Mordaça



"Senhor, protejei-me dos meus amigos; pois dos meus inimigos eu posso cuidar." (Voltaire (1694-1778).

Hipátia, outra vez demonstrara sua muita bravura e espírito empreendedor, investindo em uma viagem para Paris, com o dinheiro das férias. Na verdade, a indústria informara aos funcionários que teria sua unidade fabril fechada nos próximos 180 dias. Então, dentro de dois meses seria iniciado o processo de desligamento dos 1700 empregados da multinacional.

Anaconda, era odiada pela maioria dos colegas. Recebera esse apelido, em homenagem à cobra sucuri, que, segundo a lenda, atrai com o olhar suas presas, as quais são devidamente usadas em suas nutritivas e abundantes refeições. Pois é, Anaconda, persuadia os colegas com gestos falsamente simpáticos, extraía deles as informações que precisava para desempenhar sua função, sendo impiedosa em acusar aquelas pessoas, que, ingenuamente imaginavam ter conquistado a amizade da mulher-ofídio.

-- Hipátia, você foi selecionada, para trabalhar com Anaconda. Nossa empresa é fantástica, com exceção de sua chefa, conhecida de todos como uma verdadeira cobra, seja bem-vinda e cuidado com as picadas. – advertiu Alexia, gerente de RH.

-- Anaconda, quem é essa colega bonitona? Não vai me apresentar? – disse Eucheir, também do setor jurídico.

-- Ana: posso saber como andam as finanças da companhia? – arriscou Hipátia, tentando criar intimidade com sua gerente.

-- H, nosso único problema está contido nos tributos. Vou precisar demais de você nesse particular queridinha. Pode ir almoçar - respondeu com intimidade profundamente cínica e falsa, a grande sucuri.

Eucheir, estava muito feliz. Almoçava com sua linda e agradável colega Hipátia. Durante a refeição disse:

-- Aqui no jurídico, trabalham seis pessoas. Todas são subutilizadas, limitando suas atividades às raras causas trabalhistas e eventualíssimos episódios de ambiência. Como eu sei francês, escutei quando a “comptroller” esteve aqui falar com Ana, que esse setor foi criado para ocupar 99 porcento das atividades na área de tributos. Há três anos estou aqui fingindo que trabalho. Toda a parte de tributo está com a Sucuri. Ela não permite que ninguém tenha acesso às informações. Se você conseguir colocar mordaça na cobra estamos feitos, caso contrário, esses gringos mandam fechar a fábrica.

Hipátia, advogada e contadora, era sócia informal de um primo em um escritório que cuidava de tributos de empresas de pequeno porte. Estava tentando crescer em uma empresa maior para aí sim, assumir oficialmente a sociedade da, por enquanto, micro-empresa. Estes 18 meses de trabalho foram suficientes para confiar ao agora amiguinho Eucheir, esse segredo.

-- Pata.Tive uma idéia! -- era a forma íntima e carinhosa, como seu namorado Eucheir agora a tratava. E de olhos esbugalhados, prosseguiu:

Manda teu escritório entrar em contato com a Sucuri. Eles vão pedir a documentação para dar uma olhada e você verifica lá na firma. Se você descobrir qual é o problema dos tributos, aproveite as férias do mês que vem, compre uma passagem para a França, apresente a solução para a “comptroller” Desirée. Conte a verdade. Gringo detesta mentira. Poupe a Sucuri, pois ela será útil para o crescimento de sua consultoria tributarista.

-- Fez boa viagem, Pata? Pelo jeito, você agora está livre de: buraco negro, controladores de vôo, radar, convergência, backup, software, transponder, ovni e outras justificativas da incompetência de aerogestão nacional. – Dá uma bicadinha no seu noivo, garota.

-- Euchinho, a gringa ficou louca comigo, quando abri o jogo e falei que minha empresa precisa da Sucuri para assessorar no trabalho. Descobri que os impostos já são pagos na matriz e existe um acordo Brasil-França, que impede a bitributação. Meu escritório ganhou um clientaço – Falou vitoriosa, Hipátia.

-- Euchinho, porque você chamou Sucuri para o nosso casamento. Que cinismo, meu amadinho – falou com doce e acariciante voz, a linda Pata.

-- Patinha: A Sucuri sempre atrauiu todos para si, com o propósito de engolí-los. Seus hábitos não mudaram. A inovação, diga-se de passagem, incremental, é que agora ela consegue a informação para você, que num habilidoso contra-golpe houve por bem convencê-la a fazer uso de uma útil e providencial mordaça.
Autor: Gilberto Landim


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