As práticas jornalísticas na pós-modernidade



Em meio a práticas jornalísticas cada vez mais distanciadas do compromisso social com o cidadão, experimenta-se também no modo de produção jornalística, o que Bernardo Kucinski (2005) chamou de “vazio ético”. Em práticas jornalísticas contemporâneas, é comum percebermos que há o predomínio de certos valores-notícia sobre outros. A instantaneidade e o imediatismo são mais valorizados do que a apuração e busca pela veracidade dos fatos. A imprensa vive uma crise de credibilidade, que influi diretamente no ambiente de trabalho das redações e provoca um enxugamento e uma precariedade das mesmas. O jornalismo cada vez mais se distancia dos preceitos éticos e de seu caráter transformador da realidade. A questão que ecoa na pós-modernidade é: o que fazer para mudar este quadro? O que fazer para resgatar o papel crítico, social e de exercício da cidadania da mídia?

É necessário, em um primeiro momento, questionarmos quais valores norteiam a imprensa atual, e em que medida ela distanciou-se do cargo de “quarto poder”. Este é um conceito usado por Nelson Traquina (2001), para designar a mídia como um guardião dos cidadãos, dos eventuais abusos de poder por parte dos governantes. Quais os valores-notícia predominam na mídia impressa brasileira? E quais estão esquecidos em detrimento de outros? Em que instância isso altera a qualidade da informação? Sabemos que o imediato e o instantâneo são aqueles que regem o jogo, em detrimento da qualidade e do compromisso com o leitor. A cobertura midiática está cada vez mais vinculada a práticas comerciais e afastada de seu papel social. É neste contexto que o jornalismo distancia-se do papel de vigilância. Traquina (2001) questiona a informação jornalística, que se rendeu ao mercado e configurou-se como notícia, desprovida de contextualização e aprofundamento e, por outro lado, abundante em info-tainment.

Um outro fato importante é os meios de comunicação, tanto na figura dos proprietários quanto de seus profissionais, ignorarem “suas profundas responsabilidades sociais enquanto participantes ativos na construção da realidade”. Os veículos deveriam ter consciência do seu peso na sociedade e ainda saber que, caso haja falhas na produção jornalística, os responsáveis devem ser devidamente fiscalizados e ter seus erros corrigidos. Neste caso é louvável a iniciativa dos ombudsmans nas redações. Está nele uma chance de auto-regulamentação dos modos de produção jornalística. Afonso de Albuquerque Rubim, na obra “Produção e Recepção dos Sentidos Midiáticos”, lembra que a ausência de autocrítica sistemática é uma característica fundamental da imprensa brasileira. Segundo esse autor: “(...) a ausência de publicações especializadas em media-criticism, a pouca importância da autocrítica interna por parte das organizações noticiosas e a ausência de uma integração entre a crítica acadêmica e a prática jornalística seriam três traços característicos desse fenômeno”.(RUBIM, 1998: 23).

Percebemos hoje um distanciamento dos princípios básicos do jornalismo, que em sua origem nasce para prestar informações de serviço público. O jornalismo deve ser entendido, como disse Alexandre Freire, “como uma prática responsável de produção de sentido para os fenômenos sociais” e não uma prática estritamente mercadológica. Entende-se, então, o jornalista como um agente dessa prática social, que deve estar preparado para exercê-la com discernimento e competência. É nesse sentido que Bernardo Kucinski (2005) defende o resgate da deontologia do exercício da profissão, que deve ser fundamentada na honestidade intelectual e na perícia. Ele reforça que, “essa busca da verdade de interesse público implica a adesão a (...) uma ética de procedimentos que não se limita à técnica de bem escrever, abarcando todas as etapas da busca da verdade dos fatos, ou, para usar uma palavra mais precisa, da veracidade”.(KUCINSKI, 2005: 20).

Esse descaso nos demanda revisarmos alguns conceitos. Devemos repensar a realidade e, dentro dela, a prática humana. Devemos também considerar a perspectiva histórica, mutável, plural e ideológica de nossa realidade. Re-pensar significa obter ferramentas para reconstruí-la. E dentro da realidade, é gritante a necessidade de repensarmos o jornalismo, sua conduta profissional e ética. Gianni Vattimo (1989), defende que, “não existe uma história única, existem sim imagens do passado, propostas por pontos de vistas diversos, e é ilusório pensar que existe um ponto de vista supremo, globalizante, capaz de unificar todos os outros” (VATTIMO, 1989: 11). O autor também nos lembra sobre a impossibilidade de pensar a história como um curso unitário, impossibilidade esta, resultante, entre outros fatores, do aparecimento dos meios de comunicação, que multiplicaram os modelos de mundo na sociedade. Está na mídia pós-moderna uma das possibilidades de reestruturação da sociedade, que num dado momento se torna capaz de respeitar a alteridade, o diálogo, a pluralidade e caminha, então, para “um novo modo de sermos (talvez finalmente) humanos”.

Os próprios cidadãos devem se conscientizar da importância de estarem envolvidos em assuntos cívicos, que fomentem o resgate da cidadania. Cabe ao veículo de comunicação dar armas aos cidadãos para que o exercício de seus direitos seja garantido e, ainda, ser uma voz ativa dos mesmos. Traquina (2001) lembra que a imprensa deve se ater a algumas metas fundamentais: “Primeiro, ser um guardião dos cidadãos, protegendo-os do abuso de poder por governantes (...) Segundo, ser simultaneamente um veículo de informação para equipar os cidadãos com ferramentas vitais ao exercício dos seus direitos e uma voz dos cidadãos na expressão das suas preocupações, da sua ira, e, se for preciso, de sua revolta” (TRAQUINA, 2001: 190).


Nas últimas décadas, o jornalismo, que nasce como um guardião dos cidadãos e protetor dos abusos de poder do Estado, afasta-se de seus cânones. Para falarmos do jornalismo de qualidade nos tempos de hoje é necessário adjetivar essa prática, como jornalismo crítico, perito, público, investigativo, etc. Cabe então questionarmos se o jornalismo não é, por sua natureza, isto é, conforme seus princípios básicos, composto por essas características? A sociedade atual clama por uma revisão do modo de fazer jornalismo, que deve estar baseado naqueles pressupostos, que em última instância transformam a realidade a realidade vigente. Essa prática não mais pode ser efetuada sem que seus atores sociais estejam cientes da responsabilidade de toda e qualquer publicação.



REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

FREIRE, Alexandre. O jornalismo como sistema perito e a proposta da Fenaj. Observatório da Imprensa. 24 Nov 2004: online. Disponibilidade e acesso: observatorio.ultimosegundo.ig.com.br/artigos. ISSN 1519-7670

GIDDENS, Anthony. As conseqüências da modernidade. São Paulo, UNESP, 1991.

KUCINSKI, Bernardo. Jornalismo na era virtual: ensaios sobre o colapso da razão ética. São Paulo, UNESP, 2005.

RUBIM, A. A., BENTZ, I. M., PINTO, M.J. Produção e Recepção dos sentidos midiáticos. Petrópolis, Vozes, 1998.

TRAQUINA, Nelson. O estudo do jornalismo no século XX. São Leopoldo. Unisinos, 2001;

VATTIMO, Gianni. A sociedade transparente. Lisboa, Relógio D’ Água, 1992.

WOLF, Mauro. Teorias da Comunicação. 7ª Edição, Lisboa, Presença, 2002.
Autor: Camila de Oliveira Guimarães


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