Princípio da Reformatio in Peius nos Recursos Administrativos



1 INTRODUÇÃO


A vontade estatal, para materializar-se, percorre caminhos denominados procedimentos e processos administrativos sendo que, os primeiros, consubstanciam-se numa seqüência lógica e ordenada de atos que visam à produção de um ato final, enquanto os segundos surgem no momento em que a seqüência supracitada deflagra uma relação jurídica entre a Administração Pública e o administrado.
Este estudo põe em evidência a Lei 9.784/99, que rege o processo administrativo federal, ressaltando, conseqüentemente, a importância de um agir uniformizado, com o escopo de intensificar o controle exercido sobre o ato final e mitigar a intervenção do Estado no âmbito do direito dos indivíduos.
Também o processo administrativo, assim como o processo jurisdicional, é regido por diversos princípios constitucionais que conferem inúmeras garantias ao administrado, no sentido de dosar o poder intervencionista do Estado em seu patrimônio jurídico.
Dentre as garantias conferidas ao indivíduo, encontra-se o direito ao reexame das decisões proferidas pela Administração, ao final de um processo administrativo. Isto posto, surge a seguinte indagação: pode a autoridade administrativa, ao ter de julgar recurso administrativo interposto exclusivamente pelo administrado, reformar a decisão no sentido de piorar a sua situação, levando-se em conta as disposições legais da Constituição Federal e a Lei 9.784/99?
Para responder a esta pergunta, é necessário, primeiramente, fazer uma análise sobre o processo administrativo e os princípios que o regem, os recursos administrativos e seus diversos aspectos, bem como sobre, especificamente, o princípio da reformatio in peius, dentre outras particularidades. Este é o objetivo desta dissertação.














2. PROCESSO ADMINISTRATIVO


2.1 Dificuldade em conceituar a expressão Processo Administrativo:


Conceituar a expressão processo administrativo não é das tarefas mais fáceis. Isto porque existe grande divergência entre os estudiosos acerca de sua precisa noção. O administrativista José Cretella Júnior assim expõe:

conceituar o processo administrativo de tal maneira que o resultado obtido sirva para circunscrever, numa proposição única, a atividade processual da administração, é tarefa quase impossível porque, na realidade, cada aparelhamento administrativo imprime características específicas, típicas, inconfundíveis ao instituto, condicionando-o ao direito positivo vigente local, o que constitui óbice quase irremovível para que se consiga atingir a desejada definição de âmbito universal. (CRETELLA, 1999, pág. 27).

Além disso, alguns temem que o processo administrativo seja confundido com o processo judicial e acabam preferindo utilizar a expressão procedimento administrativo. Contudo, como será visto no próximo capítulo, tal receio afigura-se impertinente, pois

ao lado do instituto processo, verdadeira categoria jurídica – que se caracteriza por seu dinamismo contínuo até o momento final culminante, que é a fase estática, de repouso, de solução, de equilíbrio -, estão dispostos os demais tipos de processos, estruturados pelos vários ramos em que se desdobra a ciência de direito. Processo gênero seria a matriz; processo espécie seria a modalidade diversificada com os atributos particulares inconfundíveis, que a caracteriza. (CRETELLA, 1999, pág. 21).

Outro fator agravante da conceituação do instituto em questão é o enunciado processo administrativo, utilizado tanto nos sistemas que admitem o contencioso administrativo quanto naqueles que primam pelo princípio da jurisdição una, como é o caso do Brasil.
Dessa forma, se não é possível uma conceituação universal do que seja o processo administrativo, pois todas as pessoas políticas (União, Estado-Membro, Distrito Federal e Município) podem legislar esparsamente acerca dessa matéria imprimindo, assim, caráter regional a este instituto, pelo menos fica a certeza de que o termo correto a ser empregado é processo administrativo e não procedimento.
2.2 Conceito de Processo Administrativo:


Sanada a dúvida quanto à correta nomenclatura a ser utilizada, pode-se afirmar que, tecnicamente, processo administrativo é “o conjunto de atos ordenados, cronologicamente praticados e necessários a produzir uma decisão sobre certa controvérsia de natureza administrativa”. (GASPARINI, 1995, pág. 557). Ou, ainda, meio do qual se vale a administração pública “para registro de seus atos, controle da conduta de seus agentes e solução de controvérsias dos administrados”. (MEIRELLES, 2002, pág. 651).
Já a autora Maria Sylvia Zanella di Pietro afirma, mais especificamente, que a expressão processo administrativo pode ser usada em quatro sentidos: primeiramente, como o

conjunto de papéis e documentos organizados numa pasta e referentes a um dado assunto de interesse do funcionário ou da administração; é ainda usado como sinônimo de processo disciplinar, pelo qual se apuram as infrações administrativas e se punem os infratores...; em sentido mais amplo, designa o conjunto de atos coordenados para a solução de uma controvérsia no âmbito administrativo; como nem todo processo administrativo envolve controvérsia, também se pode falar em sentido ainda mais amplo, de modo a abranger a série de atos preparatórios de uma decisão final da administração. (PIETRO, 2005, pág. 543-544).

Entendido o significado do instituto analisado, busca-se, no tópico seguinte, trazer à tona a relevância e os objetivos dessa espécie de processo.


2.3 Relevância do Processo Administrativo:


Entre a lei e o ato administrativo, propriamente dito, há de existir um intervalo. Tal ato será o resultado de um processo “através do qual a possibilidade ou exigência suposta na lei em abstrato passa para o plano de concreção.” (MELLO, 2001, pág. 433).
Ocorre que o ato administrativo não é casual, fortuito. A decisão final pode ser produzida a partir de dois caminhos: quando o administrado ou um terceiro interessado provoca a administração pública ou quando esta age de ofício, mediante fato ou ocorrência que fundamente sua atuação. Tal evento deverá ser comprovado e analisado para, só então, ser escolhida a melhor medida a ser tomada pela administração.
Neste momento, surge o processo administrativo, pois as ações supracitadas demandam a documentação de diversas providências, a oitiva de interessados e estudo das questões trazidas à baila, dentre outras medidas prévias.
Esse conjunto avalizará ou não o ato administrativo. Como bem ensina Celso Antônio Bandeira de Mello,

enquanto no âmbito da atividade privada os motivos, as razões, os fatores, inclusive os psicológicos, que determinam uma conduta são, de regra, irrelevantes, no Direito Administrativo, opostamente, têm forma e relevância externa, pois é necessário saber-se como e por quê o administrador chegou à conclusão trazida no ato .(MELLO, 2001, pág. 436).

Em suma, é necessário um processo com início, meio e fim para que a manifestação estatal nasça e se concretize. Este, no entanto, não é o entendimento do jurista Celso Ribeiro de Bastos que, ao tratar do assunto, afirma que:

a palavra processo em si é um tanto inadequada para revelar este tipo de autuação, ou formação de autos, porque muitos dos atos administrativos são de menor importância, são formalidades pequenas cuja autuação se resume a muito pouco para que se possa aplicar uma palavra com tanta carga semântica como é processo. (BASTOS, 1999, pág. 331).

Contrário a este pensamento, José dos Santos Carvalho Filho argumenta que

não é a maior ou menor carga semântica que caracteriza ou descaracteriza um instituto. O fato de alguns atos reclamarem procedimentos mais singelos não elide o núcleo central da noção de processo, ou seja, mesmo que sejam simplórias as formalidades exigidas, a Administração sempre alvitrará determinado objetivo, e a forma pela qual consuma seu desiderato é o processo administrativo. (CARVALHO, pág. 17).

Assim, sempre haverá processo em se tratando das manifestações estatais, podendo este ser “mais ou menos amplo, mais ou menos formalizado, mais ou menos acessível aos administrados, mais ou menos respeitador de exigências inadversáveis do Estado de Direito ou de regras explícitas do ordenamento positivo. ”. (MELLO, 2001, pág. 433).
Tal fato se deve à preocupação não só com a norma que embasa o ato, mas, também, com as formas de produzi-la, pois“no Estado de Direito os cidadãos têm a garantia não só de que o poder público estará, de antemão, cifrado unicamente à busca dos fins estabelecidos em lei, mas também de que tais fins só poderão ser perseguidos pelos modos adrede estabelecidos para tanto”. (MELLO, 2001, pág. 435).

2.4 Finalidades do Processo Administrativo:


Independentemente do sentido que se atribua à expressão processo administrativo, verdade é que

o elemento teleológico ou finalístico jamais pode deixar de estar presente. Como espécie de processo, em geral, o processo administrativo dirige suas vistas para um fim, que é um pronunciamento final, uma decisão concreta da Administração, um ato administrativo que consubstancie norma vigente. (CRETELLA, 1999, pág. 48).

O doutrinador Celso Antônio Bandeira de Mello concorda que o processo administrativo “atende a um duplo objetivo: a) resguarda os administrados; e b) concorre para uma atuação administrativa mais clarividente.” (MELLO, 2001, pág. 442).
O primeiro objetivo exposto pelo autor versa sobre a oportunidade da qual se vale o administrado para emitir sua opinião acerca da decisão que irá atingi-lo. O administrado pode levantar aspectos de conveniência e oportunidade e, assim, “conduzir a Administração a comportamentos diversos dos que tomaria, em proveito do bom andamento da coisa pública e de quem os exibiu em seu interesse” (MELLO, 2001, pág. 443).
Já o segundo objetivo significa que a administração, amparada e informada pelo processo administrativo, estará apta a tomar a decisão mais responsável e conseqüente, de forma a resguardar os interesses públicos.
A administrativista Odete Medauar (2003), por sua vez, aponta, ao todo, oito finalidades do processo administrativo, de maneira cumulativa, sem se excluírem. São elas:
Garantia: refere-se à garantia jurídica de servidores e particulares; processo administrativo resguarda direitos que podem ser atingidos pelo ato administrativo.
Melhor conteúdo das decisões: no processo administrativo, os interessados podem intervir, contribuindo para a determinação da matéria discutida no processo.
Legitimação do poder: na esfera estatal, a imperatividade, que é inerente ao poder, para não se mostrar coatora e importuna, deve encontrar a igualdade e a imparcialidade no processo preordenado, o que permite saber se a decisão final foi a mais correta e se foi tomada em prol do bem coletivo.
Correto desempenho da função: o processo administrativo busca apurar todas as informações, provas e dados técnicos, dentre outros elementos, com o escopo de promover o correto desempenho da função.
Justiça na administração: a idéia de justiça não está atrelada somente ao Poder Judiciário. Sendo assim, o processo administrativo deve realizar a justiça não só por meio da promoção do contraditório e da ampla defesa, mas também condenando condutas administrativas letárgicas ou negligentes, propositais ou não, em se tratando de direitos dos administrados.
Aproximação entre Administração e cidadãos: os sujeitos, de forma individual ou coletiva, contribuem com o processo administrativo que ocorre a aproximação entre Administração e cidadão. (VEJA SE FALTA UMA PALAVRA NESTE PARAGRAFO.)
Sistematização de atuações administrativas: várias atividades terão a mesma organização racional. No âmbito administrativo, serve para padronizar e simplificar práticas. Quanto aos administrados, estes poderão conhecer o modo de se exercer as funções administrativas.
Facilitar o controle da Administração: a contribuição dos interessados e o prévio conhecimento acerca da atuação administrativa facilitam o controle e a fiscalização da Administração.
Ainda quanto à finalidade do processo administrativo, Diógenes Gasparini (1995) subdivide-a em específica e genérica. A finalidade específica seria “o registro de atos da Administração pública, o controle da conduta dos seus agentes e administrados, a compatibilização do interesse público e privado, a outorga de direitos, e a solução de controvérsias entre a Administração Pública e seus agentes ou administrados”, enquanto a genérica seria “o interesse público na sua utilização como instrumento de realização da função administrativa”.(GASPARINI, 1995, pág. 561).


2.5 Fases do Processo Administrativo:


Não é sempre que a lei impõe procedimentos a serem observados pela administração. Esta poderá escolher a forma que melhor lhe aprouver pra alcançar seus objetivos, o que geralmente acontece quando o processo ainda se encontra em fase de desenvolvimento interno, não abrangendo direitos dos administrados.
Outras vezes, “a lei estabelece uma sucessão de atos preparatórios que devem obrigatoriamente preceder a prática do ato final; nesse caso, existe o procedimento, cuja inobservância gera a ilegalidade do ato da Administração.” (PIETRO, 2005, pág. 544). Comumente, o procedimento é imposto com maior rigor quando envolve, além de interesses públicos, direitos dos administrados.
A mesma autora leciona que “todos os processos que envolvem solução de controvérsia ou que resultem em alguma decisão por parte da Administração compreendem, pelo menos, três fases: instauração, instrução e decisão.” (PIETRO, 2005, pág. 544).
A administrativista Lúcia Valle Figueiredo (2001) identifica, também, como sendo três as fases do processo administrativo: fase deflagatória ou propulsiva, instrutória e decisória. Ela ainda trata sobre decisões simples e decisões colegiadas e fase integrativa ou de integração.
Diógenes Gasparini cita quatro fases: “Na generalidade dos processos administrativos, são comuns as fases de instauração, instrução, relatório e decisão, cuja realização obedece a essa ordem ou seqüência.” (GASPARINI, 1995, pág. 561).
O doutrinador Hely Lopes Meirelles (2002) vai além e determina cinco fases do processo administrativo: instauração, instrução, defesa, relatório e julgamento.
Já Celso Antônio Bandeira de Mello (2001) vale-se da seguinte sistematização: fase de iniciativa ou propulsória, fase instrutória, fase dispositiva, fase controladora ou integrativa e fase de comunicação.
Independentemente da terminologia utilizada pelos diversos autores sobreditos, a fase de instauração é a primeira fase do processo administrativo. Melhor conceituando, “é a apresentação escrita dos fatos e indicação do direito que ensejam o processo.” (MEIRELLES, 2002, pág. 657). A instauração pode dar-se de ofício, decorrendo de ato da administração, casos em que deverá consubstanciar-se numa portaria, decreto, auto de infração, representação, despacho inicial da autoridade competente ou ordem de serviço, ou pode ser provocada por particular (administrado ou servidor), devendo formalizar-se por requerimento ou petição. Em qualquer hipótese, “a peça instauradora deve descrever os fatos e o que é desejado com suficiente clareza e especificidade, de modo a circunscrever o objeto do processo administrativo e a permitir a adequada e pertinente instrução e, se for o caso, a ampla defesa de eventuais acusados”.(GASPARINI, 1995, pág. 562). A imprecisão das informações necessárias à instauração do processo pode levar à sua nulidade. Nesse sentido, “processo com instauração imprecisa quanto à qualificação do fato e sua ocorrência no tempo e no espaço é nulo.” (MEIRELLES, 2002, pág. 657). Assim que a peça inicial for recebida pela autoridade competente, esta deverá proceder à autuação, recebendo uma capa na qual constarão as informações relativas ao processo. “A partir daí, pelo princípio da oficialidade, começa o desenvolvimento do processo administrativo” (GASPARINI, 1995, pág. 562).
A fase de instrução é a segunda do processo administrativo, na qual, de maneira genérica, “estarão compreendidos todos os atos e fatos administrativos que levem à decisão.” (FIGUEIREDO, 2001, pág. 434). Este é o momento de elucidação dos fatos “com a competente produção das provas (depoimento da parte, oitiva de testemunhas, inspeções, perícias, juntada de documentos) ou colhidas as informações, laudos e pareceres necessários ao convencimento da Administração Pública na tomada de certa decisão.”(GASPARINI, 1995, pág. 562).
Essa fase tem início assim que o processo administrativo for instaurado e termina quando todas as provas e meios de convencimento da administração houverem sido produzidos para que, finalmente, haja a prolação da decisão.
Em seguida, segundo Hely Lopes Meirelles, vem a fase da defesa que

é garantia constitucional de todo acusado, em processo judicial ou administrativo (art. 5º, LV), e compreende a ciência da acusação, a vista dos autos na repartição, a oportunidade para oferecimento de contestação e provas, a inquirição e reperguntas de testemunha e a observância do devido processo legal (due process of law). É um princípio universal nos Estados de Direito, que não admite postergação nem restrições na sua aplicação. Processo administrativo sem oportunidade de ampla defesa ou com defesa cerceada é nulo. (MEIRELLES, 2002, pág. 658).

A defesa pode ser feita pelo próprio acusado ou por seu procurador regularmente constituído no processo.
Daí passa-se à fase do relatório, segundo entendimento doutrinário tanto de Hely Lopes Meirelles (2002) quanto de Diógenes Gasparini (1995). Para estes autores, o relatório consiste na “síntese de todo o apurado, com a avaliação das provas, dos fatos apurados, das informações, do direito desatendido conforme a natureza do processo (punitivo, controle, outorga) e proposta conclusiva para orientar a decisão da autoridade competente” (GASPARINI, 1995, pág. 563); “é peça informativa e opinativa, sem efeito vinculante para a Administração ou para os interessados no processo.” (MEIRELLES, 2002, pág. 658). Como a peça que materializa o relatório não possui caráter vinculante, pode a autoridade julgadora discordar de seu conteúdo, sem ofensa ao interessa público ou ao direito das partes envolvidas, desde que fundamente e justifique sua decisão.
Chega-se, então, à fase decisória, de julgamento ou fase dispositiva.

O julgamento é a decisão proferida pela autoridade ou órgão competente sobre o objeto do processo. Essa decisão normalmente baseia-se nas conclusões do relatório, mas pode desprezá-las ou contrariá-las, por interpretação diversa das normas legais aplicáveis ao caso, ou por chegar o julgador a conclusões fáticas diferentes das da comissão processante ou de quem individualmente realizou o processo (MEIRELLES, 2002, pág. 657).

“O imprescindível é que esta decisão seja fundamentada na prova ou informações constantes do processo administrativo. Nenhum argumento, prova ou informação fora dos autos pode ser usado como fundamento da decisão.” (GASPARINI, 1995, pág. 563).
Lúcia Valle Figueiredo ainda subdivide as decisões em decisões simples e decisões colegiadas. “A fase decisória poderá estar afeta apenas a determinado agente administrativo ou ao órgão colegial. Portanto, podemos falar em decisões simples ou colegiadas” (FIGUEIREDO, 2001, pág. 435).
Há doutrinadores que identificam, além das já citadas, uma outra fase denominada integrativa ou controladora. Celso Antônio Bandeira de Mello acredita que esta foi criada

para que autoridades diversas das que participaram até então verifiquem se houve satisfatório transcurso das várias fases e se o decidido deve ser confirmado ou infirmado. Ora caberá, conforme lei houver disposto, controle apenas de legitimidade, ora controle também sobre a conveniência do decidido. (MELLO, 2001, pág. 446).

Lúcia Valle Figueiredo observa também que “os atos de integração devem estar previamente previstos. Tais atos importam atribuição de eficácia ao provimento final do procedimento, que, apesar de perfeito, ainda não pode deflagrar seus efeitos típicos, à míngua da prefalada eficácia.”(FIGUEIREDO, 2001, pág. 437).
Finalmente, o administrativista Celso Antônio Bandeira de Mello (2001) ainda faz referência à fase de comunicação em que a providência conclusiva é transmitida pelos meios que o Direito houver estabelecido.









3 PROCESSO E PROCEDIMENTO


Verificada a possibilidade de existir processo na esfera administrativa, surge a seguinte indagação no que tange à sua nomenclatura: processo ou procedimento?
Alguns administrativistas defendem a idéia de que o correto seria utilizar a expressão procedimento administrativo. A justificativa seria evitar eventuais confusões com o processo jurisdicional. No entanto, tal explicação não é plausível, pois “essa confusão não ocorre em virtude do acréscimo do qualificativo que identifica a função a que se refere; assim, a locução processo administrativo revela que se trata de processo que existe no âmbito da função administrativa.” (MEDAUAR, 2003, pág. 179).
Outros doutrinadores, como Celso Antônio Bandeira de Mello, utilizam as terminologias processo e procedimento administrativo indiferentemente. Isso porque até mesmo as leis relativas ao tema divergem quanto à denominação mais adequada para tal fato.* Entretanto, o autor supracitado crê “que a terminologia adequada para designar o objeto em causa é ‘processo’, sendo ‘procedimento’ a modalidade ritual de cada processo. É provável, ou ao menos muito possível, que a partir da lei federal, em sintonia com ela, comece a se disseminar no País a linguagem ‘processo’.”(MELLO, 2001, pág. 433).
Nesse sentido, também Maria Sylvia Zanella di Pietro milita a favor da distinção entre processo e procedimento administrativos:

Não se confunde processo com procedimento. O primeiro existe sempre como instrumento indispensável para o exercício da função administrativa; tudo o que a Administração pública faz, operações materiais ou atos jurídicos, fica documentado em um processo; cada vez que ela for tomar uma decisão, executar uma obra, celebrar um contrato, editar um regulamento, o ato final é sempre precedido de uma série de atos materiais ou jurídicos, consistentes em estudos, pareceres, informações, laudos, audiências, enfim, tudo o que for necessário pra instruir, preparar e fundamentar o ato final objetivado pela Administração.
O procedimento é o conjunto de formalidades que devem ser observadas para a prática de certos atos administrativos; equivale a rito, forma de proceder; o procedimento se desenvolve dentro de um procedimento administrativo (PIETRO, 2005, pág. 544).




________________________________________________________________________________________ * Lei Federal 9.784/99, que: “Regula o processo administrativo no âmbito da Administração Pública Federal”; Lei do Estado de São Paulo 10.177/98, que: “Regula o processo administrativo no âmbito da Administração Pública Estadual” e a Lei Complementar 33/96, do Estado de Sergipe, que: “Institui o Código de Organização e de Procedimento da Administração Pública do Estado de Sergipe”.
Até mesmo a

Constituição Federal de 1988 consagrou o termo processo para significar a processualidade administrativa. Por isso, encontra-se esse termo no inc. LV do art. 5º: ‘Aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes’. (MEDAUAR, 2003, pág. 179)

Isso posto, conclui-se que processo e procedimento não são sinônimos, mas institutos diferenciados.



































4 MODALIDADES DE PROCESSO ADMINISTRATIVO


Os diversos autores administrativistas classificam o processo administrativo sob vários enfoques. José dos Santos Carvalho Filho justifica esse fato argumentando que

primeiramente, as classificações obedecem a critérios que, freqüentemente, se alojam na visão pessoal do estudioso, que dá destaque a certos pontos diferenciais entre os processos. Depois, os processos administrativos são extremamente variáveis e se preordenam a uma infinidade de objetivos, de modo que não é tão simples agrupá-los em categorias para formar classificações. (CARVALHO, 2001, pág. 23/24).

O autor supracitado utiliza sistemas classificatórios baseados nos critérios de natureza, objeto e abrangência e apresenta, dentro de cada, as categorias que os compõe.
Quanto à natureza, os processos administrativos subdividem-se em litigiosos e não- litigiosos, verificado se “sua instauração comporta, ou não, a existência de litígios (ou conflito de interesses.” (CARVALHO, 2001, pág. 24).
Os processos administrativos não-litigiosos “são caracterizados pela circunstância de que não contém qualquer tipo de litígio; neles não se configura o antagonismo formal que decorre do típico conflito de interesses opostos” (CARVALHO, 2001, pág. 24). De acordo com interpretação constitucional, aos processos administrativos não-litigiosos não se aplicam os princípios da ampla defesa e do contraditório, pois, nesses casos, não há conflito de interesses a ser dirimido. Assim entende Carvalho Filho:

a categoria dos processos administrativos não-litigiosos é atualmente de importância fundamental. A vigente constituição, referindo-se no art. 5º, LV, ao princípio da ampla defesa e do contraditório, determinou sua incidência apenas sobre os processos administrativos e judiciais em que estejam envolvidas pessoas litigantes, o que, em outras palavras, indica que o postulado só tem aplicabilidade se houver conflito de interesses a ser dirimido pelos aludidos processos. (CARVALHO, 2001, pág. 25).

Já os processos administrativos litigiosos, caracterizam-se

pelo fato de ter, como objeto principal dos instrumentos, a solução de determinado conflito de interesses. A própria delimitação do processo consiste na situação jurídica conflituosa, situação essa que se consubstancia pela pretensão que alguém deseja ver satisfeita e pela oposição daquele que não pretende atendê-la. (CARVALHO, 2001, pág. 25).

O litígio posto em evidência no processo administrativo possui a mesma natureza que o litígio constituinte do processo judicial. Em ambos os casos deverá haver uma decisão com o escopo de solucionar a lide. “A diferença está em que as decisões proferidas nos processos judiciais adquirem, em certo momento e mediante certas condições, caráter de imutabilidade, configurando a res iudicata. Ao contrário, as soluções adotadas nos processos administrativos litigiosos têm, como limite, a própria via administrativa pela qual tramitaram” (CARVALHO, 2001, pág. 26). Sendo assim, aquele que não tiver sua pretensão atendida nas vias administrativas poderá recorre ao Poder Judiciário, tendo por fim a instauração de novo processo, com o mesmo litígio, mas com a esperança de obter solução que, além de ser favorável à sua pretensão, adquira caráter de imutabilidade, com fundamento no instituto da coisa julgada.
Outra distinção que pode ser percebida entre o processo judicial e o processo administrativo litigioso é o papel do Estado nessas relações.

O processo judicial apresenta o desmembramento do estado em sua relação tripartite. Significa que o Estado-Administração, que é uma das partes interessadas, não se confunde com o Estado-Juiz, que tem a função de julgador do litígio, sendo dotado de independência e imparcialidade. No processo administrativo, o Estado-Administração é, ao mesmo tempo, parte e juiz, embora freqüentemente representado por órgãos diversos. (CARVALHO, 2001, pág. 27).

Por esse motivo, não se pode esperar da Administração a mesma imparcialidade dos órgãos jurisdicionais.
Outro nome atribuído aos processos administrativos litigiosos é processos administrativos judicialiformes. Isso porque, ainda segundo a doutrina de José dos Santos Carvalho Filho, apesar de administrativos, o aspecto destes processos assemelha-se aos processos judiciais. “As fases, os atos relativos às partes, a instrução do feito, os prazos e as formas, tudo, enfim, acaba por indicar similitude entre os processos; algumas hipóteses indicam que há, até mesmo, instâncias e órgãos revisionais. ” (CARVALHO, 2001, pág. 27).
A previsão legal dessa espécie de processo está no artigo 5º, LXV da Constituição Federal. Aos seus interessados estará assegurada

a garantia da ampla defesa e do contraditório, com os meios e recursos inerentes a essa garantia. Como o mandamento é de nível constitucional, não poderá a lei ordinária, ou outro ato legislativo do mesmo nível, postergar o princípio; se assim o fizer, será flagrantemente inconstitucional, o que será decidido pelas vias idôneas para esse fim. (CARVALHO, 2001, pág. 27).

Quanto ao objeto, os processos administrativos podem ter objetos genéricos ou específicos. No que tange à primeira espécie, eles se subdividirão em processos legislativos, judiciais e administrativos, figurando “como os processos básicos pertinentes às funções primordiais do Estado” (CARVALHO, 2001, pág. 28). Já os objetos específicos levam em conta “os fins administrativos específicos perseguidos pela Administração através de seus órgãos e agentes no exercício da função própria, a função administrativa” (CARVALHO, 2001, pág. 28).
Os processos de mera tramitação (objeto de mera tramitação) “são aqueles em que há a formalização das rotinas administrativas” (CARVALHO, 2001, pág. 28). Possuem este nome “porque nem sempre o objeto é uma atividade específica de fazer ou não fazer. Freqüentemente, é instaurado até mesmo para dar ciência de informação ou fato a outra unidade da Administração” (CARVALHO, 2001, pág. 28). Importante ressaltar, também, o caráter residual desta categoria de processo administrativo, ou seja, “não se enquadrando o processo nas demais categorias, a serem examinadas a seguir, deverá classificar-se como de mera tramitação” (CARVALHO, 2001, pág. 29).
Os processos com objeto de controle “visam a propiciar a aplicação do princípio da fiscalização das atividades e das funções públicas. Como é sabido, o controle é um dos postulados básicos da Administração Pública e constitui um dos direitos inerentes à própria cidadania” (CARVALHO, 2001, pág. 29). Nessa categoria, a finalidade do processo é o controle administrativo, mas, como sucede em todo processo, culminam necessariamente na prática de determinado ato administrativo final.
Passando aos processos com objeto punitivo, podem considerar-se assim aqueles “que têm por objeto a averiguação de irregularidades ou situações ilegais na Administração e que, quando são elas comprovadas, dão margem à aplicação de punições a seus autores” (CARVALHO, 2001, pág. 30). Para assegurar a validade desses processos, é indispensável a garantia do direito ao contraditório e à ampla defesa, tendo em vista sua natureza acusatória.
Consideram-se processos de objeto contratual aqueles “cujo fim último é a celebração de contrato da Administração Pública, ou seja, de ajuste em que uma das partes contratantes seja a Administração”. (CARVALHO, 2001, pág. 31). José dos Santos Carvalho Filho ensina, ainda, que

é irrelevante saber qual o objeto do futuro contrato, ou seja, se se trata de obras ou serviços, de aquisição, alienação ou uso de bens públicos, ou de bens móveis ou imóveis. Se o alvo administrativo é a celebração de contrato, o processo que documenta os elementos legais e regulamentares necessários a esse fim caracteriza-se como processo com objeto contratual. (CARVALHO, 2001, pág. 31).
Os processos com objeto revisional têm a finalidade de “instrumentalizar pedidos formulados no sentido de ser revisto certo ato ou conduta administrativa” (CARVALHO, 2001, pág.32). Nesses casos, não importa se o recurso foi ou não provido ou se a conduta administrativa foi alterada ou cassada. “O que caracteriza essa categoria é o fato de que o processo, nesse caso, tem por objetivo apreciar o pedido revisional, não importando se será atendido ou não.” (CARVALHO, 2001, pág. 33). Mais adiante, no capítulo específico sobre recursos administrativos, essa idéia será novamente abordada.
Finalmente, há os processos cujo objeto é a outorga de direitos. São “normalmente instaurados por requerimento do interessado, que, sendo deferido o pedido, lhe conferem determinado direito” (CARVALHO, 2001, pág. 33).
Já a administrativista Maria Sylvia Zanella Di Pietro (2005) serve-se de outra sistematização para o estudo das modalidades do processo administrativo. Quando um país admite a dualidade jurisdicional, ou seja, a existência concomitante de um contencioso administrativo e da jurisdição comum, o que não é o caso do Brasil, surgem duas espécies de processo administrativo: o gracioso e o contencioso.
No processo gracioso, “os próprios órgãos da Administração são encarregados de fazer atuar a vontade concreta da lei, com vistas à consecução dos fins estatais que lhe estão confiados e que nem sempre envolvem decisão sobre pretensão do particular” (PIETRO, 2005, pág. 545-546). Para que o ato final pretendido pela Administração se realize, é necessária a prática de vários atos, anteriormente, com o intuito de apurar fatos, verificar qual a norma aplicável e avaliar oportunidade e conveniência. “Essa série de atos constitui o processo que vai culminar com a edição de um ato administrativo. É nesse sentido que se fala em processo administrativo no direito brasileiro.” (PIETRO, 2005, pág. 546).
O processo administrativo contencioso

é o que se desenvolve perante um órgão cercado de garantias que asseguram a sua independência e imparcialidade, com competência para proferir decisões com força de coisa julgada sobre lides surgidas entre Administração e administrado. Esse tipo de processo administrativo só existe nos países que adotam o contencioso administrativo; nos demais, essa fase se desenvolve perante o Poder Judiciário, porque só este pode proferir decisão com força de coisa julgada; a Administração Pública, sendo ’parte’ nas controvérsias que ela decide, não tem o mesmo poder, uma vez que ninguém pode ser juiz e parte simultaneamente. .(PIETRO, 2005, pág. 546).

Sendo assim, na Constituição Federal, não há previsão acerca do processo administrativo contencioso. Ao contrário, esta mantém a unidade de jurisdição quando afirma em seu artigo 5º, XXXV que “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”. Portanto, no Brasil, só há processo administrativo gracioso.
Ainda se classifica o processo administrativo como técnico ou jurídico. Tal classificação parte da premissa que nos processos promovidos por iniciativa da própria Administração existem, em geral, duas fases: a decisória e a executória.

A primeira é uma fase de escolha de meios, é uma operação técnica, como a que ocorre com os estudos que antecedem a realização de uma obra pública; a segunda coloca a Administração frente aos administrados, sendo, por isso mesmo, uma fase jurídica, porque exige adaptação da vontade da Administração aos interesses dos administrados; surgem relações jurídicas, e a escolha dos meios de ação deve ser feita de acordo com a lei. (PIETRO, 2005, pág. 546).

Quanto aos interesses envolvidos, na primeira fase, denominada aqui de processo técnico, figura apenas o interesse público, enquanto na segunda, que é a fase externa, desponta o interesse do particular atingido pela efetivação do ato administrativo.





























5 PRINCÍPIOS DO PROCESSO ADMNINISTRATIVO


Princípio é todo preceito, toda regra que serve como vetor para o estudo de determinada matéria. Ensina Diogo de Figueiredo Moreira Neto: “Em síntese, os princípios são abstrações de segundo grau, normas de normas, em que se buscam exprimir proposições comuns a um determinado sistema de leis”. (MOREIRA, 1992, pág. 61).
Em se tratando de processo administrativo, mesmo existindo divergências doutrinárias quanto aos seus princípios informadores e mesmo não havendo uma lei que o regule, genericamente, existem diretrizes que a Administração deve seguir, a fim de “assegurar o maior grau de certeza e segurança à Administração e aos administrados em geral”. (CARVALHO, 2001, pág. 48).
O caput do artigo 2º, da Lei nº 9.784/99 define expressamente sob quais princípios o processo administrativo federal deverá ser regido. São eles: legalidade, finalidade, motivação, razoabilidade, proporcionalidade, moralidade, ampla defesa, contraditório, segurança jurídica, interesse público e eficiência. Além destes, “embora não referidos especificamente nesse dispositivo, outros princípios decorrem implicitamente da lei, como o da impessoalidade e o da participação do administrado nos atos do processo”. (PIETRO, 2005, pág. 548).
Isso posto, faz-se um exame minucioso de cada princípio:

5.1 Princípio da Legalidade

A Legalidade figura como pilar fundamental da Administração, encontrando previsão legal no artigo 37 da Constituição Federal. Além disso, é citado como princípio informativo do processo administrativo no caput do artigo 2º da Lei nº 9.784/99.
“De todos os princípios é o de maior relevância e o que mais garantias e direitos assegura aos administrados. Significa que o administrador só pode agir, de modo legítimo, se obedecer aos parâmetros que a lei fixou.” (CARVALHO, 2001, pág. 49).
Hely Lopes Meirelles define a legalidade no âmbito do processo administrativo como sendo objetiva: “o princípio da legalidade objetiva exige que o processo administrativo seja instaurado com base e para a preservação da lei.” (MEIRELLES, 2002, pág. 654).
Qualquer ato que afronte este princípio será nulo ou anulável. “A ilegalidade não alcança apenas as condutas comissivas, mas vale tampouco para as omissivas, isto é, aquelas hipóteses em que a lei exige um facere e, apesar disso, a autoridade permanece sem agir. Não só é abusiva e ilegal a ação que contraria a lei, como da mesma forma o é a omissão diante do dever de agir cominado ao administrador. ” ( CARVALHO, 2001 pág. 50).
Os incisos I e II do parágrafo único do artigo 2º da Lei 9.784/99 também se referem a este princípio.

5.2 Princípio da Finalidade

Alguns autores preferem a expressão impessoalidade para definir este princípio. Outros não acreditam que ambas não sejam sinônimas e, sim, que o princípio da finalidade decorre do princípio da legalidade. Essa divergência ocorre porque o artigo 37 da Constituição Federal não faz menção expressa ao princípio da finalidade.
Sabe-se que os elementos componentes da finalidade guardam relação intrínseca com o princípio da legalidade e da moralidade. De fato, o que importa é saber o que significa cada um destes princípios no âmbito do processo administrativo.
Para José dos Santos Carvalho Filho, “o princípio da finalidade indica que o administrador somente pode perseguir objetivos que atendam ao interesse da coletividade” (CARVALHO, 2001, pág. 50). Este princípio é que deve pautar toda a conduta administrativa, a fim de que a Administração tenha sempre como fim o interesse público, e não os interesses particulares de determinadas pessoas.
Como bem registra o autor sobredito, “o fim da atividade administrativa não é um fim qualquer, ou seja, o fim escolhido livremente pelo administrador; para que seja válido um ato administrativo, urge que a Administração tenha em mira a finalidade específica que se contenha dentro da competência do agente” (CARVALHO, 2001, pág. 51).
Ressalta, ainda, Hely Lopes Meirelles que “pode, entretanto, o interesse público coincidir com o de particulares, como ocorre normalmente nos atos administrativos negociais e nos contratos públicos, casos em que é lícito conjugar a pretensão do particular com o interesse coletivo.” (MEIRELLES, 2002, pág. 90).

5.3 Princípio da Motivação

Com previsão legal no caput do artigo 2º da Lei 9.784/99 e também em seu parágrafo único, inciso VII, bem como no artigo 50 desta mesma lei, a motivação significa a exigência, feita à Administração Pública, para que aponte os fundamentos de fato e de direito de suas deliberações.

Motivação é a justificativa expressa que o agente administrativo menciona no ato administrativo. Cuida-se da forma de expressar as razões que conduziram o agente à prática do ato. Essas razões formam o motivo do ato, um dos elementos imprescindíveis no plano de validade dos atos administrativos. Quando esse motivo é formalizado no ato, a doutrina passa a denominar o fato de motivação. (CARVALHO, 2001, pág. 52).

Hely Lopes Meirelles atesta que

o simples fato de não haver o agente público exposto os motivos de seu ato bastará para torná-lo irregular; o ato não motivado, quando o devia ser, presume-se não ter sido executado com toda a ponderação desejável, nem ter tido em vista um interesse público da esfera de sua competência funcional. (MEIRELLES, 2002, pág. 97)


5.4 Princípio da Razoabilidade

O princípio da razoabilidade tem por finalidade

invalidar aqueles atos que, nos processos administrativos, apresentem incongruência entre o motivo e o objeto. Se o administrador invoca determinada razão como pressuposto da emanação da vontade, é de se esperar que essa razão guarde compatibilidade com a providência administrativa almejada, que constitui o objeto do ato. (CARVALHO, 2001, pág. 53).

Este princípio condena os excessos que porventura possam vir a ser praticados pela Administração, buscando sempre avaliar a congruência entre os meios e os fins, “de forma a evitar restrições desnecessárias ou abusivas por parte da Administração Pública, com lesão aos direitos fundamentais. ”( MEIRELLES, 2002, pág. 91).
Entretanto, segundo entendimento de José dos santos Carvalho Filho,

o princípio não tem qualquer relação direta com a atividade discricionária da Administração. Nela tem o administrador liberdade de valorar se certa conduta é conveniente e oportuna em face do interesse público alvejado. Essa avaliação é privativa da Administração e nem sempre todos os indivíduos concordam com ela, muito embora possam tê-la como razoável no sentido de aceitável. (CARVALHO, 2001 pág. 53).


5.5 Princípio da Proporcionalidade

Alguns autores tratam os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade conjuntamente. Apesar da Lei 9.784/99 mencioná-los separadamente,

o segundo constitui um dos aspectos do primeiro. Isto porque o princípio da razoabilidade, entre outras coisas, exige proporcionalidade entre os meios de que se utiliza a Administração e os fins que ela tem que alcançar. E essa proporcionalidade deve ser medida não pelos critérios pessoais do administrador, mas segundo padrões comuns na sociedade em que vive; e não pode ser medida diante dos termos frios da lei, mas diante do caso concreto. (PIETRO, 2005 pág. 81).

O princípio da proporcionalidade prima pelo equilíbrio das decisões administrativas, na medida em que veda a imposição de sanções, restrições e obrigações, aos indivíduos em geral, em medida superior àquela necessária à satisfação do interesse público.
Desta idéia, José dos Santos Carvalho Filho desenvolveu o seguinte raciocínio: “se o Poder Público, de um lado, tem o direito de instituir determinadas restrições à liberdade e à propriedade dos indivíduos, está impedido, por outro, de exagerar na dose restritiva se o prejuízo a ser evitado comporta restrição menos gravosa.” (CARVALHO, 2001, pág. 54).
O que vale, para uma correta aplicação do princípio da proporcionalidade, é que o Estado não se omita quando a imposição de restrições se fizer precisa para o atendimento das demandas da população e nem as imponha de forma exagerada, mais extensa do que o necessário.


5.6 Princípio da Moralidade


A moralidade, nesse contexto, não se apresenta como moral no seu sentido puro, mas, sim, no contexto jurídico, onde os modelos de conduta se mesclam com as normas legais. Sendo assim, cabe ao administrador discernir o lícito do ilícito, o honesto do desonesto, o justo do injusto.
“No processo administrativo, como de resto em toda atividade administrativa, a moralidade desempenha papel de extrema importância, pois que deverá estar presente em cada ato e em cada decisão a ser proferida pela autoridade administrativa” (CARVALHO, 2001, pág. 55).
Quanto aos seus aspectos, no parágrafo único, inciso IV do artigo 2º da Lei 9.784/99, eles estão muito bem evidenciados. Este inciso exige que a Administração paute suas condutas de acordo os padrões éticos de probidade, decoro e boa-fé.
Portanto,

sempre que em matéria administrativa se verificar que o comportamento da Administração ou do administrado que com ela se relaciona juridicamente, embora em consonância com a lei, ofende a moral, os bons costumes, as regras de boa administração, os princípios de justiça e de equidade, a idéia comum de honestidade, estará havendo ofensa ao princípio da moralidade administrativa.” (PIETRO, 2005, pág. 79).


5.7 Princípios da Ampla Defesa e do Contraditório


Estes princípios encontram sua previsão legal no artigo 5º, LV da Constituição Federal. Quanto ao processo administrativo federal, a menção ao princípio do contraditório e da ampla defesa é feita, como já dito, no caput do artigo 2º da Lei 9.784/99. Trata-se de garantias fundamentais sendo, como tais, indisponíveis num Estado de Direito.
Feita a leitura destes artigos, entende-se que “o princípio da ampla defesa é aplicável a qualquer tipo de processo que envolva situações de litígio ou o poder sancionatório do Estado sobre as pessoas físicas e jurídicas.” (PIETRO, 2005, pág. 552). Significa o conjunto de maneiras através do qual o indivíduo pode provar que a situação é diversa daquela alegada; daquela que contraria seu interesse próprio.
Quanto ao princípio do contraditório, este decorre do caráter bilateral do processo; é inerente ao direito de defesa. Concede à parte interessada direito de resposta, face à alegação feita pela parte contrária. Em suma, “o contraditório significa a faculdade de manifestar o próprio ponto de vista ou argumentos próprios, ante fatos, documentos ou pontos de vista apresentados por outrem” (MEDAUAR, 2003, pág. 184).
José dos Santos Carvalho Filho defende a idéia de que o princípio do contraditório decorre do princípio da ampla defesa. Explica que

embora consagrada a expressão ‘contraditório e ampla defesa’, tem-se, na verdade, que a noção de contraditório já se insere na de ampla defesa. O contraditório indica a possibilidade de rechaçar argumentos, rebater imputações, questionar a existência de fatos; sendo assim, é inegável que quem possui tais poderes está, ipso facto, exercendo seu direito de ampla defesa. Esta reflete uma noção-gênero da qual o contraditório é noção-espécie. (CARVALHO, 2001, pág. 56).
Vale ressaltar que, devido ao emprego do termo “litigantes” pela Constituição Federal, as garantias do contraditório e da ampla defesa só incidem, no caso, em processos administrativos litigiosos.


5.8 Princípio da Segurança Jurídica


Este princípio não pertence exclusivamente ao universo do processo administrativo. Na verdade, seria até mesmo dispensável sua menção no caput do artigo 2º da Lei 9.784/99, já que “a segurança jurídica é axioma que deve inspirar todo o mundo jurídico, e não especificamente este ou aquele ramo do direito ou da administração.” (CARVALHO, 2001, pág. 57).
Tal princípio pode ser entendido como uma valorização da boa-fé dos administrados ou como uma rede protetora da confiança, como forma de resguardar a estabilidade das relações jurídicas.


5.9 Princípio do Interesse Público


Este princípio deve influenciar o legislador, bem como vincular o administrador quanto à sua atuação, sempre em nome dos interesses públicos que devem ser tutelados pelo Estado.
Quando houver conflito entre os interesses privados e os interesses coletivos, sempre haverá a prevalência destes últimos. Não será admissível o sacrifício do interesse público em virtude da vontade do particular. Nesse sentido, Celso Ribeiro Bastos afirma que “seria inconcebível que à luz da defesa dos interesses individuais comuns se pudesse prejudicar a realização dos fins coletivos, tendo em vista a satisfação de interesses meramente isolados, concretizados em uma ou algumas poucas pessoas.” (BASTOS, 1999, pág. 28).
Dessa forma, sendo o interesse público irrenunciável pela autoridade administrativa, “os poderes atribuídos à Administração têm o caráter de poder-dever; são poderes que ela não pode deixar de exercer, sob pena de responder pela omissão.” (PIETRO, 2005, pág. 70).
No processo administrativo, o interesse público será examinado minuciosamente afim de que o interesse público não sofra gravames ou o ato da Administração proporcione vantagens somente a determinadas pessoas.


5.10 Princípio da Eficiência


Foi a Emenda Constitucional nº 19/98 que modificou a redação do artigo 37 da Constituição Federal e inseriu a eficiência como um dos princípios que a Administração Pública deve observar. Não que a obediência a este princípio não se fizesse presente nos atos administrativos, “pois não seria razoável pensar em atividades da Administração Pública desempenhadas com ineficiência e sem o atingimento dos resultados dentro do seu objetivo maior, qual seja, a realização do bem comum.” (BASTOS, 1999, pág. 50).
Na esfera do processo administrativo, a eficiência consiste “na adoção de mecanismos mais céleres e mais convincentes para que a Administração possa alcançar efetivamente o fim perseguido através de todo o procedimento adotado.” (CARVALHO, 2001, pág. 60).
Ante o exposto, conclui-se que a eficiência combate a morosidade e a lentidão, a fim de atender aos anseios da sociedade, no sentido de solução rápida de pendências e litígios.



















6 RECURSOS ADMINISTRATIVOS


6.1 Conceito


Proveniente do latim, a palavra recurso significa percorrer novamente um caminho já trilhado. Em linguagem jurídica, latu sensu, “recursos são instrumentos jurídicos destinados a permitir que os interessados postulem a revisão total ou parcial de determinado ato.” (CARVALHO, 2001, pág. 267).
Em sentido mais estrito, pode-se afirmar que o recurso é o meio hábil a provocar um reexame da decisão proferida, pela mesma autoridade que a prolatou ou por uma hierarquicamente superior, buscando sua reforma total, parcial, ou até mesmo sua invalidação.
No âmbito administrativo, os recursos “são todos os meios que podem utilizar os administrados para provocar o reexame do ato pela Administração Pública” (PIETRO, 2005, pág.639). A Lei 9.784/99 endossa tal entendimento em seu artigo 56, caput: “das decisões administrativas cabem recurso, em face de razões de legalidade e de mérito”.
Entretanto, como bem ressalta o administrativista José dos Santos Carvalho Filho, ainda que o recurso em tela objetive a reforma de ato da Administração em favor do recorrente, “é indubitável que constitui instrumento de controle e fiscalização da Administração Pública, tanto em questões de legalidade, como de mérito.” (CARVALHO, 2001, pág. 269).


6.2 Natureza Jurídica do Recurso Administrativo


Alguns estudiosos entendem o recurso como “uma ação distinta e autônoma em relação àquela em que se vinha exercitando o processo. ” (THEODORO, 2004, pág. 510). Entretanto, a corrente majoritária garante que este instituto é simples elemento, mero aspecto decorrente do próprio direito de ação, que já vinha sido exercido anteriormente. Entre os doutrinadores defensores deste posicionamento, está o processualista Nelson Nery Júnior: “A doutrina dominante defende a idéia de que o recurso é continuação do procedimento, funcionando como uma modalidade do direito de ação exercido no segundo grau de jurisdição.” (NERY, pág. 218). Acrescenta Humberto Theodoro Júnior, sobre a natureza jurídica do recurso: “Apresenta-se, também, o recurso como ônus processual, porquanto a parte não está obrigada a recorrer do julgamento que a prejudica”. (THEODORO, 2004, pág. 510). Entretanto, se a parte lesada não o fizer, estarão concretizados os efeitos da sucumbência.


6.3 Recursos Administrativos em Espécie


Os recursos, geralmente, partem de ato volitivo da parte interessada sendo, nesses casos, provocados ou voluntários. Por outro lado, são recursos de ofício, ou hierárquicos, aqueles interpostos pela autoridade prolatora da decisão. Isto porque “os recursos tanto podem ser interpostos no interesse da própria Administração, na defesa, portanto da legalidade, como também pelo particular ferido no seu direito individual” (BASTOS, 1999, pág. 326).
Os doutrinadores José dos Santos Carvalho Filho e Diógenes Gasparini ainda classificam os recursos administrativos hierárquicos como próprios ou impróprios.

Consideram-se recursos administrativos próprios aqueles interpostos para apreciação pela autoridade superior do mesmo órgão ou pessoa administrativa. Derivam eles do sistema hierárquico da Administração, permitindo que agentes de maior posição na estrutura funcional exerçam controle sobre os atos de seus subordinados. (CARVALHO, 200,1 pág. 270).


Por sua vez, o recurso administrativo será impróprio

quando dirigido a órgão ou autoridade estranha à hierarquia da que expediu o ato recorrido e por esse órgão ou autoridade julgado. Só é admissível se estabelecido em norma jurídica que especifique as condições de sua utilização, o órgão ou a autoridade competente para conhecê-lo e julgá-lo e quando tem cabimento. (GASPARINI, 1995, pág. 537).


As doutrinas mais atualizadas identificam, em sua maioria, os seguintes tipos de recursos administrativos: a representação, a reclamação administrativa, o pedido de reconsideração e a revisão. Tais instrumentos são desdobramentos do direito de petição, que encontra sua previsão legal no artigo 5º, inciso XXXIV da Constituição Federal. A seguir, uma análise sobre essas espécies.


6.3.1 Representação


É utilizada para formalizar denúncia de irregularidades ou de procedimentos ilegais provenientes de agentes ou órgãos da Administração Pública. No direito pátrio, esta modalidade de recurso foi disciplinada pela Lei 4.898/65, que cuida do direito de representação contra abuso de autoridade.
Verifica-se nesta modalidade recursal uma legitimidade ampla, no sentido de que “o representante está exercendo seu direito de cidadania, não tendo, no mais das vezes, qualquer interesse direto no restabelecimento da legalidade” (CARVALHO, 2001, pág. 271).
Quando do recebimento de uma representação, não cabe à Administração decidir se vai ou não proceder à apuração da irregularidade denunciada. “Ela tem o poder-dever de averiguar e punir os responsáveis em decorrência da sua sujeição ao princípio da legalidade, ao qual não pode fazer sobrepor simples razões de oportunidade e de conveniência.” (PIETRO, 2005, pág.642-643).


6.3.2 Reclamação Administrativa


Segundo conceito de Diógenes Gasparini, a reclamação administrativa “é a oposição solene, escrita e assinada, a ato ou atividade pública que afete direitos ou interesses legítimos do reclamante. ” (GASPARINI, 1995, pág. 535). Deste direito são destinatárias tanto as pessoas físicas quanto as pessoas jurídicas, bastando que haja lesão ou ameaça de lesão, pessoais ou patrimoniais, decorrentes de atos administrativos. Dessa forma, a reclamação administrativa pode ser repressiva ou preventiva.
A autora Maria Sylvia Zanella Di Pietro defende a amplitude desta espécie recursal ao concluir que o artigo 1º do Decreto 20.910, de 1932

não teve por objetivo disciplinar as hipóteses em que cabe a reclamação ou mesmo o seu procedimento, mas apenas estabelecer normas sobre ‘prescrição administrativa’ e sua interrupção e suspensão. Por isso, pode-se dar à reclamação um conceito amplo, abrangente, não excludente de outras modalidades de recurso: reclamação administrativa é ato pelo qual o administrado, seja particular ou servidor público, deduz uma pretensão perante a Administração Pública, visando a obter o reconhecimento de um direito ou a correção de um ato que lhe cause lesão ou ameaça de lesão. (PIETRO, 2005, pág.643).

Quando interposta dentro do prazo, a reclamação administrativa suspenderá a prescrição. Contudo, como bem ressalta Celso Ribeiro Bastos,

é de se notar que a reclamação administrativa não interrompe a prescrição, porém a suspende enquanto não for julgada, e desde, é óbvio, que tenha sido apresentada no prazo próprio e seu objeto seja a apuração de dívida da Fazenda Pública para com o particular, nos termos do mesmo Decreto n. 20.910, art. 4º, pois, somente neste caso, a reclamação administrativa suspende a prescrição.(BASTOS, 1999, pág. 329).

O artigo 6º do referido Decreto estabelece o prazo de um ano para a interposição da reclamação administrativa, contado do dia do exercício da atividade ensejadora da lesão ou da ameaça de lesão ao direito do administrado, desde que não haja outro prazo fixado em lei. Transcorrido o prazo, não está a Administração Pública obrigada a tomar ciência da reclamação. Entretanto, “nada impede que a Administração conheça e acolha a pretensão do reclamante ainda que manifestada fora de prazo, desde que se convença da procedência da reclamação e não haja ocorrido a prescrição da ação judicial cabível.” ( MEIRELLES, 2002, pág. 644).


6.3.3 Pedido de Reconsideração


O pedido de reconsideração “é o recurso dirigido à mesma autoridade de onde emanou o ato ou conduta impugnada.” (CARVALHO, 2001, pág. 272). Através deste pedido, o administrado, diante de sua irresignação face ao ato impugnado, anseia por uma reavaliação a ser efetivada pela própria autoridade prolatora da decisão. Nesses casos, surgem duas hipóteses: ou a autoridade reconhece seu equívoco ou rejeita o pedido de reconsideração, convalidando a decisão já tomada.
Esta espécie de recurso administrativo encontra previsão legal no artigo 106 da Lei 8.112/90 e o prazo para sua interposição também é de um ano, contado da data da primeira decisão administrativa, sendo que esta não acarreta a suspensão da prescrição. Quanto à decisão, o prazo “é de 30 dias, não podendo ser renovado; só é cabível se contiver novos argumentos; caso contrário, caberá recurso à autoridade superior. ” (PIETRO 2005, pág. 643).


6.3.4 Revisão


É meio do qual se vale o servidor público ou o particular para obter reexame da decisão que lhe impôs determinada punição. Maria Sylvia Zanella Di Pietro ensina que o pedido de revisão prescinde de condição, qual seja, o surgimento de fatos antes desconhecidos e passíveis de comprovar a inocência da parte lesada. Nesse sentido: “Revisão é o recurso de que se utiliza o servidor público punido pela Administração, para reexame de decisão, em caso de surgirem fatos novos suscetíveis de demonstrar a sua inocência. ” (PIETRO, 2005, pág. 645).
José dos Santos Carvalho Filho, por sua vez, vai além e enumera três condições para que o recurso de revisão possa ser impetrado. Além do surgimento de fatos novos, o autor afirma que tais circunstâncias devem ser relevantes e que delas deve ser possível extrair a conclusão de que a aplicação da respectiva sanção foi imprópria. Todo esse esmero encontra apoio na seguinte afirmativa:

Nota-se, por tudo o que ficou exposto, que o recurso de revisão visa a corrigir erro de julgamento, evitando que o interessado seja vítima de sanção onde esta não deveria ter sido aplicada ou de sanção mais grave do que aquela que merecia. Para que haja a revisão, entretanto, cabe a cabal demonstração da existência de fatos novos ou de circunstâncias relevantes comprobatórios da inadequação sancionatória. (CARVALHO, 2001, pág. 306).

Quanto ao prazo, pode ser requerido a qualquer tempo, tanto pela própria parte interessada, como por seu procurador ou por terceiros que possam sofrer prejuízos em decorrência da decisão adversa.
A Lei 9.784/99, em seu artigo 65, estabelece claramente que do pedido de revisão não pode sobrevir um agravamento da pena. Caso o pedido de revisão seja julgado procedente, ele poderá decidir pela diminuição ou cancelamento da pena. “Desse modo, em nenhuma situação a revisão pode dar ensejo a que se piore a situação do recorrente. Em conseqüência, a pior situação que o recorrente pode sofrer é a que decorre do indeferimento do pedido revisional e manutenção da sanção originariamente imposta.” (CARVALHO, 2001, pág. 306).


6.4 Pressupostos Processuais do Recurso


Juridicamente, entende-se por pressuposto todo fato ou circunstância que deve preexistir como condição de admissibilidade, como uma condição para se alcançar determinado fim.
No Direito Administrativo, pode-se observar a existência de certos requisitos, exigidos por lei, para que o recurso seja conhecido, ou seja, para que seja submetido à apreciação da autoridade competente. São eles: cabimento, legitimidade, interesse para recorrer, tempestividade, forma, inexistência de fato extintivo ou impeditivo do poder de recorrer e a exigência ou não de preparo.
É importante, também, que o recurso administrativo seja fundamentado, como ressalta José dos Santos Carvalho Filho:

Os fundamentos do recurso, aliás, servem para análise não somente da autoridade superior à qual é dirigido o recurso, como também da própria autoridade que proferiu a decisão recorrida, uma vez que a esta é conferida, como visto, a oportunidade de efetuar juízo de retratação (art. 56, § 1º). (CARVALHO, 2001, pág.283).

Contudo, cabe aqui uma observação: apesar de a fundamentação constar como um dos pressupostos para o conhecimento do recurso, existem pessoas que não podem contar com um advogado ou outro profissional apto a auxiliá-las na redação do seu requerimento. Nesses casos, é inadmissível que tais pessoas tenham seu direito de defesa prejudicado em virtude de uma fundamentação inconsistente. Dessa forma, mesmo que os argumentos apresentem-se sem solidez, o recorrente deverá ter seu recurso apreciado.






6.5 Cabimento


Sobre o cabimento, um dos pressupostos de admissibilidade do recurso, ensina Nelson Nery Junior:

Quanto ao primeiro pressuposto, o cabimento, impende observar que o recurso precisa estar previsto na lei processual contra determinada decisão judicial, e, ainda, que seja o adequado para aquela espécie. Estes dois fatores, a recorribilidade, de um lado, e a adequação, de outro, compõe o requisito de cabimento para admissibilidade do recurso. (NERY, 2004, pág. 275).

Na esfera administrativa, o recurso não deve estar previsto em lei específica contra determinada decisão proferida não judicialmente, mas, sim, pela autoridade administrativa. José dos Santos Carvalho Filho reflete bem sobre as decisões administrativas:

Averbe-se, preliminarmente, que a expressão decisões administrativas, como já consignamos anteriormente, não tem significado tão específico como o adotado pêra as decisões judiciais. Nestas se encontra normalmente a apreciação de uma questão do processo, incidental ou principal. No processo Administrativo, ao revés, a expressão é mais ampla, nela incluindo-se também os atos administrativos oriundos do exercício normal da função administrativa, mesmo que o administrador não esteja julgando qualquer questão. Em suma, as decisões administrativas devem ser interpretadas em sentido amplo, em ordem a que nelas sejam alcançadas as decisões em sentido estrito e os atos administrativos sem específico conteúdo decisório. (CARVALHO, 2001, pág. 272-273).

Entendida a real dimensão da expressão decisão administrativa, faz-se a análise do artigo 56 da Lei 9.784/99 que dispõe o seguinte: havendo irresignação contra determinada decisão administrativa, a parte inconformada poderá interpor recurso para discutir tanto questões de mérito, quanto de legalidade.
Se o recorrente interpõe seu recurso alegando que o ato administrativo está viciado legalmente, ele deverá fundamentá-lo de forma a postular a reforma deste ato, visando à restauração de sua legalidade. Se a Administração Pública constatar que o recorrente está legalmente amparado em sua pretensão, ela não terá outra alternativa senão acolher o recurso. Nesse sentido, averba José dos Santos Carvalho Filho, quanto á postura que deverá ser adotada pelo administrador: “Nenhuma outra alternativa lhe será admissível: adstrito que está ao princípio da legalidade, e concluindo que o ato impugnado viola a lei, caber-lhe-á somente dar provimento ao recurso e reformar (rectius: anular), total ou parcialmente o ato impugnado. ”(CARVALHO, 2001, pág. 273).
Todavia, se o recurso funda-se em razões de mérito, o administrador atuará discricionariamente, podendo dar provimento ou não ao recurso interposto. Agirá em conformidade com o interesse público, analisando os critérios de conveniência e oportunidade. O mesmo autor ainda aduz:

O recurso com razões de mérito, se bem o analisarmos, mais se parece com o exercício do direito de petição em seu sentido amplo, e isso porque a pretensão do recorrente será julgada conforme critérios de conveniência e oportunidade administrativas, próprias da atividade discricionária. (CARVALHO, 2001, pág. 274).


6.6 Legitimidade para Recorrer


Assim como no processo judicial, no que tange à legitimidade recursal, o mesmo ocorre no processo administrativo. Não é qualquer pessoa que pode interpor o recurso. É necessário ao menos um vínculo entre o titular do interesse e o titular do direito a recorrer.
O artigo 58 da Lei 9.784/99 designa os legitimados a exercer o direito recursal. Em seu inciso I, o artigo trata dos titulares de direitos e interesses que forem partes no processo. Ocorre que, nesse contexto, a expressão parte não tem o mesmo sentido que o utilizado no processo judicial. Isto porque no âmbito administrativo nem sempre haverá litígio. “Desta maneira, leia-se parte como interessado no processo. ” (CARVALHO, 2001, pág. 278).
Adiante, em seu inciso II, o artigo legitima aqueles cujos direitos ou interesses forem indiretamente afetados pela decisão recorrida. Também chamados de terceiros, essas pessoas anseiam pela modificação da decisão proferida pelo administrador. Mesmo não figurando como interessados diretos, os terceiros podem vir a ter afetados os seus direitos em decorrência de determinado ato decisório. Sendo assim,

para evitar novo processo em que esse terceiro venha a pleitear a revisão da decisão , a lei os legitimou para o oferecimento do recurso. Cabe-lhes, no entanto, demonstrar primeiramente sua condição de interessado indireto, indicando o efeito gravoso que proveio da decisão recorrida. (CARVALHO, 2001, pág. 278).

O inciso III, por sua vez, refere-se às organizações e associações representativas, no tocante a direitos e interesses coletivos. Os direitos coletivos, em uma breve conceituação, “são aqueles transindividuais, de natureza indivisível, pertencentes a grupos de pessoas ligas entre si por uma relação jurídica base. ” (CARVALHO, 2001, pág. 279). Portanto, se são essas organizações e associações que defendem os interesses desses grupos titulares de direitos coletivos, serão elas também as partes legítimas para interpor o cabível recurso frente uma decisão administrativa desfavorável ao grupo.
Por fim, figuram como interessados legítimos os cidadãos ou associações, quanto a direitos ou interesses difusos. Assim como os direitos coletivos, os direitos difusos também são transindividuais e indivisíveis. A diferença entre o direito tutelado no inciso III e no inciso IV é que neste “os componentes do grupo são vinculados de forma contingencial ou por mero acaso, inexistindo aquela relação jurídica base que marca os direitos coletivos. ” (CARVALHO, 2001, pág. 279). É por essa ligação entre os indivíduos ser fortuita que eles serão legitimados a propor recurso, pois, ao serem legitimados, a lei permite que o cidadão busque a tutela do direito do grupo ao qual ele pertence. No caso das associações, elas também são legitimadas, na medida em que protegem os interesses de um grupo de sujeitos.


6.7 Interesse para Recorrer


No procedimento recursal é indispensável a presença do interesse em recorrer. O recurso deve constituir-se como meio necessário e útil para que o reexame da decisão ocorra. Preciso e claro é o ensinamento do autor Nelson Nery Junior: “Deve o recorrente ter necessidade de interpor o recurso, como único meio para obter, naquele processo, o que pretende contra a decisão impugnada. Se ele puder obter a vantagem sem a interposição do recurso, não estará presente o requisito do interesse recursal. ” (NERY, 2004, pág. 315).


6.8 Inexistência de Fato Impeditivo ou Extintivo


Se a hipótese ensejadora do impedimento ou da extinção do poder der recorrer materializar-se, o recurso porventura interposto não será conhecido. Sobre tais fatores, manifesta-se Nelson Nery Junior: “Estes fatores nada têm a ver com a decisão que se pretende impugnar em si mesma considerada, razão pela qual colocamos a inexistência deles como requisito extrínseco de admissibilidade dos recursos.” (NERY, 2004, pág. 395).
Em se tratando de fatos extintivos do poder de recorrer, figuram os seguintes atos: a renúncia e a concordância com a decisão. A renúncia ao direito de recurso não significa renúncia à pretensão discutida. Significa a manifestação da vontade da parte, “no sentido de se extinguir o exercício do poder de recorrer, vontade essa que pode ser expressa ou tacitamente manifestada. ” (NERY, 2004, pág. 396).
A aquiescência com o resultado da decisão também extinguirá o direito de oferecer recurso. Se a parte não demonstra irresignação nem descontentamento ao final do processo administrativo, não há razões para almejar reforma ou modificação dessa decisão.
Dentre os fatos impeditivos do exercício do poder recursal, segundo o autor supracitado, estão a desistência do recurso ou da ação, o reconhecimento do pedido e a renúncia ao direito sobre o qual se funda a ação.
A diferença entre a renúncia e a desistência do recurso encontra-se no fato de que não se pode renunciar a recurso já oferecido. O mesmo autor assim entende: “Quando já foi exercido o poder de recorrer, poderá ocorrer a desistência do recurso. Só se aquiesce à decisão já proferida; a renúncia, ao contrário, pode ser manifestada antes da decisão de que é objeto.” (NERY, 2004, pág. 397).
Em se tratando de renúncia ao direito que constitui o objeto da ação e do reconhecimento do pedido, sabe-se que, geralmente, ambos ocasionarão a prolatação de decisão em favor da parte contrária.
O autor, ao renunciar ao direito sobre que se funda a ação, “não poderá interpor recurso em virtude de existir preclusão lógica, pois a renúncia impede o poder de recorrer, por ser com este incompatível.” (NERY, 2004, pág. 418). O réu, por sua vez, “não poderia recorrer por faltar-lhe o interesse recursal, já que obteve o decreto de improcedência da pretensão do autor.” (NERY, 2004, pág. 418). Nesse caso, a única exceção ocorre se o autor não renunciar completamente ao seu direito e ficar pendente questão não abrangida pela renúncia.
Em outra hipótese, se o réu reconhecer a procedência do pedido, ele “abdica do direito de prosseguir no processo, praticando ato não condizente com o poder de recorrer. Caso venha a interpor recurso após o reconhecimento do pedido, este não deverá ser conhecido por existir fato impeditivo do poder de recorrer.” (NERY, 2004, pág. 418-419). Já o autor, nesse caso, “não terá interesse em recorrer, porque o reconhecimento do pedido terá acarretado a procedência da pretensão deduzida no processo. Salvo se o reconhecimento for parcial.” (NERY, 2004, pág. 419).


6.9 Tempestividade e Preparo

6.9.1 Tempestividade:

No entender de Nelson Nery Junior, a tempestividade figura como um dos pressupostos extrínsecos para a admissibilidade do recurso. “O recurso, para ser admissível, deve ser interposto dentro de prazo fixado. Não sendo exercido o poder de recorrer dentro daquele prazo, se operará a preclusão e, via de conseqüência, formar-se-á coisa julgada. Trata-se no caso de preclusão temporal.” (NERY, 2004, pág. 339). Contudo, no processo administrativo, formar-se-á coisa julgada administrativa, restando, ainda, como alternativa ao interessado, a submissão do objeto do processo à apreciação pelo Poder Judiciário.
O artigo 59 da lei 9.784/99 fixa o prazo normal de dez dias para interposição de recurso, “a menos que haja disposição legal específica fixando prazo diverso.” (CARVALHO, 2001, pág. 279). Tal prazo será contado a partir da ciência ou da divulgação oficial da decisão. Inclusive, o interessado tem a faculdade de tomar ciência dos atos no próprio processo. Se isso ocorrer, conforme determina o § 3º do artigo 26, da lei 9.784/99, “é desse fato que se dá o início da contagem do prazo recursal.” (CARVALHO, 2001, pág. 280). Daí tem-se a ciência real do ato objeto do recurso. Não obstante, com a publicação oficial da decisão, dá-se a ciência presumida da determinação administrativa.
Quanto à intimação dos interessados, esta será feita por intermédio de publicação oficial quando o interessado for desconhecido, indeterminado ou com endereço incerto, ou mediante ciência no processo, por via postal com aviso de recebimento, por telegrama ou qualquer outro meio que garanta a certeza da ciência do interessado, nos casos em que este for determinado, conhecido e ou com endereço certo. É o que reza os §§ 4º e 3º, respectivamente, do artigo 26 da mesma lei.
Ainda quanto ao prazo, afirma José dos Santos Carvalho Filho:

O prazo para recurso é peremptório e contínuo. Peremptório, porque nem a Administração nem os interessados podem alterá-lo; contínuo, porque não se suspende ou interrompe em razão de feriados, domingos e dias sem expediente, conforme averba o art. 67, salvo comprovação da existência de força maior. (CARVALHO, 2001, pág. 280).

Sendo assim, se o cabível recurso não for oferecido tempestivamente, ou seja, dentro do prazo estabelecido em lei, não será ele conhecido pela autoridade administrativa.

6.9.2 Preparo

Preparo significa “pagamento prévio, que deve ser feito pelo recorrente, das custas relativas ao processamento do recurso.” (NERY, 2004, pág. 425).
Ocorre que, no processo administrativo, o § 2º do artigo 56, da lei 9.784/99 dispensou a exigência de caução, tornando ilegítima a cobrança de qualquer garantia para utilização da via recursal. Sobre o assunto, a lição transmitida por José dos Santos Carvalho Filho:

A Lei 9.784/99, no art. 56, § 2º, adotou como regra a inexigibilidade de caução, o que parece mais consentâneo com os fundamentos que inspiram o instituto do recurso, especialmente como o direito ao contraditório e à ampla defesa. Com efeito, se a lei exige alguma forma de caução, o acesso à instância recursal fica realmente restrito. (CARVALHO, 2001, pág. 276).

Porém, desde que o processo regulado por lei especial exija caução, a cobrança dessa garantia estará respaldada legalmente.


6.10 Regularidade Formal e Material


O artigo 60 da Lei 9.784/99 estabelece quais são os requisitos que devem ser observados pela parte legitimada a interpor o recurso. Tais requisitos, de acordo com a classificação de José dos Santos Carvalho Filho, dividem-se em formais e materiais.
“O requisito é formal quando diz respeito ao revestimento externo de materialização do recurso. ” (CARVALHO, 2001, pág. 282). Segundo o referido artigo, o recurso administrativo deve apresentar-se através de um requerimento. A palavra requerimento, aqui no entendimento do autor supramencionado, expressa a forma de apresentação do recurso. Indica que ele deve materializar-se numa petição. Apesar do termo utilizado, ele “não está a indicar o ato de requerer alguma providência, porque quando o interessado interpõe um recurso já está, obviamente, formulando o requerimento no sentido de ser reformado ou modificado o ato decisório objeto da irresignação.” (CARVALHO, 2001, pág. 282). Sendo assim, requerimento, nesse contexto, significa petição de recurso. A lei 9.784/99 admite, ainda, que o recorrente junte ao seu recurso documentos que contribuam para uma melhor apreciação do caso em tela, com a finalidade de ver sua pretensão atendida.
Já o requisito material “é aquele concernente à substância do recurso, ou seja, à matéria que dele deva ser objeto.” (CARVALHO,2001, pág. 283). O mesmo artigo 60 exige que o pedido de reexame da decisão seja fundamentado, motivado. Isso porque, se o recurso não estiver motivado, a Administração não saberá sobre o que se manifestar, o que reexaminar e, conseqüentemente, não concluirá que a decisão recorrida merece ser reformada. Além disso, a fundamentação do recurso é essencial para impedir que recursos sejam interpostos por mero capricho ou para lenificar o procedimento, afinal, somente diante de um gravame palpável o direito recursal deve ser exercido.






































7 REFORMATIO IN PEIUS E RECURSOS ADMINISTRATIVOS

O direito recursal do administrado nasce do desdobramento dos princípios do contraditório e da ampla defesa, fazendo, portanto, parte do devido processo legal administrativo. Essa possibilidade de revisão das decisões administrativas funciona como uma espécie de controle exercido pela própria Administração, mediante a provocação do administrado.
Assim como no processo judicial, o que move o administrado a almejar um reexame da decisão proferida pela autoridade administrativa é o sentimento de inconformismo, a crença de que sofrerá prejuízos se aquela resolução for definitiva. Portanto, é com a esperança de um provimento que melhor lhe atenda que o administrado assume o papel de recorrente na relação processual administrativa.
Isso posto, busca-se determinar qual o posicionamento dos doutrinadores administrativistas acerca da relação entre o princípio da reformatio in peius e os recursos administrativos. Para tanto, é necessário, primeiramente, entender o que significa tal princípio.
“Em poucas palavras, há reformatio in peius quando a autoridade competente reforma a decisão recorrida para pior, agravando a situação do recorrente.” (SILVEIRA, 2005, pág. 66). José dos Santos Carvalho Filho faz uma exposição mais completa e específica do princípio:

Tema que tem merecido algumas discrepâncias entre os estudiosos diz respeito à possibilidade de determinado recurso ser julgado de forma mais gravosa para o interessado recorrente. Em outras palavras, o recorrente interpõe recurso contra determinado aspecto da decisão proferida pela autoridade inferior e, ao ser julgado, a nova decisão não somente nega provimento à parte impugnada pelo recurso, como ainda se estende para agravar mais ainda o direito ou interesse do recorrente. (CARVALHO, 2001 pág. 298).

A discussão acerca da reformatio in peius surgiu pela primeira vez no plano do processo penal. A autora Ana Teresa Ribeiro da Silveira concluiu pela proibição da aplicação deste princípio na esfera acima mencionada, de acordo com a interpretação do artigo 617 do Código de Processo Penal, aduzindo o seguinte:

No processo penal, do reexame da matéria decidida na sentença não pode resultar decisão desfavorável ao acusado que interpôs o recurso. O artigo 617 do código de Processo Penal proíbe que se aumente a pena do réu em recurso exclusivo da defesa. O órgão de 2ª instância fica vinculado ao pedido, não pode decidir ultra ou extra petita, o efeito devolutivo do recurso não é pleno. Preso ao pedido de revisão do réu, ou o tribunal mantém a decisão recorrida, ou a reforma favoravelmente à situação do acusado. (SILVEIRA, 2005, pág. 66).

Já no Código de Processo Civil, não há menção expressa à proibição da reformatio in peius. Na verdade, como afirma Leonardo José Carneiro da Cunha, “a proibição da reformatio in peius decorre da conjugação do princípio dispositivo, da sucumbência como requisito de admissibilidade do recurso (CPC, art. 499) e, ainda, do efeito devolutivo.” (CUNHA, 2004, pág. 78). Melhor dizendo, caso a reformatio in peius fosse admitida, o recurso da parte é que seria inadmissível, em virtude da falta de um dos requisitos da admissibilidade recursal. Assim entende, também, Ana Teresa Ribeiro da Silveira:

a parte não teria interesse recursal, pois, este decorre da utilidade prática do recurso em tese, que não se apresentaria no caso, tendo em vista a possibilidade de a nova decisão ser menos vantajosa. Continuando o raciocínio, se nem mesmo por provocação da parte o juiz ou o tribunal pode agravar sua situação, menos ainda sem tal provocação. (SILVEIRA, 2005, pág. 67).

Quanto aos processos administrativos, estes, em todas as suas modalidades, devem ater-se ao devido processo legal, zelando pela aplicação dos princípios do contraditório e da ampla defesa. A doutrina majoritária defende a proibição da reformatio in peius, alegando que “a possibilidade de se impor uma sanção mais grave inibe a utilização do recurso pelos administrados, desestimulando a viabilização da ampla defesa.” (SILVEIRA, 2005, pág. 69).
Ocorre que uma minoria defende a aplicação da reformatio in peius desde que, antes de reformar a decisão, a Administração conceda ao recorrente a oportunidade de manifestar-se outra vez. Esta minoria acredita que, ao conceder ao administrado a oportunidade de externar novos esclarecimentos, diante de um possível agravamento da sanção imposta a este, não há ofensa aos princípios da ampla defesa e do contraditório. É o pensamento adotado pelo administrativista Hely Lopes Meirelles:

Em qualquer modalidade de recurso a autoridade ou o tribunal administrativo tem ampla liberdade de revisão do ato recorrido, podendo modificá-lo ou invalidá-lo por motivo de legalidade, conveniência, oportunidade ou, mesmo, por razões de ordem técnica que comprometam a eficiência do serviço público ou a utilidade do negócio em exame. A Lei 9.784/99 prevê que ‘o órgão competente para decidir o recurso poderá confirmar, modificar, anular ou revogar. Total ou parcialmente, a decisão recorrida’ (art. 64). Todavia, em face da Constituição Federal, em especial do seu art. 5º, LV, caso haja a possibilidade de reformatio in peius, a autoridade deve cientificar o recorrente dessa hipótese, com os motivos que levariam ao gravame, para que ele tenha oportunidade de formular suas ‘razões antes da decisão’ (parágrafo único do art. 64) e assim exercer o contraditório. (MEIRELLES, 2002, pág. 641).
Entretanto, a autora Ana Teresa Ribeiro da Silveira, acertadamente, afirma que “este novo prazo não remedeia a violação da ampla defesa, não deixa de inibir o uso do direito ao recurso, pois não impede que a iniciativa do administrado leve ao agravamento de sua própria situação.” (SILVEIRA, 2005, pág. 70). Ela vai além e argumenta contra as decisões extra ou ultra petita:

Caso não houvesse a vinculação da autoridade administrativa ao pedido feito no recurso, teríamos situações injustas e ilógicas. O recorrente poderia ser prejudicado pelo seu próprio recurso, como se fosse possível alguém ter interesse em prejudicar a si mesmo. Por outro lado, aquele que não se manifestou poderia ser favorecido pela sua inércia, como se o Direito socorresse àqueles que descansam. (SILVEIRA, 2005, pág. 70).

Por isso, é fundamentada a crítica ao artigo 64 da Lei 9.784/99, no qual é prevista a possibilidade de aplicação da reformatio in peius, com exceção da revisão dos processos disciplinares e sancionatórios. Alega a mencionada autora que “a adoção da reformatio in peius é incompatível com a moderna concepção de processo administrativo trazida pela lei federal, que defende um processo modelado constitucionalmente, inspirado pelo ideal democrático, respeitador dos direitos e garantias dos administrados.” (SILVEIRA, 2005, pág. 71).
Feita, então, a crítica à aplicação de uma decisão mais gravosa, fundamentada no desacato aos princípios do contraditório e da ampla defesa, é necessário, por fim, distinguir a reformatio in peius e o controle de legalidade.
Haverá reformatio in peius quando, interposto recurso perante a Administração Pública, esta reavalia a decisão proferida; faz uma reapreciação do mérito. Já o controle de legalidade advém do dever que a Administração tem de rever seus atos, quando estes se encontrarem eivados de algum vício. No entanto, “o que não se admite é a reavaliação de conveniência e oportunidade, em sede recursal, para agravar a situação do recorrente.” (SILVEIRA, 2005, pág. 72).
A autora ressalta, também, que pode a Administração descobrir, mesmo que não haja argüição por parte do recorrente, que o ato administrativo é ilegal ou apresenta-se como inoportuno ou inconveniente. Nesse caso, a administração deve, obrigatoriamente, corrigir o vício que macula o ato, sob pena de contrariar o princípio da legalidade e a indisponibilidade do interesse público.
Finalmente, conclui-se que “reformatio in peius não se confunde com controle de legalidade. Neste, verifica-se a inadequação de um ato á lei; naquela, não se faz juízo de legalidade, não há ato ilegal, mas uma reapreciação de mérito. O controle de legalidade sempre é possível, é dever da Administração.” (SILVEIRA, 2005, pág. 72).
































8 CONCLUSÃO

Feita uma análise sobre os diversos elementos constitutivos do processo administrativo, dentre eles, os princípios que o regem e suas modalidades, e realizado, também, um estudo sobre os vários aspectos dos recursos administrativos, inclusive a vedação do princípio da reformatio in peius, pode-se chegar a algumas conclusões.
A primeira, é que o contraditório e a ampla defesa são princípios inerentes ao processo administrativo. Sumariamente, o contraditório permite a participação de todos os interessados no processo, de tal sorte que estes tenham acesso aos autos e possam se exprimir, buscando a produção de uma decisão justa. A ampla defesa, por sua vez, confere à parte a oportunidade não só de contestar o que foi alegado pela parte contrária, bem como a possibilidade de produzir provas que atestem a veracidade de suas razões.
Também se pode observar que o direito de recorrer está inserido no devido processo legal. No âmbito administrativo, o reexame das decisões se alicerça nos direitos constitucionais de representação e de petição aos Poderes Públicos.
Quanto ao princípio da reformatio in peius, fica comprovado que este transgride os dois principais princípios informadores do processo administrativo: a ampla defesa e o contraditório. Além disso, obstaculariza o direito que administrado tem de ter sua pretensão examinada por autoridades diversas, como garantia de uma decisão boa e justa. Isso porque o recorrente, frente à possibilidade de ter sua pena agravada, inibe-se e, conseqüentemente, sofre cerceamento de defesa pela Administração Pública. Nem mesmo a oportunidade concedida ao administrado, de manifestar-se diante da possibilidade de agravamento da pena, atenua a ofensa à ampla defesa e ao contraditório. Simultaneamente, tal oportunidade não basta para assegurar os princípios supracitados e, ainda, ao tolerar a reformatio in peius, desestimula o exercício do direito de recurso pelo administrado.
Haverá, sim, casos em que o recorrente poderá ser prejudicado face à interposição de recurso administrativo. É o caso, por exemplo, de recurso administrativo oferecido por uma das partes no processo licitatório. Um licitante, que já estava habilitado, provoca a Administração através do exercício de seu direito de recurso, solicitando que outro licitante, também já habilitado, perca esta condição. A Administração, então, reexamina sua determinação e descobre algum motivo que enseja a reforma da decisão proferida, podendo tal reforma até mesmo inabilitar o recorrente já habilitado. Contudo, não se tratará de reformatio in peius, mas de controle de legalidade, poder-dever da Administração Pública.
Outra hipótese é o recurso interposto contra determinado concurso, onde figuram como recorrentes vários competidores. Se a Administração realizar um controle de toda a legalidade, e não somente da questão que propiciou o recurso, o recorrente, assim como os outros candidatos, terão sua situação prejudicada. Mas, também nesse caso, não há que se falar em reformatio in peius pois, se a Administração assim não proceder, estará agindo contra a lei.
Ao admitir a aplicação do princípio da reformatio in peius, desde que previamente concedido ao recorrente novo prazo para fazer suas alegações finais, a Lei 9.784/99 não faz jus à relevância do devido processo legal no âmbito administrativo, como garantia dos direitos dos cidadãos e correto desempenho da função administrativa.
Portanto conclui-se, pela incompatibilidade da adoção do princípio-tema desta monografia, levando em consideração a moderna concepção de processo administrativo, que busca realizar uma administração mais democrática, que prima pelo respeito aos direitos e garantias individuais dos cidadãos e que tem como dever lhes conceder segurança jurídica.






















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Autor: Flávia Mundim


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