Estado deverá observar a margem de lucro dos agentes econômicos, que deverá existir, ainda que em percentual pequeno. Poderá limitá-la, sem contudo, extingui-la. Neste último caso, se o agente vier a ser excluído do mercado em função da política econômica adotada pelo Estado, este poderá ser responsabilizado, se ficar devidamente provado que não foi a má gestão dos recursos que inviabilizou a atividade do agente e sim, a determinada política implementada pelo governo.
Insta ressaltarmos, por fim, que este princípio está assegurado na Carta de 88, artigo 170, caput e inciso II (liberdade de iniciativa e propriedade privada) (BRASIL, 1999, p. 101).


7.5.4 - PRINCÍPIO DA TRANSPARÊNCIA


O princípio da transparência é conseqüência da norma esculpida na Constituição de 1988, artigo 170, inciso V (BRASIL, 1999, p. 101), e da norma infraconstitucional que o regulamentou – artigos 4º, 31, 37, 46, 52 e 54, parágrafo 3º, da Lei 8.078/90 (BRASIL, 1999, p. 185-197).
Visa à existência de uma relação igualitária e equilibrada entre fornecedor e consumidor, busca a predominância de uma relação sadia no mercado. Consagrado no artigo 4º da Lei 8078/90 (BRASIL, 1999, p. 185) – Código de Defesa do Consumidor, será adiante analisado com mais profundidade.


7.5.5 - PRINCÍPIO DA RAZOABILIDADE


Este princípio é de suma importância para o caso em estudo, pois permite verificarmos se a intervenção estatal é devida ou não.
Preconiza que o Estado deverá intervir de forma razoável, ou seja, os meios utilizados para atingir o fim visado pelo Estado com a intervenção no domínio econômico deverão ser adequados. Neste ponto, devemos entender por adequados os meios moderados, ao contrário dos meios arbitrários ou infundados.
Assim, teremos uma atuação ilegítima do Estado quando verificarmos que este agiu contra o mercado, de forma imoderada, em desobediência aos princípios informadores da ordem econômica.
A razoabilidade deverá ser verificada em dois momentos: primeiro, dentro da lei, é o que se convencionou chamar de razoabilidade interna. Trata-se de uma atitude/reação proporcional do Estado entre meios, motivo e fim, ou seja, uma vez motivado, o Estado deverá usar de meios racionais e proporcionais para atingir o fim almejado. Deverá haver portanto uma relação proporcional e direta entre o motivo, o meio e o fim visado pela lei.
Num segundo momento, deveremos aferir a razoabilidade externa. Isso significa verificar se, a despeito de configurar atitude que atende ao fim almejado utilizando-se de meios proporcionais diante de um dado motivo, a norma emanada pelo Estado está em consonância com a Constituição Federal, ou seja, não fere princípios ou direitos nela esculpidos.


7.6 - INTERVENÇÃO DO ESTADO NA ECONOMIA


7.6.1 - FUNDAMENTOS DA INTERVENÇÃO


Na época da monarquia, o Estado detentor do poder intervia livremente nas relações privadas e particulares, regulando todos os setores da economia e da sociedade em geral. Enormes abusos foram praticados e, por óbvio, quando da transição do Estado Monárquico para o Liberal, pregava-se a não intervenção ou a intervenção mínima deste na economia. Com efeito, tamanhos foram os abusos praticados (não somente pelo Estado, mas principalmente pelo particular detentor do poder econômico).
Assim, o Direito, como integração normativa de fatos segundo valores, dentro de um dado momento histórico, não poderia assistir a tudo e furtar-se a regular formas de coibir tais abusos capitalistas que não só denegriam o sistema como impediam que valores de justiça social fossem garantidos a todos os cidadãos.
Assim, se fez (e se faz) necessária, e até mesmo essencial, uma maior intervenção do Estado na economia privada. Isto significa dizer que abandonamos a ideologia liberalista de não-intervenção absoluta, sem cair no erro absolutista da intervenção indiscriminada segundo valores políticos. É uma nova fase que surge com a nova ordem econômica a que nos referimos anteriormente. Isso significa dizer que onde o mercado não se auto-regula, impõe-se ao Estado sua ordenação.


Portanto, esta atual fase do capitalismo exige uma intervenção estatal séria e eficaz, o que não retira, em absoluto, a essência de tal sistema econômico e tampouco transforma-o em outro, mas ao contrário, dita intervenção faz-se necessária para preservar o sistema capitalista, evitando que as chagas liberais manifestem-se, extemporânea e inconvenientemente, na economia da sociedade moderna. Ou seja, sem uma intervenção estatal eficaz, dificilmente uma economia capitalista irá subsistir, seja no Brasil, nos Estados Unidos, nos confins da Ásia ou onde quer que seja. E assim, justamente para a preservação dos processos capitalistas de mercado, o Direito passa a instrumentalizar políticas públicas, ou seja, passa a definir a política econômica do país em um determinado momento histórico. Essa instrumentalização, contudo, assume um caráter dúplice: ao mesmo tempo em que organiza, legislativamente, os processo típicos do capitalismo, garantindo direitos básicos desse sistema de produção (em especial a propriedade e o contrato, como se verá), cria meios para intervir nessas mesmas relações de mercado. (SANTOS, 2000, p. 65).

Nesta seara, a Constituição de 1988 garante a intervenção do Estado na economia como agente fiscalizador do mercado, regulador da normalidade do exercício da atividade econômica e até, porque não, ordenador do caos capitalista, se podemos assim dizer.
Na lição do direito internacional, temos que


A regulação pública da economia consiste no conjunto de medidas legislativas, administrativas e convencionadas através das quais o Estado, por si ou por delegação, determina, controla, ou influencia o comportamento de agentes económicos, tendo em vista evitar efeitos desses comportamentos que sejam lesivos de interesses socialmente legítimos e orienta-los em direcções socialmente desejáveis. ... Na sua essência, o conceito de regulação pública económica implica a alteração dos comportamentos dos agentes económicos ... em relação ao que seriam se esses comportamentos obedecessem apenas às leis de mercado ou a formas de autoregulação. (SANTOS, GONÇALVES, MARQUES, 1998, p. 225).


Assim, concluímos que o papel do Estado é o de evitar o estrangulamento do sistema econômico adotado, ordenando o mercado.
E é por este motivo que não só particulares como também o próprio Estado, submetem-se à intervenção.
SANTOS já salienta sobre a atuação estatal no processo econômico:


Diante da análise dos princípios norteadores da ordem econômica, pode-se facilmente concluir que a Constituição vigente, optando, como já se afirmou alhures, por um sistema capitalista de mercado, utiliza-se de um regime de atuação estatal no processo econômico, o qual, vale dizer, engloba um campo muito mais amplo do que simplesmente um ‘estado intervencionista’, o qual referir-se-ia tão somente, ao setor ‘privado’, [....]. A atuação do Estado, determinada pela Carta de 1988, ao contrário, engloba tanto o setor público como o privado, ou seja, estabelece a atuação do Estado no campo da atividade econômica em sentido amplo, como é conclamada pela realidade hodierna. (2000, p. 95).


7.6.2 - FORMAS DE INTERVENÇÃO


Existem duas formas de intervenção constitucionalmente previstas, a saber: intervenção direta e intervenção indireta, segundo os artigos 173 e 174 da Constituição Federal vigente (BRASIL, 1999, p. 102-103).


7.6.2.1 - A INTERVENÇÃO DIRETA


Na intervenção direta, o Estado atua como agente econômico em si mesmo, participando, portanto, da produção econômica.
Nas palavras do ilustre Professor João Bosco Leopoldino da FONSECA


Através da atuação direta o Estado passa a atuar como empresário, comprometendo-se com a atividade produtiva, quer sob a forma de empresa pública quer sob a de sociedade de economia mista. Sob estas duas formas pode ele atuar em regime concorrencial, em que se equipara com as empresas privadas, ou em regime monopolístico. A intervenção direta pode fazer-se ainda por um outro caminho: o Estado assume a gestão da empresa privada, passando a dirigi-la quando interesses de ordem social o exijam. (2000, p. 245).


A Constituição Federal de 1988 regulou a intervenção direta do Estado no artigo 173 (BRASIL, 1999, p. 102), determinando que a exploração direta da atividade econômica só será permitida quando necessária aos imperativos de segurança nacional ou a relevante interesse coletivo, definidos em lei, ressalvados os casos previstos no corpo da própria Carta.
A intervenção direta do Estado na economia pode efetivar-se de diversas formas, como se depreende da lição do professor supracitado, a saber:
Primeiramente, salientamos a intervenção direta por absorção, quando o Estado absorve determinado setor da economia para si, agindo como detentor do monopólio de determinada atividade econômica, sendo portanto vedada a participação do particular na produção daquele setor.
Em segundo lugar, podemos falar da intervenção direta por participação, sendo esta a que o Estado participa de determinada atividade econômica juntamente com o particular, por meio das empresas públicas e sociedades de economia mista. Neste ponto, ressaltamos que tanto umas (empresas públicas) quanto outras (sociedades de economia mista) deverão submeter-se ao regime jurídico próprio das empresas privadas (artigo 173, §1º, II) (BRASIL, 1999, p. 102) não podendo gozar de quaisquer privilégios que não sejam extensivos ao setor privado (artigo 173, § 2º) (BRASIL, 1999, p. 102). Com efeito, o legislador pretendeu resguardar a livre concorrência e a liberdade de iniciativa (artigo 170 caput e inciso IV) (BRASIL, 1999, p. 101) quando o Estado atuar em regime de intervenção direta por participação.
Por fim, podemos falar ainda da intervenção direta por gestão privada, que consiste na intervenção do Estado em empresa particular, ou seja, aquela que ocorre quando o Estado assume a gestão de empresa privada, nos casos em que o interesse social o legitime para tanto.


7.6.2.2 - INTERVENÇÃO INDIRETA


A intervenção indireta se dá quando o Estado não participa diretamente da atividade econômica, ao contrário, a regula, a ordena, por meio de normas imperativas (cogentes) ou não.
Encontra guarida no texto constitucional, artigo 174 (BRASIL, 1999, p. 102-103), o qual prevê que “como agente normativo e regulador da atividade econômica, o Estado exercerá, na forma da lei, as funções de fiscalização, incentivo e planejamento, sendo este determinante para o setor público e indicativo para o setor privado”. A intervenção indireta, portanto, segundo os ditames da norma constitucional, pode se dar de diversas formas, a saber:
Intervenção indireta por incentivos, por meio da qual o Estado confere certos incentivos ao particular para que adira ou não à política econômica por ele adotada. Assim agindo, o Estado estimula a cooperação do setor privado com seus interesses. Nesta seara, ressaltamos que a adesão ou não do particular ao incentivo concedido pelo Estado é facultativa: cooperará com a política econômica se lhe aprouver; porém, uma vez firmado o interesse de cooperação, submete-se às normas para que, de fato, tenha direito ao benefício concedido, ou seja, fica vinculado a qualquer contra prestação que o poder público tenha lhe exigido para que possa usar e gozar do incentivo previsto. Existem casos, entretanto, em que o Estado, apenas por acreditar que determinado negócio irá desenvolver um dado setor da economia, fornece o incentivo sem, no entanto, exigir qualquer contra-prestação do particular, apenas fixando, se de seu interesse, certas condições indispensáveis ao gozo do benefício.
Podemos falar também em intervenção indireta por planejamento, por meio da qual o Estado, racionalmente, irá avaliar uma dada situação, as opções de ação neste campo, as perspectivas e projeções para o futuro, e delinear um meio de atingir o que pretende. Irá visualizar onde está e vislumbrar o que é preciso fazer para chegar onde pretende. É a intervenção como forma de se estruturar meios para se alcançar uma desejada política econômica. A intervenção por planejamento consiste numa forma sistematizada de o Estado regular o mercado, intervindo sobre o domínio econômico, buscando atingir um determinado fim. Assim, concluímos que o planejamento não é a intervenção em si, mas o meio pelo qual ela se concretizará, levando o Estado a intervir com normas reguladoras e imperativas ou com uma política de incentivos. Porém, para alguns, e de certa forma acertadamente, ante ao disposto no artigo 174 da Constituição Federal (BRASIL, 1999, p. 101), o planejamento é em si mesmo forma de intervenção do Estado na economia. Isto porque o Estado poderá colocar ao particular uma série de normas a serem seguidas: sempre, quando forem imperativas e após a vinculação, quando forem indicativas e o particular a elas aderir.
Por fim, a Carta de 1988 prevê ainda a intervenção indireta por fiscalização, por meio da qual o Estado impõe ao particular determinadas regras/normas imperativas a serem seguidas, sob pena de sofrer a punição prevista na lei.


7.6.3 - LIMITES DA INTERVENÇÃO DO ESTADO NA ECONOMIA


A intervenção do Estado na economia, como visto, está prevista em lei. Não obstante, poderá ser considerada devida (correta) ou não.
Em suma, podemos dizer que, quando o Estado intervém para organizar o mercado e fazer os direitos coletivos sobreporem-se aos privados, a intervenção é devida. Podemos exemplificar tal questão como quando o Estado edita uma norma de tabelamento de preços de remédios limitando (e não inviabilizando) o lucro da indústria farmacêutica de modo a preservar interesses constitucionalmente garantidos, tais como o direito à vida, à saúde e o direito do consumidor.
Lado outro, podemos dizer que, quando o Estado intervém de modo a inviabilizar o mercado, a intervenção é indevida, como por exemplo quando, ao editar tal norma de tabelamento de preços de produtos da indústria farmacêutica, o Estado inviabilizar qualquer lucro, indo diretamente de encontro a princípios constitucionalmente garantidos, tais como a livre iniciativa, o direito à concorrência e até mesmo o direito do consumidor – se o caso levar ao alijamento das indústrias farmacêuticas do mercado, limitando a liberdade de escolha do consumidor.
Assim, somente analisando caso a caso, poderemos dizer se uma intervenção estatal é devida ou não. Trata-se de utilizar um critério casuístico, partindo sempre dos princípios constitucionais e do direito econômico - sendo eles que irão efetivamente limitar a atuação estatal. Desta forma, são nos direitos constitucionalmente garantidos e nos princípios da razoabilidade, lucratividade, subsidiariedade e transparência que a sociedade encontra guarida para rechaçar as intervenções indevidas do Estado na economia. Isto porque, como vimos, a intervenção se faz presente para evitar os abusos advindos de um Estado Liberal e não tem a conotação monárquica de uso indiscriminado do poder estatal.
Concluímos que a intervenção do Estado na economia só se justifica (só é legítima) quando visa condicionar a ordem econômica ao cumprimento de seu fim, assegurando os princípios que a regem em primeiro plano.


7.7 - NOVA CONCEPÇÃO DOS CONTRATOS
Com a evolução socioeconômica do modelo capitalista, a humanidade passou de uma sociedade individualista para uma sociedade estritamente de massa, onde os conceitos contratuais clássicos já não mais serviam para regular os conflitos ora existentes. Observamos então uma moderna relativização dos princípios clássicos que regem os contratos, dando origem a novas teorias que limitam a liberdade de contratar.
Segundo a teoria clássica dos contratos, o princípio básico de toda negociação contratual era a autonomia das vontades, onde cada um contratava com quem queria, como queria, da forma que queria, estabelecendo regras impositivas que, por força de um outro princípio – o princípio da obrigatoriedade dos contratos, vinculavam as partes ao que fora contratado, ignorando qualquer desequilíbrio e/ou má-fé na negociação.
A partir da evolução mercadológica, com o surgimento da sociedade massificada – onde a oferta e os contratos de adesão atingem um número indeterminado de consumidores –, cresceram as desigualdades, fazendo necessária a criação de normas que se adequassem à realidade fática do momento histórico a que nos referimos e que, como bem salienta a Douta professora Cláudia Lima MARQUES,


Não há como negar que o consumo massificado de hoje, pós-industrial, está ligado faticamente a uma série de perigos para o consumidor, vale lembrar os fenômenos atuais de superendividamento, de práticas comerciais abusivas, de abusos contratuais, da existência de monopólios naturais dos serviços públicos concedidos ou privatizados, de falhas na concorrência, no mercado, na informação e na liberdade material do contratante mais fraco na elaboração e conclusão dos contratos. (1999, p. 284).


Desta forma, o Direito, acompanhando a evolução, passou a regular normas imperativas que limitavam a liberdade de contratar – sem obviamente excluí-la do ordenamento jurídico, delineando uma clara e positiva intervenção do Estado no mercado, com o fito de atender a um interesse social crescente (como já salientamos ao tratarmos da intervenção do Estado na economia). Nos dizeres da professora citada:


Conceitos tradicionais como os do negócio jurídico e da autonomia da vontade permanecerão, mas o espaço reservado para que os particulares auto-regulem suas relações será reduzido por normas imperativas ... É uma nova concepção de contrato no Estado Social, em que a vontade perde a condição de elemento nuclear, surgindo em seu lugar elemento estranho às partes, mas básico para a sociedade como um todo: o interesse social. ... Haverá um intervencionismo cada vez maior do Estado nas relações contratuais, no intuito de relativizar o antigo dogma da autonomia da vontade com as novas preocupações de ordem social. ... é o contrato, como instrumento à disposição dos indivíduos na sociedade de consumo, mas, assim como o direito de propriedade, agora limitado e eficazmente regulado para que alcance sua função social. (MARQUES, 1999, p. 102).


Assim, novos valores surgem da lei, quebrando a supremacia da vontade individual e privilegiando o interesse social. A lei deixa de ser meramente interpretativa ou supletiva e passa a ter caráter cogente na proteção de valores como boa-fé, eqüidade, transparência e confiança, servindo como pólo limitador do poder da vontade (MARQUES, 1999, p. 104).
Isto posto, o direito se volta para uma nova teoria contratual baseada na função social dos contratos, visando recompor o equilíbrio das relações há muito tempo olvidado. Para tanto, surgem normas intervencionistas, a exemplo da Lei 8.078/90 – Código de Defesa do Consumidor. É neste contexto que surgem as normas de proteção ao consumidor, criando regras específicas que irão reger os contratos de consumo, que estudaremos em seguida.


7.8 - CONTRATOS DE CONSUMO


São denominados contratos de consumo todos os contratos realizados entre um consumidor e um fornecedor de bens ou serviços. Daí extraímos que, para saber se um contrato é de consumo ou não e, por esse motivo, se é regido pelas normas de direito do consumidor, basta analisar as partes envolvidas na relação. Se num dos pólos da relação contratual figurar a pessoa do consumidor, estaremos diante de um contrato de consumo, cujas regras deverão seguir as normas consumeristas vigentes. Assim, a natureza do contrato (civil, comercial, etc...) e sua característica formal ou não – respeitadas as formalidades exigidas pela lei – não lhe retiram a conotação de contrato de consumo, desde que a figura do consumidor esteja presente num dos pólos da relação.
Desta forma, veremos agora o conceito de consumidor e de fornecedor segundo a lei vigente, para que, a partir desta definição, possamos identificar se as normas de direito do consumidor são aplicáveis ou não ao caso concreto.


7.9 - CONCEITO DE CONSUMIDOR


Para que analisemos a questão proposta sob a ótica da legislação consumerista vigente, mister qualificarmos a pessoa do consumidor da forma como é abarcada pelas normas que o protegem, como nos referimos no item anterior. Assim, importante adentrarmos na conceituação legal do consumidor, ainda que brevemente, para que possamos dar continuidade ao nosso estudo.
Primeiramente, devemos ressaltar que o Código de Defesa do Consumidor define a figura deste em diversos momentos, dentre os quais podemos extrair as noções de consumidor strictu sensu e consumidor latu sensu. O consumidor strictu sensu seria aquele definido no artigo 2º da Lei 8.078/90 (BRASIL, 2000, p. 185), enquanto o consumidor latu sensu seria aquele chamado de consumidor equiparado do artigo 2º parágrafo único, artigo 17 (BRASIL, 2000, p. 189) e artigo 29 do Código em questão (BRASIL, 2000, p. 191).
Por questões meramente práticas, analisaremos aqui apenas a conceituação de consumidor strictu sensu, não nos parecendo necessário divagarmos sobre a noção do consumidor equiparado para os fins a que nos propusemos neste trabalho (análise do caso apresentado).
Sendo assim, para o artigo 2º do Código de Defesa do Consumidor (BRASIL, 2000, p. 185), consumidor é “toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza um produto ou serviço como destinatário final”. A norma legal deixa margem à dúvida quanto ao conceito de destinatário final. Desta forma, construíram-se duas teorias a respeito do que seria destinatário final de um bem (produto ou serviço).
Para a teoria finalista, destinatário final do produto ou serviço é o destinatário fático e econômico do bem, ou seja, aquele que retira o bem da cadeia de produção (destinatário fático) e não o utiliza para fins econômicos (revenda ou o exercício de determinada profissão). Assim, consumidor seria aquele que adquire o bem para uso/consumo próprio ou de sua família. De certa forma, este conceito restringiria demais a abrangência do Código de Defesa do Consumidor, motivo pelo qual os finalistas evoluíram para uma teoria um tanto quanto mais branda, de modo a atender o fim precípuo da norma, que seria a proteção da parte mais fraca e vulnerável de uma relação firmada entre fornecedores e consumidores. Isto posto, os finalistas passaram a entender que profissionais que adquiram o bem, de forma que este venha a integrar os meios de produção da empresa, sem o intuito inicial do lucro, podem também ser englobados no conceito de consumidor, desde que fique evidenciada sua vulnerabilidade perante o fornecedor, o que ficará a cargo da jurisprudência.
Para a teoria maximalista, o Código de Defesa do Consumidor seria uma norma editada para regular todo o mercado de consumo, não estando, portanto, atrelado apenas a consumidores não profissionais. Desta forma, os maximalistas entendem que o conceito de destinatário final do bem ou serviço, estatuído no artigo 2º do CDC (BRASIL, 2000, p. 185), deverá ser o mais amplo e irrestrito possível, abarcando todos aqueles que sejam consumidores fáticos do bem. Os maximalistas abandonam a idéia de que um consumidor, para ser considerado como tal, deva ser, além de destinatário fático, também destinatário econômico do bem ou serviço por ele adquirido.
MARQUES entende que correta é a interpretação do artigo 2º fomentada pela teoria finalista, mormente a partir de sua evolução para englobar, ainda que em nível de exceção, os consumidores profissionais que estejam em posição vulnerável na relação contratual (1999, p. 145).


Concluindo, concordamos com a interpretação finalista das normas do CDC. A regra do art. 2º deve ser interpretada de acordo com o sistema de tutela especial do Código e conforme a finalidade da norma. [...]. Portanto, em princípio, estão submetidos às regras do Código os contratos firmados entre o fornecedor e o consumidor não-profissional, e entre o fornecedor e o consumidor, o qual pode ser um profissional, mas que, no contrato em questão, não visa lucro, pois o contrato não se relaciona com sua atividade profissional, seja este consumidor pessoa física ou jurídica. (MARQUES, 1999, p. 149 – 153).


7.10 - CONCEITO DE FORNECEDOR


O fornecedor é conceituado no artigo 3º da Lei 8.078/90 (BRASIL, 2000, p. 185) como sendo “toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolve atividades de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços”. Como serviço, o artigo 2º (BRASIL, 2000, p. 185) entende “qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, securitária, financeira e de crédito.”
Entendemos que não existe necessidade de nos delongarmos na definição de fornecedor que, por ora, parece-nos clara ou, ao menos, suficiente ao nosso estudo.


7.11 - PRINCÍPIOS QUE REGEM O DIREITO DO CONSUMIDOR


Com já vimos, os princípios são a base na qual se firma todo o ordenamento jurídico. Também como já salientamos, a defesa do consumidor foi prevista como princípio informador da ordem econômica (artigo 170, V da CF/88) (BRASIL, 1999, p. 101) assim como direito fundamental de todo cidadão (artigo 5º, XXXII da CF/88) (BRASIL, 1999, p. 8). E, como não poderia deixar de ser, a defesa do consumidor tem seus próprios fundamentos em princípios gerais que regem as relações de consumo que estão, de uma forma ou de outra, implícitos ou explícitos nas normas protetivas do direito do consumidor enquanto cidadão. Por serem de tamanha importância e vincularem todas as normas de proteção ao consumidor, destacaremos alguns dos mais importantes princípios do ramo, sabendo que este estudo é de grande importância para o nosso trabalho.


7.11.1 - PRINCÍPIO DA BOA-FÉ OBJETIVA


O princípio da boa-fé objetiva, positivado pelo Código de Defesa do Consumidor no seu artigo 4º, inciso III (BRASIL, 2000, p. 185), assim como no artigo 51, inciso IV (BRASIL, 2000, p. 195), trouxe grande contribuição ao direito moderno. Mas ressalte-se que a boa-fé nas relações jurídicas não é novidade em nosso ordenamento. Lado outro, sempre regeu – permeou ou deveria permear – as relações jurídico-contratuais. Porém, nunca foi tão invocada. A força que tal princípio adquiriu no direito moderno certamente provém das grandes desigualdades observadas no passado e ainda presentes nas relações comerciais.
Para a especialista Cláudia Lima MARQUES,


Boa fé objetiva significa, portanto, uma atuação ‘refletida’, uma atuação refletindo, pensando no outro, no parceiro contratual, respeitando-o, respeitando seus interesses legítimos, suas expectativas razoáveis, seus direitos, agindo com lealdade, sem abuso, sem obstrução, sem causar lesão ou desvantagem excessiva, cooperando para atingir o bom fim das obrigações: o cumprimento do objetivo contratual e a realização dos interesses das partes. (1999, p.107).

Assim, a boa-fé nos contratos é basicamente a aplicação de tudo que o homem sabe que é certo, leal, digno, honesto, correto. Implica que as expectativas geradas no parceiro contratante sejam legítimas, confiáveis, verdadeiras. E no seu conceito, carrega indubitavelmente o que a professora acima citada, com base na doutrina alemã, chamou de “deveres anexos” (MARQUES, 1999, p. 109), assim considerados os deveres naturais de conduta conforme a ética, os bons costumes e o direito, que, se descumpridos, acarretarão uma sanção ao seu ofensor. Para ela, “dever aqui significa a sujeição a uma determinada conduta, sujeição esta acompanhada de uma sanção em caso de descumprimento.” (MARQUES, 1999, p. 109).
Como deveres anexos à relação contratual, a autora cita o dever de informação, de cooperação e de cuidado (MARQUES, 1999, p. 109-117), aos quais acrescentamos o de vinculação e o de veracidade. Adiante analisaremos estes deveres, nos detendo mais no primeiro (que de uma certa forma engloba os dois últimos), por ser o mais importante ao nosso estudo.


7.11.2 - PRINCÍPIO DA TRANSPARÊNCIA


O princípio da transparência é sem dúvida uma das grandes inovações da Lei 8.078/90. Consubstanciado como objetivo da Política Nacional de Relações de Consumo no texto do artigo 4º do Código de Defesa do Consumidor (BRASIL, 2000, p. 185), visa essencialmente à clareza das negociações, dando enorme destaque à fase pré-negocial.
Assim, este princípio regula não só o contrato consumado como principalmente a fase anterior à conclusão da negociação, quando o consumidor toma conhecimento do conteúdo do contrato a ser firmado e da existência do produto ou serviço mediante a oferta e/ou publicidade. A intenção do legislador é justamente permitir que à vontade do consumidor corresponda efetivamente a obrigação por ele assumida e a realização de suas expectativas legítimas quanto ao produto ou serviço adquirido.
A idéia é possibilitar uma relação contratual mais sincera e leal entre as partes contratantes, fornecendo condições ao consumidor para que manifeste sua vontade livre e conscientemente. Uma vez que a relação for firmada com base na transparência – e deverá sempre sê-lo a partir da positivação legal deste princípio – não incorrerá o consumidor em erro, não se vinculará a obrigações que não deseja ou não pode suportar, não sofrerá lesões, não irá adquirir um produto que não atenda aos seus interesses legítimos ou não se preste ao fim destinado. E, assim sendo, reduzir-se-á a desigualdade entre os contratantes e o desequilíbrio ora vigente nas relações contratuais da nossa sociedade massificada. Daí podemos concluir que o espírito da lei tem acompanhado bem a evolução do mercado.
A doutrina esclarece que:


Transparência significa informação clara e correta sobre o produto a ser vendido, sobre o contrato a ser firmado, significa lealdade e respeito nas relações entre fornecedor e consumidor, mesmo na fase pré-contratual, isto é, na fase negocial dos contratos de consumo. [...] Transparência é clareza, é informação sobre os temas relevantes da futura relação contratual. [...] Como nem todos os contatos entre o fornecedor e o consumidor levam ao estabelecimento de relações contratuais, a transparência deve ser uma nova e necessária característica de toda manifestação pré-contratual do fornecedor no mercado, desde a sua publicidade, vitrines, o seu marketing em geral, suas práticas comerciais, aos contratos ou as condições gerais que pré-redige. (MARQUES, 1999, p. 286-288).

E a renomada jurista prossegue, com imensa propriedade, afirmando que o princípio da transparência não é apenas um elemento formal do contrato, é, mais que isso, elemento da essência do contrato em si mesmo (MARQUES, 1999, p. 288), pois a informação dada ou suprimida do consumidor vincula o fornecedor em todos os seus termos, refletindo, inclusive (e principalmente), na manifestação de vontade daquele.
Assim sendo, podemos concluir que o princípio da transparência tem reflexos nos deveres anexos por nós antes manifestados (e os quais estudaremos com mais cuidado adiante), como no dever de informação, de veracidade e de vinculação, por meio dos quais o fornecedor poderá ser forçado a cumprir a oferta nos termos em que foi exposta no meio publicitário ou no contrato (artigos 18, 30, 31, 35 e 46 do CDC) (BRASIL, 2000, p. 189-195), podendo ainda ser compelido a responder pela falha na informação (artigo 20 do CDC) (BRASIL, 2000, p. 190).


7.11.3 - PRINCÍPIO DA EQÜIDADE


O princípio da eqüidade pode ser visto como aquele que rege o equilíbrio contratual. A eqüidade e o equilíbrio das relações de consumo são norteadores de toda a legislação consumerista vigente em nosso País. Foi em razão do profundo e corrente desequilíbrio observado nas relações entre consumidores e fornecedores que se fez necessária a intervenção do Estado, regulando por meio de leis imperativas e cogentes a defesa do consumidor.
Enquanto alguns princípios informadores da Política Nacional de Relações de Consumo agem precipuamente na fase pré-contratual, o princípio da eqüidade busca regular não só a fase das negociações preliminares como também (e especialmente) a fase de execução dos contratos. É que, nas primeiras, tal princípio impõe o dever de informar, para que o consumidor se aproxime da realidade do fornecedor, tenha conhecimento acerca do produto e/ou serviço e do inteiro teor do contrato e suas implicações. E na fase de execução dos contratos, quando as obrigações assumidas pelas partes deverão ser cumpridas, o princípio da eqüidade impõe a nulidade de quaisquer cláusulas abusivas, a despeito de o consumidor as ter aceito ou não.
Isto significa dizer que, por este princípio, o Poder Judiciário, a pedido das partes, da entidade representativa do consumidor, do Ministério Público ou de ofício, poderá declarar a nulidade de determinada cláusula para afastar o desequilíbrio (a vantagem excessiva ao fornecedor), ainda que o consumidor tenha manifestado sua vontade livremente e o fornecedor não tenha o dolo de lesá-lo. É o que salienta a nossa ilustre jurista Cláudia Lima MARQUES:


Note-se que, concluído o contrato entre o fornecedor e o consumidor, quando o pacto deve surtir seus efeitos, deve ser executado pelas partes, impõe a nova Lei o respeito a um novo princípio norteardor da ação das partes, é o Princípio da Equidade Contratual, do equilíbrio de direitos e deveres nos contratos, para alcançar a justiça contratual. Assim, institui o CDC normas imperativas, as quais proíbem a utilização de qualquer cláusula abusiva, definidas como as que assegurem vantagens unilaterais ou exageradas para o fornecedor de bens e serviço ou que sejam incompatíveis com a boa fé e a equidade. [...]. O princípio da equidade, do equilíbrio contratual é cogente; a lei brasileira, como veremos, não exige que a cláusula abusiva tenha sido incluída no contrato por abuso do poder econômico do fornecedor [...], ao contrário, o CDC sanciona e afasta apenas o resultado, o desequilíbrio, não exige um ato reprovável do fornecedor; a cláusula pode ter sido aceita conscientemente pelo consumidor, mas se traz vantagem excessiva para o fornecedor, se é abusiva, o resultado é contrário à ordem pública, contrário às novas normas de ordem pública de proteção do CDC e a autonomia de vontade não prevalecerá. (1999, p. 390-391).


Como exemplo de positivação do princípio ora em estudo, podemos citar o artigo 47 do Código de Defesa do Consumidor (BRASIL, 2000, p. 195) – que fixa a interpretação das cláusulas de forma mais favorável ao consumidor, além do artigo 51 do mesmo diploma (BRASIL, 2000, p. 196) – que proíbe a inclusão de cláusulas abusivas no contrato, relativizando a autonomia das vontades e estabelecendo normas imperativas para reequilibrar o contrato de consumo, sendo permitida, inclusive, a revisão do contrato pelo judiciário em caso de desequilíbrio – tudo para atender ao princípio da equidade em análise.
Passaremos agora ao próximo princípio, entendendo que a proteção contratual merece delongas, mas, admitindo, por outro lado, que este não é em síntese o objeto de nosso estudo, motivo pelo qual seremos breves.


7.11.4 - PRINCÍPIO DA CONFIANÇA


O contrato de consumo passou de simples instrumento jurídico utilizado para movimentar riquezas para um instrumento jurídico voltado à realização de expectativas legítimas do consumidor (MARQUES, 1999, p. 573). O princípio da confiança surge para assegurar que as expetativas legítimas do consumidor, acerca do produto ou serviço colocado no mercado, serão efetivamente cumpridas e acatadas. Trata-se do que o consumidor espera do produto ou serviço que adquire – dos riscos que apresenta e de sua adequação ao fim a que se destina. Nos sábios dizeres da doutrina, temos que:


No sistema do CDC leis imperativas irão proteger a confiança que o consumidor depositou no vínculo contratual, mais especificamente na prestação contratual, na sua adequação ao fim que razoavelmente dela se espera, irão proteger também a confiança que o consumidor deposita na segurança do produto ou do serviço colocado no mercado. [...]. É o princípio da Confiança, instituído pelo CDC, para garantir ao consumidor a adequação do produto e do serviço, para evitar riscos e prejuízos oriundos dos produtos e serviços, para assegurar o ressarcimento do consumidor, em caso de insolvência, de abuso, desvio da pessoa jurídica-fornecedora, para regular também alguns aspectos da inexecução contratual do próprio consumidor. (MARQUES, 1999, p. 574-576).


O princípio da confiança encontra respaldo em nossa legislação na parte do Código de Defesa do Consumidor que regula os vícios pelo fato do produto ou serviço e os vícios por inadequação (Capítulo IV) (BRASIL, 2000, p. 187-191).


7.11.5 - PRINCÍPIO DA VULNERABILIDADE DO CONSUMIDOR


A Constituição Federal de 1988 prevê o princípio da igualdade, afirmando que “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza" (artigo 5º, caput) (BRASIL, 1999, p. 3). A igualdade estabelecida na Carta Magna traduz-se na máxima: tratar os iguais igualmente e os desiguais desigualmente. Isto significa dizer que, se numa relação de consumo o consumidor encontra-se em posição de desigualdade para com o fornecedor, o tratamento legal dado a um e outro deverá ser diferenciado.
Assim, o princípio aqui aludido (da vulnerabilidade do consumidor) tem fundamento constitucional, além de estar positivado no artigo 4º, inciso I do Código de Defesa do Consumidor (BRASIL, 2000, p. 185), como princípio informador de toda a Política Nacional de Relações de Consumo, sendo assim a filosofia na qual se sustenta a Lei 8.078/90.
A partir da constatação da vulnerabilidade do consumidor, que é evidentemente um dos motivos das grandes desigualdades na relação consumerista – acentuada pela massificação da produção, oferta, publicidade e contratação – o legislador reconheceu a necessidade de criar normas protetivas do direito da parte mais fraca. Isto posto este princípio permeia todo o Código, e é nele mesmo que toda a ratio legis consumerista se apóia.
A vulnerabilidade abarcada pela lei vem positivar a realidade fática dos consumidores. Numa relação onde figuram, de um lado, o consumidor, e de outro, o fornecedor, não há dúvidas de que aquele que detém a produção, o capital e o conhecimento técnico sobre determinado assunto está em posição superior ao que se utiliza dos produtos e serviços ofertados para atender aos seus caprichos, concretizar desejos despertados pela publicidade, e, ainda, muitas vezes, para suprir necessidades básicas de subsistência. É o que, com propriedade, manifestou José Geraldo Brito FILOMENO: “No âmbito da tutela especial do consumidor, efetivamente, é ele sem dúvida a parte mais fraca, vulnerável, se tiver em conta que os detentores dos meios de produção é que detêm todo o controle do mercado, ou seja, sobre o que produzir, como produzir e para quem produzir, sem falar-se na fixação de suas margens de lucro” (1999, p. 55).
Existem basicamente três tipos de vulnerabilidade, a saber: a técnica, a fática e a jurídica. A vulnerabilidade técnica, que é presumida no sistema do CDC para os consumidores não profissionais, deverá ser entendida como a hipossuficiência do consumidor que não detém conhecimento específico sobre o produto ou serviço que adquire, como no caso de um biólogo que decide comprar um carro usado e não tem condições de verificar se o motor do carro está com defeito ou não.
A vulnerabilidade fática ou socioeconômica consiste na posição que ocupa o fornecedor em detrimento do consumidor, sendo aquele o detentor do poder econômico, do monopólio, dos meios de produção. Podemos citar como exemplo o caso de um médico que adquire um automóvel através do sistema de consórcio (MARQUES, 1999, p. 149).
Já a vulnerabilidade jurídica, também chamada de científica, diz respeito ao não conhecimento específico de normas jurídicas, de contabilidade, de matemática financeira, que seriam essenciais para entender o conteúdo do contrato ou da obrigação firmada.
Nesta seara, a Lei 8.078/90 privilegia aquele que ocupa posição mais vulnerável na relação de consumo (aquele que se submete às informações e imposições do fornecedor). A teoria da lei, se efetivada pelo nosso Direito no âmbito prático, como vem sendo feito sabiamente pela jurisprudência dos tribunais, representará grande avanço para a sociedade.


7.12 - DEVERES ANEXOS À OBRIGAÇÃO PRINCIPAL DO CONTRATO
(OBRIGAÇÕES ACESSÓRIAS AO CONTRATO) COMO COROLÁRIO DOS PRINCÍPIOS ESTUDADOS

Como vimos, os princípios estudados geram obrigações acessórias ao contrato, deveres de conduta, que são basicamente: de informação, de veracidade, de vinculação, de cooperação e de cuidado.


7.12.1 - DEVER DE INFORMAR


O Código de Defesa do Consumidor positivou o dever de informar nos artigos 30 e 31 (BRASIL, 2000, p. 192), da mesma forma como o fez ao regular a publicidade enganosa no § 1º do artigo 37 (BRASIL, 2000, p. 192) e a proteção contratual no artigo 46, todos do mesmo diploma legal. Estabeleceu ainda como direito básico do consumidor, na letra do artigo 6º, inciso III (BRASIL, 2000, p. 186), “o direito à informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade e preço, bem como sobre os riscos que apresentem”.
O dever de informar, como conseqüência dos princípios da eqüidade, vulnerabilidade do consumidor, transparência e boa-fé objetiva, obriga o fornecedor a prestar informações claras, precisas, corretas, verdadeiras, ostensivas e em língua portuguesa sobre todas as características do produto ou serviço ofertado: preço, qualidade, quantidade, riscos, procedências, prazo de validade, composição, garantia, dentre outros (artigo 31) (BRASIL, 2000, p. 192).
Isto significa permitir ao consumidor conhecer efetivamente tudo a respeito do que adquire ou contrata. Desta forma, a omissão de qualquer informação pode levar o fornecedor a sofrer severas penalidades, uma vez não atingidas as legítimas expectativas do consumidor, que surgiram por meio da informação não fornecida. Lado outro, toda e qualquer informação pelo fornecedor veiculada por qualquer forma ou meio de comunicação (destacamos a abrangência da previsão legal) vinculará a relação, passando a integrar o contrato, ainda que dele não conste explicitamente, podendo ser exigida pelo consumidor (artigo 30) (BRASIL, 2000, p. 192).
Ressaltamos aqui, diante das explanações acima, que o dever de informar faz-se mais presente na fase pré-contratual, quando o consumidor deve tomar conhecimento da existência do produto e de suas qualificações, das implicações da relação advinda, da extensão de suas obrigações e do conteúdo de todo o contrato. Como salientou Cláudia Lima MARQUES de forma bastante acurada,


Aqui as informações são fundamentais para a decisão do consumidor (qualidade, garantias, riscos, carências, exclusões de responsabilidade, existência de assistência técnica no Brasil etc) e não deve haver indução ao erro, qualquer dolo ou falha na informação por parte do fornecedor ou promessas vazias, uma vez que as informações prestadas passam a ser juridicamente relevantes, integram a relação contratual futura e, portanto, deverão depois ser cumpridas na fase de execução do contrato. (1999, p. 111).


Entendemos pertinente frisar, ainda, a notável contribuição que a inserção deste dever na órbita jurídica trouxe à realidade fática dos consumidores. A informação é, na ótica do Código de Defesa do Consumidor, um dever do fornecedor – e não do consumidor. Assim, aquele (consumidor) que anteriormente necessitava buscar a informação, posicionado portanto no pólo ativo da relação, passou a uma posição passiva, enquanto aquele (fornecedor) a quem cabia apenas esclarecer à questionamentos formulados pelo primeiro encontra-se hoje na obrigatoriedade de prestar as informações como um todo, solicitadas ou não pelo consumidor individualmente considerado, por imposição legal. Nesta seara, muito oportunas as considerações de MARQUES, senão vejamos: “Estabeleceu-se, assim, um novo patamar de conduta, de respeito no mercado, que não admite mais sequer o dolus bônus do vendedor, do atendente, do representante autônomo dos fornecedores, face ao dever legal” (1999, p. 111).
E ainda:


De um lado, o ideal de transparência no mercado acaba por inverter os papéis tradicionais, aquele que encontrava-se na posição ativa e menos confortável (caveat emptor), aquele que necessitava atuar, informar-se, perguntar, conseguir conhecimentos técnicos ou informações suficientes para realizar um bom negócio, o consumidor, passou para a confortável posição de detentor de um direito subjetivo de informação (art. 6, III), enquanto aquele que encontrava-se na segura posição passiva, o fornecedor, passou a ser sujeito de um novo dever de informação (caveat vendictor). (MARQUES, 1999, p. 287).


Assim, a informação clara, precisa, verdadeira, ostensiva, correta e em língua portuguesa é ônus do fornecedor que está a ela vinculado, seja por informação que não se adeqüe às normas do CDC, seja pela omissão de informação que gerou expectativas legítimas no consumidor a respeito do produto ou serviço ofertado (artigos 18 e 20 da Lei 8.078/90) (BRASIL, 2000, p. 189-190). Tratam-se dos vícios de informação (informação errônea e informação falha), que impõem responsabilidades aos fornecedores que neles incorrerem, como salienta a doutrina:


Quanto ao vício de informação, inclui este tanto as informações fornecidas pela embalagem quanto as veiculadas em mensagem publicitária. Presume-se que o consumidor exigirá na maioria dos casos, a rescisão contratual, pois a informação falha levou-o a adquirir um produto sem as qualidades ou características que necessitava ou desejava. [...] Quanto à falha na informação sobre produtos perigosos ou nocivos, pode ela ensejar a combinação dos dois regimes de responsabilidade. O consumidor pode exigir qualquer das hipóteses do art. 18, em relação ao produto adquirido, e, caso tenha sofrido alguma espécie de dano (mesmo moral) em virtude do defeito de informação, poderá pedir o ressarcimento com base no regime extracontratual do art. 12 e seg. do CDC. (MARQUES, 1999, p. 334).


Desta feita, caso o fornecedor descumpra com seu dever de informar, ao qual se contrapõe o direito do consumidor, estará por lei adstrito às sanções civis e administrativas dos artigos 18, 19, 20, 35, 38, 46, 48 e 56 e às sanções penais dos artigos 63, 64, 66, 67, 68 e 72, todos do Código de Defesa do Consumidor (BRASIL, 2000, p. 189-200).


7.12.2 - DEVER DE VERACIDADE


Este dever de conduta está de certa forma ligado ao anterior, pois é por meio da informação que a veracidade se concretizará. A idéia é basicamente a de que toda informação ao consumidor deverá ser inteiramente verídica.
Fica assim vedada qualquer publicidade ou oferta parcialmente falsa, omissa ou que possa induzir o consumidor a erro a respeito de qualquer dos caracteres inerentes ao produto, sob pena de responsabilidade do fornecedor que a veicular ou produzir, como já dissemos.



7.12.3 - DEVER DE VINCULAÇÃO


Este dever também decorre do dever de informar, uma vez que, conforme já explicitado, segundo disposição da legislação vigente, o fornecedor está vinculado diretamente à mensagem publicitária ou oferta veiculada por qualquer forma.
Assim, se a informação não for transparente e não refletir veracidade, se for incorreta ou omissa, estará o fornecedor vinculado aos seus termos, devendo o negócio surtir os efeitos anunciados.


7.12.4 - DEVER DE COOPERAÇÃO


Cláudia Lima MARQUES entende que cooperação significa “[...] não obstruir ou impedir.” (1999, p. 113). O dever de cooperação, como corolário do princípio da boa-fé objetiva e da eqüidade nas relações de consumo, implica numa conduta adequada aos fins a que se propõe a negociação e que deverá ser observada tanto na fase pré-contratual como na fase de execução do contrato.
Trata-se de não dificultar ou impossibilitar a atuação do outro contratante que procura adimplir com sua obrigação contratual. Fere o dever em questão e, portanto, não coopera, quem redige contratos abusivos e sem a devida clareza e precisão, quem impõe obrigações desnecessárias para a execução do contrato, quem dificulta o acesso ou inviabiliza o cumprimento de uma prestação.


7.12.5 - DEVER DE CUIDADO


O dever de cuidado surge da necessidade de se garantir a integridade física e pessoal do contratante, bem como a integridade de seu patrimônio (MARQUES, 1999, p. 115) e significa, especificamente, que a partes envolvidas na relação devem ter a necessária cautela quando da negociação e da execução do contrato.
A doutrinadora mencionada bem exemplifica casos onde não foi observado o dever de cuidado, como a saber: quando o fornecedor divulga dados particulares de um consumidor e quando lhe causa danos morais ao cobrar uma dívida. Acrescentamos ainda casos em que o consumidor não obedece às instruções de uso de determinado produto ou não permanece sentado na decolagem do avião. Em cada caso, as partes que infringirem o dever de cuidado poderão sofrer as sanções cabíveis.


7.13 - A FUNÇÃO SOCIAL DA EMPRESA E DO MARKETING


Neste ponto, teceremos algumas considerações quanto à função social da empresa e do marketing sem muitas delongas, uma vez que tal matéria seria objeto de um outro estudo, longo e minucioso. Porém, pertinente abarcamos tal questão antes de prosseguirmos à análise propriamente dita do caso apresentado no item 5.8, uma vez que a solução pode ter seu cerne justamente na função social que exercem ou devem exercer as empresas.
Com efeito, havemos de considerar a importância da empresa na sociedade capitalista moderna. É a empresa o instituto responsável pela manutenção do sistema capitalista, pela produção dos bens de consumo que abastecem a população, pela abertura de novos postos de trabalho e manutenção dos já existentes, dentre outras considerações. Assim sendo, não podemos negar que a manutenção das empresas é essencial ao sistema capitalista por nós adotado.
Não obstante, o conceito de empresa distancia-se um pouco do outrora existente. A empresa atual não existe e/ou subsiste somente sob o ponto de vista liberal de abarcar lucros e mais lucros, gerando benefícios individuais aos seus detentores. Hodiernamente, exige-se das empresas que, a despeito do lucro individual – inerente a qualquer tipo de atividade empresarial e fator propulsor de novos empreendimentos, também propiciem determinado benefício à sociedade como um todo. Trata-se de garantir que interesses metaindividuais – assim considerados aqueles que se sobrepõe a um único indivíduo – sejam preservados pelas empresas (como exemplo, podemos citar o direito do consumidor, dentre tantos outros).
O que pretendemos mostrar é que a empresa atual, para subsistir em consonância com as leis vigentes no País, não pode visar essencialmente ao lucro. Não que este não lhe seja importante. Como dito alhures (ao abordarmos o princípio da lucratividade), o lucro lhe é não só peculiar como inerente. Porém este não pode ser o fim único da empresa, que representa papel relevante na sociedade e, portanto, deverá à esta oferecer certos benefícios, sob pena de ilegalidade – haja vista as normas constitucionais limitadoras de sua ação, como citamos a norma que insere o direito do consumidor e a proteção ao meio ambiente ecologicamente equilibrado entre os princípios informadores da ordem econômica.
Assim esclarecido o que entendemos por função social da empresa, relevante mencionarmos que o marketing - assim considerado como meio de propagar informações destinadas ao consumidor, de modo a instigá-lo na compra de determinado bem ou serviço - também deverá exercer sua função social, sendo uma espécie do gênero empresa. É por meio da publicidade e da oferta que o produto chega ao consumidor – é o marketing a alma do negócio, como já afirmava o dito popular. E então, nos debruçamos agora sob em que consistiria a função social do marketing.
Com efeito, o marketing possui o que SANTOS chama de seu “lado sombrio, aquele que revela um alto poder manipulador de consumidores, em que estes são, muitas vezes, levados a consumir mercadorias que nem mesmo desejam, contribuindo, com isto, para o aumento do grau de inadimplência e pobreza de uma sociedade.” (2000, p. 36).
Lado outro, concordamos com o citado mestre no sentido de que o marketing em nossa sociedade não é somente útil ao empresário, o é também ao consumidor. Tal se explicaria porque, a uma, o marketing leva ao conhecimento do público os produtos ofertados no mercado, possibilitando-o suprir suas necessidades com mais facilidade; a duas, define o preço dos produtos mediante critérios de mercado aliados ao exame do preço da concorrência para produtos similares, fazendo com que o produto chegue ao consumidor a baixos preços e a três, porque, através do merchandising, o consumidor tem acesso aos produtos certos, nos locais e pelos preços certos. (SANTOS, 2000, p. 37).
Por fim, salientamos que o legislador também acredita na função social do marketing. Tanto é assim que optou por regulá-lo no Código de Defesa do Consumidor, destinando-lhe seções específicas – Capítulo V, seção II e III (BRASIL, 2000, p. 192-193)– para que os abusos usualmente praticados por meio da publicidade e oferta fossem efetivamente coibidos, e o marketing cumprisse seu verdadeiro papel – amealhar lucro para os fornecedores e informar os consumidores.
Assim, para efeitos jurídicos, é considerado legítimo o marketing que atinge a conjugação de fatores tais como, trazer lucro à empresa e satisfação ao consumidor. E é neste contexto que a oferta e a publicidade deverão ser consideradas, o que se aplicará diretamente ao nosso estudo, como veremos.

Com esta exposição, passamos agora à análise do caso concreto, delineando nossas conclusões pessoais.


8 - ANÁLISE E DISCUSSÃO DO CASO


Como vimos do relato do caso no item 5.1 deste trabalho, o impetrante alega que o Estado teria promovido intervenção indevida nos negócios da empresa, a partir dos despachos impugnados.
Assim sendo, o primeiro questionamento que iremos abordar é se houve ou não intervenção e se esta foi devida (como entendeu a decisão) ou indevida (como pretende o impetrante). Para tanto, partiremos da análise das disposições impugnadas, senão vejamos.
O Diretor do Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor despachou no seguinte sentido, como se observa do documento constante do anexo II (publicado no Diário Oficial da União em 25/05/1998):


[...] Determino, no uso das atribuições conferidas a este Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor, e neste específico caso, o disposto nos arts. 30 e seguintes da Lei nº 8.078/90, que, na oferta e na Publicidade de produtos comercializados no território nacional, ficam os estabelecimentos comerciais obrigados a afixarem o “Preço à Vista” através de etiquetas ou similares, diretamente nos bens expostos à venda, fazendo constar os seus preços à vista em caracteres legíveis, independentemente de outra modalidade de pagamento. Existindo no local, sistema de código de barras, instituído pelo Decreto nº 90.595/84, é obrigatória, também, a afixação dos preços à vista, dos produtos correspondentes aos referidos códigos, de tal forma a evitar o constrangimento, quando do acesso do consumidor ao caixa do estabelecimento para o devido pagamento do que adquire. [...] Ficam os órgãos públicos legitimados na proteção e defesa do consumidor incumbidos de acompanhar o cumprimento deste Despacho, adotando todos os meios previstos em lei, inclusive penalizando, tudo em favor de seu fiel cumprimento. [...].


Em seguida, o Exmo. Ministro da Justiça Despachou da seguinte forma, como consta do inteiro teor do acórdão ora analisado (anexo I).


Despacho nº 17 – Referência: Portaria nº 442, de 16 de junho de 1998. Assunto: Comissão Especial para proceder estudos e propor formas de aprimoramento dos critérios e padrões para visualização de preços dos produtos expostos à venda. Decisão: Recebo o relatório da Comissão Especial no prazo estabelecido. Pelo seu conteúdo, não vejo como ser acolhida a proposta da Associação Brasileira de Supermercados – ABRAS, em face da extrema elasticidade do prazo para solução da matéria objeto do estudo e, ainda, por distanciar-se das disposições contidas nos arts. 6º III e 31, ambos da Lei nº 8.078 de 11 de setembro de 1990. Em contrapartida, alio-me às ponderações dos representantes dos PROCONS, do Fórum Nacional de Entidades Civis de Defesa do Consumidor, do Ministério Público Federal, bem assim às considerações e propostas apresentadas pela Secretaria de Direito Econômico desta Pasta. Malgrado reconheça os benefícios da evolução tecnológica, com a adoção de código de barras, sou forçado a reconhecer, também, diante dos lamentáveis fatos concretos trazidos ao conhecimento do Ministério da Justiça, que as exigências de informações claras e adequadas, erigidas em proteção do consumidor, somente serão plenamente atendidas com o preço afixado no produto exposto à venda. Rejeito, pois, qualquer argumento que violente a dignidade do consumidor. Desse modo, apoiado na legislação mencionada e na Constituição Federal, que consigna a defesa do consumidor como princípio da ordem econômica, referendo o Despacho do Senhor Diretor do Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor, datada de 20 de maio de 1998, publicado no Diário Oficial da União de 25 do mesmo mês, razão pela qual estabeleço a data de 11 de setembro do corrente ano como limite para a afixação dos preços diretamente nos produtos expostos à venda. Oriento, por derradeiro, o Sistema Nacional de Defesa do Consumidor a agir de acordo com o teor da precitada manifestação do DPDC.


Assim sendo, regulou-se a obrigatoriedade de afixação de preços à vista em cada mercadoria individualmente considerada, sobre o que se insurgiu o impetrante no caso concreto, como vimos no relato do item 5.1 (e pode ser aferido no inteiro teor do acórdão constante do anexo I deste trabalho).
A questão inicialmente proposta, como dito alhures, é verificar se houve intervenção do Estado na economia. A nosso ver, não restam dúvidas quanto a este fato, uma vez que o Estado, por intermédio de um de seus agentes, regulou a forma de afixação de preços em mercadorias expostas à venda pelo setor privado, como se depreende do texto dos despachos acima citados. Interviu, portanto, na economia privada, estabelecendo regras cogentes que os particulares devem cumprir, sob pena de sanção.
Em segundo lugar, devemos aferir a forma da intervenção adotada. Como vimos, a Constituição Federal de 1988 autoriza o Estado a intervir na economia de duas maneiras - a intervenção direta e a intervenção indireta - regulando-as, respectivamente, nos artigos 173 e 174 (BRASIL, 1999, 102-103). Analisamos as duas formas de intervenção no item 7.6.2 deste trabalho. Com este embasamento e após a análise dos despachos intervencionistas, concluímos tratar-se de intervenção indireta na economia. Senão vejamos.
A intervenção indireta na economia se dá quando o Estado regula a atividade econômica, sem participar dela diretamente. Nos termos do artigo 174 da Carta de 88 (BRASIL, 1999, 102-103), a intervenção indireta pode se efetivar por meio de incentivos, planejamentos, e fiscalização. In casu, observamos uma intervenção indireta por fiscalização, uma vez que o Estado impôs ao particular determinadas regras que, por seu caráter imperativo e cogente, deverão ser seguidas sob pena de punição, a saber: a norma estabelecida é a afixação de preços em cada mercadoria individualmente considerada, independentemente da utilização do sistema de código de barras. A sanção pelo seu descumprimento é a imposição de quaisquer penalidades previstas na legislação que embasou o despacho, ou seja, a Lei 8.078/90.
Portanto, ultrapassada mais esta indagação. Resta-nos agora verificar se a intervenção foi correta (legal) ou não (ilegal).
Delineamos no item 7.6.3 os limites da intervenção na economia. Como salientado alhures, o espírito do legislador, ao estabelecer a intervenção do Estado na economia, foi o de regular o mercado, evitando deixá-lo à mercê de sua auto-regulação como queriam os liberalistas extremados.
Desta feita, a intervenção existe no ordenamento jurídico para coibir o individualismo exacerbado, em detrimento dos interesses da coletividade. Assim sendo, para aferirmos a legalidade ou não da intervenção ora estudada, devemos adotar o critério casuístico já mencionado no item 7.6.3 deste estudo. Relembramos que este critério ordena que seja analisado o caso concreto à luz dos direitos constitucionalmente garantidos e dos princípios informadores da ordem econômica, o que possibilitará identificarmos se temos, no caso concreto, uma intervenção a favor (devida) ou contra (indevida) o mercado e os interesses coletivos.
Como a intervenção visa condicionar a ordem econômica ao cumprimento de seu fim, assegurando os princípios que a regem, partimos agora para verificação dos princípios aplicáveis ao caso concreto.
Iniciaremos esta parte do estudo a partir dos princípios invocados pelo impetrante, quais sejam, a livre concorrência e a livre iniciativa. Segundo razões apostas no corpo do acórdão (anexo I), o impetrante alega que a determinação do Poder Público em estudo viola o princípio da livre concorrência e da livre iniciativa.
O princípio da livre concorrência, previsto na Carta de 88 no artigo 170, IV (BRASIL, 1999, 101), tem o intuito de assegurar o modelo capitalista adotado, sendo um dos sustentáculos deste sistema. Já o princípio da livre iniciativa, como vimos, é outro pilar sobre o qual se apóia o modelo capitalista, visando a liberdade de acesso, organização e exercício de qualquer atividade econômica.
Como já salientamos em momento anterior, os dois princípios invocados pelo impetrante informam a ordem econômica. Porém, averiguamos também que tanto um quanto o outro não são absolutos, devendo ser interpretados em consonância com os demais princípios instituídos pelo artigo 170 da Magna Carta vigente (BRASIL, 1999, 101).
Portanto, a própria Constituição Federal, ao lado daqueles princípios, instituiu diversos outros que os limitam e condicionam, os quais passamos a analisar de acordo com sua aplicação ao caso concreto.
Partiremos do princípio que garante a defesa do consumidor na ordem econômica brasileira, por ser este, sem dúvida, o mais relevante para o nosso estudo, além de ter sido reiteradamente mencionado na decisão analisada.
A defesa do consumidor está prevista, como vimos, nos artigos 5º, XXXII (BRASIL, 1999, 8) e 170, V da Carta Magna (BRASIL, 1999, 101). Em breves linhas, nos deteremos sobre a conceituação do consumidor por ser relevante ao nosso estudo. Como analisamos no item 7.8, para que tenhamos uma relação de consumo, basta identificar se a figura do consumidor está num dos pólos da relação. Assim, saberemos se podemos utilizar a legislação consumerista para decifrar o caso concreto se, confrontando a definição legal de consumidor com o que podemos chamar de pessoas atingidas direta ou indiretamente pelo despacho intervencionista, observarmos a subsunção do fato à norma.
A Lei 8.078/90 estabeleceu, da forma já salientada, o conceito de consumidor, divergindo os doutrinadores – quanto ao que seria destinatário final do bem – entre a teoria finalista e a teoria maximalista. Para o legislador, conforme artigo 3º do Código de Defesa do Consumidor (BRASIL, 2000, p. 185), “consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final.” Como já salientamos no item 7.9, com a devida fundamentação, filiamo-nos à teoria finalista, que entende que destinatário final do bem é toda pessoa física ou jurídica que utiliza o bem para consumo próprio ou da família – ou seja, consumidor é o destinatário fático e econômico do bem.
Diante dessas considerações, podemos dizer que o despacho que determina a etiquetação das mercadorias individualmente consideradas irá refletir na relação existente entre os destinatários finais dos bens ofertados nos supermercados. Isto posto, irá gerar conseqüências na relação existente entre o impetrante e os consumidores de seu serviço. Temos portanto um mandado de Segurança impetrado por um fornecedor contra um ato do Ministro da Justiça que regula a relação existente entre este fornecedor impetrante e o consumidor de seus produtos.
Desta forma, não há como nos furtar à aplicação das leis consumeristas ao caso concreto, mormente ante ao fundamento constitucional que elevou a defesa do consumidor à categoria de princípio informador da ordem econômica. Ipso facto, ciente de que as normas de defesa do consumidor são aplicáveis ao caso apresentado, passaremos à análise dos princípios que regem o direito do consumidor, para que possamos identificar se a intervenção do Estado na economia da forma como se observamos no item 5.1 não vem de encontro aos princípios aplicáveis à situação concreta ora analisada.
O princípio da boa-fé objetiva, como salientamos no item 7.11.1, trouxe grande contribuição ao direito. Apesar de não ser inovação do Código de Defesa do Consumidor pois, sempre permeou as relações contratuais, a sua positivação nos artigos 4º, III (BRASIL, 1999, 101) e 51, V (BRASIL, 2000, 195) da Lei 8.078/90 deu-lhe mais efetividade. Como vimos, boa-fé significa uma atuação leal, honrosa, sem abusos, sem desequilíbrios (MARQUES, 1999, 107). Com base na boa-fé objetiva, entendemos ser pertinente a regulamentação do Estado quanto à exposição de preços à vista na mercadorias. Vejamos.
Como bem salientado no acórdão (anexo I), foi constatado que o preço afixado nas gôndolas assim como aquele que podia ser aferido pelo sistema eletrônico, muitas vezes divergia do valor cobrado no caixa. Esta prática está longe de coadunar com a boa-fé. É, por si só, ilícita. Assim, a determinação do Poder Público de que os fornecedores devem afixar os preços em cada mercadoria é não só legítima como essencial para prevenir abusos tais como o citado no acórdão em análise.
Ademais, como vimos no item 7.11.2, o consumidor ainda está protegido pelo princípio da transparência. Por meio deste princípio, as relações devem ser as mais claras, sinceras e leais possíveis.
A intenção do legislador, ao instituir este princípio, foi exatamente a de garantir aos consumidores a possibilidade de verem suas expectativas legítimas, quanto ao produto ou serviço, efetivamente realizadas, permitindo-lhes emitir sua declaração de vontade de maneira consciente, de acordo com sua liberdade de escolha.
Assim, o princípio da transparência prima pela redução das desigualdades e do desequilíbrio entre os contratantes. Em uma relação transparente, o consumidor aproxima-se da realidade do fornecedor, diminuindo-se as distâncias existentes entre o detentor do capital e o adquirente dos produtos por este ofertados (parte vulnerável da relação).
Com base neste princípio, institui-se o dever de informar, elevado ao nível de direito básico de todo consumidor nos termos do artigo 6º, II e III do Código de Defesa do Consumidor (BRASIL, 1999, p. 186). A informação deverá ser a mais completa possível, como vemos do artigo 31 da Lei 8.078/90 (BRASIL, 1999, p. 192), que prevê, in verbis:


Artigo 31 - A oferta e a apresentação de produtos ou serviços devem assegurar informações corretas, claras, precisas, ostensivas e em língua portuguesa sobre suas características, qualidades, quantidade, composição, preço, garantia, prazos de validade e origem, entre outros dados bem como sobre os riscos que apresentam à saúde e segurança dos consumidores.


Da norma supra citada consta a obrigatoriedade da informação do preço (é o dever de informação a que nos referimos no item 7.12.1 do nosso trabalho). De fato, o preço não é simples elemento referente ao produto, é elemento essencial da oferta, mormente na sociedade em que vivemos. No Brasil, a variação do custo de um bem para outros de características iguais ou semelhantes é gritante, a grande maioria dos consumidores pertence à classe média ou baixa e abusos tais como a divergência do preço exposto nas gôndolas e do preço cobrado nos caixas como citado linhas acima chega a ser uma constante. Isto posto, não se pode considerar que o preço é elemento de pouca importância para o consumidor. Ante à tudo o que expusemos, o preço é elemento diferenciador e orientador da escolha do consumidor.
Além de ser obrigatória, por mandamento do artigo 31 do Código de Defesa do Consumidor (BRASIL, 1999, 192), a informação do preço deverá ser formalizada de forma correta, clara, ostensiva e verdadeira. Isto significa que a informação deverá constar do produto, sob pena de não ser efetiva. Não procede dizer que o sistema eletrônico aliado à afixação de preços nas gôndolas seria suficiente para cumprir as exigências do artigo 31 do Código de Defesa do Consumidor (BRASIL, 1999, 192).
Como vemos e observamos diariamente em nossas idas e vindas pelo supermercado, o preço nas gôndolas não é claro, não é preciso, além de ser de difícil identificação. Basta nos dirigirmos a qualquer estabelecimento que não adote a fixação de preços individuais para nos depararmos com a dificuldade de comparar o preço de produtos semelhantes de marcas diferentes. Tal observação pode ser claramente notada pelas fotografias constantes do anexo IV deste trabalho, as quais fizemos questão de juntar ao nosso estudo a título de exemplificação. A visualização dos preços é difícil e a identificação destes e da marca a que se referem é complicada. Não atende, portanto, o disposto no artigo supra citado, além de limitar a liberdade de escolha do consumidor – haja vista que para grande parte da população brasileira, o preço não é só essencial, chega a ser fator determinante na compra.
Vejamos a foto 1 (anexo IV): o preço de R$ 11,98 (onze reais e noventa e oito centavos) constante da prateleira parece referir-se a todas as garrafas térmicas expostas na prateleira de cima. Evidentemente, tendo em vista tamanho e marca diferentes de cada produto (garrafa térmica) o consumidor não sabe precisar à quais produtos o preço se refere.
Na foto número 2 (anexo IV), temos que o preço de R$ 1,35 (um real e trinta e cinco centavos), com seta indicando a prateleira superior, estarrecidamente refere-se ao produto exposto na prateleira abaixo (flanelas), o que, sem dúvida, não informa devidamente o consumidor.
Por derradeiro, apresentamos apenas a título de comparação, um exemplo de cumprimento das normas estabelecidas pelo CDC. Na terceira foto, todos os produtos expostos apresentam claramente os seus respectivos preços, com todas as indicações necessárias ao entendimento do consumidor.
Neste ponto ainda vale lembrar, como a propósito o fez o acórdão em estudo (anexo I), que em nosso país existe um número enorme de pessoas analfabetas e semi-analfabetas. Estas pessoas, humildes e sem instrução, mais do que quaisquer outras não sabem como utilizar o sistema eletrônico, muitas nunca manusearam um computador e mal sabem identificar letras e números. Infelizmente esta é a realidade brasileira, da qual o judiciário certamente não poderia se olvidar – e não o fez quando decidiu favoravelmente ao consumidor, explicitando o baixo nível de instrução da população nas razões do voto do relator.
Assim, por mais este motivo, não podemos aceitar quaisquer alegações que afirmem que os sistemas adotados pelo impetrante suprem as exigências do artigo 31 do Código de Defesa do Consumidor, ou seja, conferem informações claras, precisas, ostensivas ao consumidor sobre o preço dos produtos ofertados.
Com tais considerações, concluímos que a partir da garantia decorrente do princípio da transparência, a atuação do Estado é mais que legítima. É devida, correta e deverá ser acatada por quem de direito, sob pena das sanções cabíveis.
Quanto ao princípio da eqüidade, apesar de estar mais diretamente ligado à fase de execução contratual – como nos referimos no item 7.11.3, o mesmo não deixa de regular a fase das negociações preliminares entre os possíveis contratantes. Neste ponto, ele visa reduzir desigualdades e desequilíbrios. Assim, estando o consumidor de produtos ofertados nos supermercados em posição vulnerável ao fornecedor, a eqüidade deve ser buscada, para que, por meio de uma informação correta e adequada ao consumidor, seja atingido um patamar mínimo de igualdade entre as partes contratantes.
Não nos delongaremos no princípio da confiança por entendermos que tem ligações mais estreitas com os vícios pelo fato do produto ou do serviço. Passaremos assim ao exame do princípio da vulnerabilidade do consumidor.
A vulnerabilidade expressa a posição mais fraca do consumidor em relação ao fornecedor. Conforme explicitado no item 7.11.5, a vulnerabilidade pode ser fática, jurídica ou técnica. In casu, os consumidores de produtos ofertados no mercado são faticamente vulneráveis, ou, melhor dizendo, economicamente mais fracos que os fornecedores detentores dos meios de produção. O reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor legitima a adoção e positivação de todos os demais princípios acima citados. Sendo o consumidor parte mais fraca, deve ser tratado com o devido zelo. Assim, é legítima a atuação do Estado que reconhece a posição desfavorável do consumidor e dita regras para protegê-lo.
Por derradeiro, resta-nos tratarmos dos deveres anexos aos contratos (item 7.12 do nosso estudo), ou seja, daquelas obrigações de conduta acessórias ao pacto, que são aplicáveis, conforme os princípios supracitados, na fase pré-contratual.
O primeiro dever a ser levantado é o dever de informar. Como observamos, cabe ao fornecedor prestar informações claras, precisas, verdadeiras, ostensivas e corretas sobre o produto ou serviço ofertado, sua qualidade, quantidade, especificação, garantia e, o que interessa ao caso sob o qual nos debruçamos, o preço. As informações são essenciais para a livre escolha do consumidor (MARQUES, 1999, p. 111) e o preço, fator determinante na fase de negociações.
Ao dever de informação está atrelado o dever de vinculação. Um e outro resultam numa inversão de papéis entre consumidor e fornecedor. A bem deste princípios, o consumidor não precisa ir atrás da informação sendo responsabilidade do fornecedor divulgá-las, no exato comando do artigo 31 do Código de Defesa do Consumidor (BRASIL, 1999, p. 192). Assim, caso o fornecedor não obedeça à regra do mandamento acima citado, incorrerá nas sanções cabíveis, dentre elas a de se ver vinculado à oferta veiculada ou produzida por um meio ou outro. É o que determina o artigo 30 do diploma mencionado: a informação obriga o fornecedor e integra o contrato que vier a ser celebrado (BRASIL, 1999, p. 192).
Desta feita, o preço exposto nas prateleiras e aferido por meio do sistema de código de barras vincula o fornecedor. Não poderíamos, portanto, sequer ter notícias de abusos tais como o que mencionamos linhas acima (divergência de preços entre a prateleira e o caixa). O preço cobrado no caixa deveria ser equivalente ao que o consumidor aferiu nas gôndolas e no aparelho eletrônico. Questionamos: como garantir que o dever de vinculação será cumprido se não existe preço em cada produto para que o consumidor averigúe se a cobrança no caixa é exata?
Podemos fazer esta mesma indagação quanto ao dever de veracidade. A obrigação do fornecedor é prestar informações verdadeiras em sua plenitude. Se consta das prateleiras um valor e nos corredores do estabelecimento o preço sofre aumento, como podemos garantir cumprimento ao princípio da veracidade? Como podemos dar-lhe efetividade se, ao chegar ao caixa, o consumidor provavelmente não mais saberá o valor ofertado nas gôndolas?
De tudo o que foi dito, concluímos que os princípios de direito do consumidor supra-analisados limitam a livre iniciativa e liberdade de concorrência, além de condicionarem a intervenção estatal a sua obediência. Não havendo violação aos princípios que informam o direito do consumidor, acreditamos que, ao inverso, a própria lei corrobora a intervenção Estatal, uma vez que o despacho impugnado no Mandado de Segurança em análise não fere nenhum princípio constitucionalmente garantido, lado outro, assegura a defesa do consumidor delineada nos artigos 5º, XXXII (BRASIL, 1999, p. 8) e 170, V da Magna Carta (BRASIL, 1999, p. 101).
Analisada a questão da defesa do consumidor, que, como vimos, legitima a intervenção do Estado da forma como foi efetivada no caso em estudo, passaremos ao estudo dos demais princípios informadores da ordem econômica. Neste ponto, ressaltamos que apesar de muitos destes princípios, a que faremos referência, não terem sido abordados na no acórdão constante do anexo I deste trabalho, entendemos que são relevantes e poderiam ter sido utilizados pelos Exmos. Ministros do STJ para decidir a questão.
Vejamos então o princípio da dignidade da pessoa humana, segundo os ditames de justiça social, que está previsto no caput do artigo 170 (BRASIL, 1999, p. 101). Como vimos, falar em dignidade da pessoa humana é o mesmo que falar, materialmente, em vida digna com suficientes condições de subsistência. Subjetivamente, a dignidade da pessoa humana significa vida honrosa, condições de se colocar no mundo como ser individualmente considerado. Condicionar a ordem econômica aos ditames da justiça social, por sua vez, implica em reduzir as desigualdades sociais a um patamar ao menos suportável. É neste ponto que este princípio colide com o da livre iniciativa, limitando-o e, de outro lado, legitimando a intervenção estatal.
Se o consumidor é a parte vulnerável fática, técnica ou juridicamente considerada na relação consumerista, deve-se buscar a diminuição desta desigualdade, para atender aos ditames da justiça social. Assim sendo, a informação adequada ao consumidor sobre o preço do produto é essencial porque reduz a distância existente entre este e o fornecedor. Desta forma, a alegação do impetrante de que a determinação do Poder Público viola a livre iniciativa não pode prosperar pois, tanto o despacho quanto o princípio invocados estão condicionados à defesa do consumidor. A livre iniciativa vai até onde não fira os direitos garantidos na Carta Magna.
Importante mencionarmos também que a Carta de 88 instituiu como princípios orientadores da ordem econômica a valorização social do trabalho humano (artigo 170, caput) (BRASIL, 1999, p. 101), a erradicação da pobreza e da marginalização (artigo 170, VII) (BRASIL, 1999, p. 101), a redução das desigualdades sociais (artigo 170, VII) (BRASIL, 1999, p. 101) e a busca do pleno emprego (artigo 170, VIII) (BRASIL, 1999, p. 101).
Com a determinação de fixação de etiquetas (contendo preço à vista) individualmente nos produtos ofertados, o Estado buscou valorizar o trabalho humano em detrimento da automação desenfreada, garantir postos de trabalho aos inúmeros brasileiros desempregados, reduzir as desigualdades entre os detentores do capital e a mão-de-obra e, com isto erradicar a pobreza, atendendo aos preceitos constitucionais.
De fato, a evolução tecnológica (como o sistema de código de barras) se, por um lado, facilita e dinamiza a sociedade e o mercado, por outro, desvaloriza o trabalho humano em favor da máquina, gerando altos níveis de desemprego. Portanto, a política adotada pelo Estado não pode ser considerada ilegítima se possibilita a adequação da tecnologia com o trabalho manual, assegurando o cumprimento dos princípios em análise.
A propriedade, também arrolada na Constituição Federal como princípio informador da atividade econômica (artigo 170, II) (BRASIL, 1999, p. 101), encontra sua limitação no próprio texto da Magna Carta (artigo 170, III) (BRASIL, 1999, p.101). A propriedade (que não é somente de bens móveis ou imóveis mas também dos meios de produção) deverá atender à sua função social para evitar abuso de direito por seu titular. Entendemos, assim, que a omissão da informação clara ao consumidor seria abuso de direito do detentor dos meios de produção (fornecedor), distanciando ainda mais a realidade entre os pólos da relação. Mais uma vez, se mostra legítima a intervenção do Estado na economia da forma como se deu no caso em estudo.
Além dos princípios explícitos da ordem econômica (enumerados no artigo 170 da Constituição Federal) (BRASIL, 1999, p.101), devemos nos remeter ainda aos princípios informadores do direito econômico. Estes princípios, por sua vez, também condicionam a intervenção do Estado na economia, como vimos no item 7.6.3 deste trabalho. Deste modo, a partir de sua análise, teremos mais subsídios para confirmar, se a intervenção promovida por meio dos despachos descritos no início deste tópico, foi de fato acertada ou não.
Não abordaremos o princípio da subsidiariedade por entendermos que não se aplica ao caso concreto, por nós analisado. Este princípio aplica-se a casos de intervenção direta na economia (na forma como explicitamos no item 7.5.1 deste trabalho) e, como concluímos linhas acima, in casu, temos uma intervenção indireta do Estado na economia.
O princípio da economicidade também não é aplicável ao Mandado de Segurança objeto deste trabalho, uma vez que rege a gestão do patrimônio público, não tendo quaisquer reflexos diretos no caso ora estudado.
O princípio da lucratividade, lado outro, deverá ser analisado por trazer implicações concretas na intervenção indireta do Estado na economia. Segundo este princípio, será legítima qualquer intervenção estatal que não suprima totalmente a margem de lucro do agente econômico.
Aqui nos cabe lembrar que certamente a exposição de preços mediante sistema eletrônico é por um lado menos onerosa para o impetrante. A despeito de um vultoso investimento para a implementação do sistema, a opção é evidentemente menos onerosa do que manter empregados que possam afixar o preço nas mercadorias individualmente consideradas. Porém, entendemos que a determinação de fazê-lo, ainda que já implantado o sistema eletrônico, não suprimirá os lucros do impetrante/agente econômico, tendo em vista o notório repasse dos custos dos encargos trabalhistas ao consumidor.
E como bem salientou o Exmo. Ministro Relator Garcia Vieira (anexo I), a etiquetação dos produtos era feita diariamente na época da inflação, quando os preços variavam da noite para o dia. Hoje, com a moeda estável (ou caminhando para a estabilidade), as alterações de preço são menores e menos freqüentes, o que não oneraria em muito o fornecedor no cumprimento do despacho impugnado.
O que observamos, então, é que a intervenção do Estado na atividade econômica do impetrante, da forma como se deu, não a inviabiliza, ao revés, garante, de um lado, o lucro do fornecedor e, de outro, o direito do consumidor à transparência nas suas relações.
Assim, podemos concluir que o princípio da lucratividade não foi violado pelo Estado quando determinou que se fizesse constar de cada produto, por meio de etiquetas ou similares, o preço à vista, motivo pelo qual, até aqui, podemos considerar legítima a intervenção estatal.
Passamos então ao princípio da razoabilidade, que deverá ser analisado em dois momentos, como vimos no item 4.5.5 deste trabalho.
Primeiramente, vamos verificar se a intervenção do Estado na economia atendeu ao que chamamos de razoabilidade interna. Para tanto, devemos averiguar se a reação do Estado (meio empregado) ao motivo que lhe impôs a intervenção foi proporcionalmente direta ao fim almejado (finalidade).
Sabemos que o que motivou o ato Estatal foi a observância das normas de direito do consumidor, notadamente os artigos 31 e seguintes da Lei 8.078/90 (BRASIL, 2000, p. 192-193) (como podemos constatar do despacho constante no anexo II deste trabalho). O fim visado pelo Poder Público foi a efetiva proteção do consumidor e realização dos princípios da transparência, boa-fé, eqüidade, vulnerabilidade e demais informadores do direito consumerista. O meio adotado para tanto foi a publicação de despacho determinando a obrigatoriedade de afixação de preços à vista em cada produto.
Identificados, assim, estes elementos que se traduzem no ato estatal, não temos como negar que houve proporcionalidade e racionalidade entre o motivo, o meio utilizado, e o fim almejado. Não podemos falar em uso de meios imoderados e arbitrários pelo Estado. Somente com a afixação de preços em cada produto, como bem salientou o Ministro Relator Garcia Vieira (anexo I), poderá ser assegurado ao consumidor o seu direito à informação adequada e clara com especificação de preço, conforme preceito consubstanciado no item III do artigo 6º do Código de Defesa do Consumidor (BRASIL, 2000, p.186).
Desta forma, ultrapassada a razoabilidade interna, analisamos agora se há, no ato impugnado pelo impetrante, o que se convencionou chamar de razoabilidade externa. Para tanto, mister verificarmos se, a despeito de haver proporcionalidade entre o motivo propagador da intervenção, o meio utilizado e o fim almejado, o ato estatal está em consonância com a legislação. Como visto, a Carta Magna estabelece que a defesa do consumidor é princípio informador da ordem econômica. Assim sendo, o ato impugnado padece de ilegalidade, posto que está de acordo com os ditames constitucionais.
Não concordamos, portanto, com a alegação do impetrante de que o ato estatal teria inovado o conteúdo da lei. O Decreto 90.595/84 (anexo III), que instituiu o sistema de código de barras no mercado brasileiro, não limita a forma de exposição de preços somente ao meio eletrônico.
Lado outro, como oportunamente lembrado no acórdão em análise (anexo I), o código de barras foi instituído visando identificar os produtos, por equipamentos de automação, nas operações de comércio, no mercado interno, sendo esta a norma do parágrafo único do artigo 1º do Decreto supramencionado (anexo III).
Se, de outra forma, o Decreto 90.595/84 (anexo III) proibisse a colocação de preços individualmente em cada mercadoria, não teria sido recepcionado pela nossa Constituição vigente, que prevê explicitamente a defesa do consumidor nos artigos 5º, inciso XXXII (BRASIL, 1999, p. 8) e 170, inciso V (BRASIL, 1999, p. 101). O que o ato estatal fez foi simplesmente regular, para dar eficácia ao princípio constitucional, assim como aos preceitos infra-constitucionais dos artigos 6º, item III (BRASIL, 2000, p. 186) e 31 e seguintes da Lei 8.078/90 (BRASIL, 2000, p. 192).
Assim, sem adentrar no mérito da questão da competência do Ministro da Justiça para emitir despacho homologando os termos de despacho anterior emitido pelo Diretor do Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor (mas entendendo que ambas autoridades são competentes para o ato que individualmente realizaram) concluímos que o meio utilizado pelo Estado (determinação de obrigatoriedade de afixação de preços à vista em todas as mercadorias expostas à venda) para atingir o fim almejado (defesa dos direitos dos consumidores) está em consonância com a legislação vigente, não padecendo de quaisquer ilegalidades, sendo portanto, legítima a intervenção consumada.
Quanto ao princípio da transparência, não nos delongaremos aqui na sua explanação uma vez que já o fizemos linhas acima, quando do estudo dos princípios que informam a defesa do consumidor, abordando suas implicações no caso concreto.
Resta-nos, porém, observar se o ato estatal imprime obrigações à empresa que estejam em consonância com sua função social. Como esclarecemos no item 7.13 do nosso trabalho, a empresa desempenha uma função social, assim como o marketing. Tomando o marketing sob o prisma de que é, por meio dele, seja de que forma for (publicidade, oferta, merchandising), que o consumidor toma conhecimento não só da existência do produto como também de suas características, relevante abordarmos o aspecto social do mesmo.
Certo é que, hodiernamente, o marketing não é direcionado a um só indivíduo. O que observamos na sociedade moderna é a massificação de todas as relações, inclusive no que se refere à publicidade e à oferta. Assim, como já salientamos em diversas passagens, o marketing atual é dirigido a um número indeterminado de pessoas, que por sua vez são determináveis ou não.
Desta forma, na atualidade, mais do que em qualquer tempo na história, se faz necessário garantir que o marketing atinja sua função social, ou seja, que, ao lado de propagar os produtos e gerar lucros ao fornecedor, informe devidamente o consumidor.
Nesta seara, podemos analisar a intervenção do Estado na economia como meio de preservar estes interesses. O ato impugnado no recurso em estudo vem corroborar a tendência de imprimir ao marketing uma efetiva função social, haja vista que implica na informação correta e completa do produto exposto a venda. Assim, uma vez respeitado o disposto na norma impugnada, a função social do marketing, entendida como via informadora do consumidor, estaria sendo devidamente cumprida. Por este motivo, podemos concluir que a intervenção do Estado na economia da forma como a abordamos é não só legítima, como necessária aos imperativos das leis vigentes e aos anseios dos consumidores.


9 – CONCLUSÃO


Concluímos que ao elaborar as normas impugnadas o Estado objetivou efetivamente regular o mercado. Sendo assim, a intervenção indireta da forma como apresentada é legítima. Vejamos. Primeiramente, protege o consumidor, de acordo com o disposto nos artigos 5º, XXXII (BRASIL, 1999, p. 8) e 170 V (BRASIL, 1999, p. 101) da Constituição Federal. Em segundo lugar, atende aos princípios da subsidiariedade, lucratividade, razoabilidade e transparência. Por fim, respeita as normas do Código de Defesa do Consumidor, notadamente o artigo 6º, III (BRASIL, 2000, p. 186) e artigos 30 e seguintes (BRASIL, 2000, p. 192).
Entendemos que quando a intervenção visa condicionar a ordem econômica ao cumprimento de seu fim, correta e devida é a mesma. Sendo esta a razão da intervenção do Estado na economia e, não havendo qualquer violação a texto legal, concluímos que a decisão dada ao caso concreto apresentado no item 5.1 deste trabalho, pelo Superior Tribunal de Justiça, foi não só uma decisão correta e acertada como também de extrema relevância à sociedade brasileira – haja vista não só a precedência para as inúmeras ações desta monta que deságuam diariamente em nossos tribunais (anexos V a X) como também a importância e efetividade prática do caso, em benefício da coletividade indeterminada de consumidores.
Por fim, gostaríamos de finalizar manifestando nossa crença nas decisões dos tribunais. Como vimos, o Poder Judiciário tem em suas mãos as ferramentas necessárias para coibir os abusos praticados pelos agentes econômicos em detrimento dos consumidores, garantindo a efetivação das leis que regem o país. Indo mais adiante, se considerarmos (e este é o nosso entendimento) que, a nossa Constituição Econômica é completa e atinge aos interesses sociais e, que nossa legislação de defesa do consumidor é, além de inovadora, bastante abrangente, poderemos acreditar na melhoria das relações de mercado. Neste sentido, salientamos que o Poder Judiciário é o responsável pela sua efetivação, na medida em que os casos concretos lhe forem apresentados para julgamento.
São com estas considerações que pretendemos finalizar nosso trabalho, na esperança de que sirva de inspiração a outros juristas e de acalento aos anseios dos consumidores.
Autor: Juliana Lima Vaz de Carvalho Pinheiro Moreira


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