Ricardo III



Antes de começar a descrever um pouco sobre as montagens de Ricardo III, eu gostaria de contar um pouquinho sobre quem foi Willian Shakespeare e relatar alguns fatos bem interessantes sobre o polêmico Duque de Gloucester.

Quem é o autor?

Shakespeare, nascido nas proximidades de Londres, em 23 de abril de 1564, veio de uma família de origem semi-burguesa. Apesar de ter sido educado em excelentes escolas, nunca seguiu carreira acadêmica e mesmo assim conseguiu deixar o seu nome marcado na história, sendo consagrado como um dos maiores nomes literatura universal.
Como escritor ele produziu vários sonetos e mais de trinta e oito peças, que podem ser divididas em 4 grandes períodos: o primeiro período mostra um jovem Willian cheio de sonhos e energia; o Segundo período traz crônicas e comedias românticas; no terceiro período Shakespeare, que deveria estar no auge de sua carreira e maturidade, passa a escrever peças tristes e de origem depressiva; já o quarto período é considerado o seu período final e mostra um Shakespeare envelhecido já sem o brilho que o tornou imortal, Shakespeare escreveu para o teatro comédias, tragédias e peças históricas, todas suas obras tem em comum a cautelosa e elaborada descrição dos traços de seus personagens e a escolha de temas que de uma maneira ou outra sempre vão estar presentes no nosso cotidiano.
As peças escritas por Shakespeare mostram personagens imersos em conflitos morais e espirituais. Exagerando na criação de intrigas, conspirações, sonhos, inveja, ódio ou amor, por esses serem sentimentos constantes e que de uma forma ou outra afetam a todos os seres humanos, Shakespeare criou todo um universo, que transgride normas e regras da sociedade. O mundo criado por ele traz uma imensa diversidade de tipos humanos.

Entre as peças históricas de Shakespeare encontra-se a peça Ricardo III, que conta a história de Ricardo, Duque de Gloucester, e como ele chegou ao trono da Inglaterra. A obra não relata com precisão a história de Ricardo III, com muitos fatos sendo fabricados e outros colocados fora de contexto cronológico ou histórico, provavelmente para tornar a peça mais intrigante e polêmica. Abaixo vamos citar uma serie de eventos e fatos mostrados na peça que na realidade não foram comprovados por historiadores como atos cometidos ou mandados por Ricardo.

Ricardo III: Ficção x Realidade

-Richard era deformado fisicamente.
Não existem provas de que Richard sofria de alguma deficiência física. Pelo contrário, Richard era um soldado competente e veterano que nunca teria conseguido lutar em batalhas se tivesse algum problema de deformidade física, especialmente em suas mãos. Acredita-se que Shakespeare usou-se de crenças medievais, que diziam que pessoas com deformidades tinham conexões ou pactos com o demônio.

-Arquitetar o assassinato de seu irmão George, Duque de Clarence.
George foi condenado por seu irmão, o rei Edward IV, por alta traição após vários atos contra a coroa real. George foi levado a julgamento e condenado a morte, executado privadamente, por ter violado e desrespeitados as leis que regiam a Inglaterra. Ricardo III não teve nenhum envolvimento com a morte de seu irmão: é dito por historiadores que Ricardo após a morte do irmão ficou muito abalado.

-O assassinato do rei Henrique VI e o assassinato de Edward de Lacaster.
Edward de Lancaster foi morto durante a batalha de Tewkesbury, e sua morte não é atribuída a nenhuma pessoa em especifico. Sendo assim, a morte de Edward de Lancaster foi uma fatalidade, e o causador é de origem desconhecida.
O assassinato do rei Henrique VI foi a mando de Edward IV. Várias pessoas foram vistas na noite do crime entrando e saindo da torre, e não se tem certeza e nem provas que foi pelas mãos de Ricardo, que na época tinha 18 anos, que o rei foi executado. Porém mesmo que o ato que tirou a vida do rei Henrique VI tenha vindo das mãos de Ricardo, ele não pode ser condenado pelo crime, pois estaria apenas seguindo uma ordem do rei.

-O assassinato do lorde Hastings.
Não existem provas que Lorde Hastings foi morto antes de ser julgado como traidor, porem é certo de que ele estava conspirando contra Ricardo e obstruindo a justiça, por causa de sua amizade ao rei Edward IV e sua esposa Elizabeth Woodville. Hastings estava tentando fazer com que as provas de um prévio casamento de Edward IV não fossem levadas em consideração. Esse documento provaria que o rei era bígamo e, portanto, faria com que seus filhos e herdeiros do trono fossem considerados bastardos.

-O assassinato ou o mandado de assassinato aos dois príncipes herdeiros presos na torre.
Devido à prova de bigamia do rei Edward IV, Richard foi coroado rei da Inglaterra e os filhos do casamento de Edward com Elizabeth haviam sido considerados bastardos, o que tiraria o direito deles de ascensão ao trono.
O corpo dos príncipes nunca foi encontrado, isso quer dizer que eles podem ter sido retirados da torre em segurança. Elizabeth, a mãe das crianças mortas, era uma mulher considerada inteligente e astuta. Será que se ela tivesse a menor desconfiança de que Ricardo III teria sido o responsável pela morte de seus dois filhos, ela deixaria sua filha Elizabeth de York se casar com o assassino de seus irmãos?

-O envenenamento de sua esposa, Anne Neville, para poder se casar com sua sobrinha.
Richard e Anne se casaram quando ele tinha 20 e ela 16 anos. Não se sabe se esse casamento foi fruto de um amor verdadeiro, porém a verdade é que todas as provas encontradas mostram que eles tinham uma vida conjugal pacífica e, até aonde se sabe, contente. Juntos eles tiveram um filho, Edward, que veio a falecer durante a infância. Após a morte de Edward a saúde de Anne se deteriorou, até que em março de 1485 ela veio a falecer, provavelmente de tuberculose.

-Ricardo traiu seu irmão o Rei Edward IV.
Nunca. Todas as provas históricas mostram que Ricardo sempre foi extremamente leal ao seu irmão mais velho. Muitos historiadores dizem que Ricardo via seu irmão Edward como figura paterna e que em todas as ocasiões, Ricardo era sempre o primeiro a apoiar sem contestar as atitudes de seu irmão.

- A Rainha Margaret teria pessoalmente culpado Ricardo pela morte do marido e do filho e o amaldiçoado.
Margaret foi aprisionada na batalha de Tewkesbury por quatro anos e após liberada, foi para França onde morreu em 1482, fazendo com que ela não tivesse participação nenhuma na história real de Ricardo III. Seu personagem foi provavelmente colocado na peça para dar mais ênfase ao melodrama, ao confronto e ao misticismo, pois seu papel na obra é de amaldiçoar todos os personagens responsáveis pela morte de seu marido e filho.

A peça, mesmo mostrando fatos não reais ou sem fundamentos concretos contra Ricardo, não é baseada apenas na imaginação de Shakespeare. Como a maioria dos candidatos e almejantes ao trono durante o período medieval, ele teve que lutar pelo poder, fazer alianças, conspirações, traições, assassinatos, e foi provavelmente responsável por muitos outros crimes assombrosos. Após esses pequenos esclarecimentos sobre a pessoa de Ricardo III, eu me sinto mais a vontade de comentar as duas peças sobre o assunto.

Ricardo III: a versão de Jô

A tradução de Ricardo III por Jô Soares é fiel ao texto escrito por Shakespeare, porém exclui a presença física de vários personagens que poderiam ter feito à peça um pouco mais clara para espectadores que não tem conhecimento prévio ou referências sobre a história.
A adaptação para o palco é um show, com uma iluminação e trilha sonora incrível, além do figurino ser de muito bom gosto. O cenário é simples e, ao mesmo tempo, maravilhoso, contando com o bônus de ser muito bem aproveitado pelo diretor.
A montagem, que utiliza todo o palco, faz com que a movimentação dos atores tenha um fluxo bárbaro, principalmente a de Marco Ricca, que interpreta o protagonista. A construção e o aproveitamento do cenário dão ao ator a liberdade de mostrar um Ricardo maquiavélico e bisbilhoteiro, que espera nos cantos inferiores e superiores do tablado para causar intriga.
Denise Fraga interpreta a rainha deposta Elizabeth Woodville, uma mulher ambiciosa que mesmo sofrendo com a perda do marido e de seus dois filhos, continua disposta a quase tudo para manter sua colocação dentro da realeza. Glória Menezes interpreta a duquesa de York, a mulher que carrega o fardo de ter parido Ricardo, o causador de tanta dor e desgraça. A peça mostra claramente a força dos personagens femininos, que exercem papéis chaves nessa trama.
Jô Soares que, como poucas pessoas no Brasil, têm perfeita fluência em inglês, conseguiu também traduzir o lado sarcástico e humorístico das falas escritas por um Shakespeare jovem, cheio de energia e criatividade. Essas falas fazem com que Ricardo III às vezes, ao invés de parecer um monstro frio e cruel, seja retratado como engraçado e bonachão, o que leva o público muitas vezes a gargalhadas.

Ricardo III: a versão de Lage

A versão de Ricardo III, dirigida por Roberto Lage (que infelizmente saiu de cartaz no dia 29/10), possui uma montagem independente, com um tablado pequeno, sem as regalias que um bom patrocínio pode fornecer. A peça é menos pomposa, porém cheia de criatividade e vida.
O espaço foi brilhantemente aproveitado: painéis se movem, escadas levam e trazem personagens e a divisão frontal do cenário, que cria três áreas para a movimentação dos atores, acredite ou não, traz toda a dimensão física que essa peça precisava.
O elenco foi muito bem escolhido e dirigido, muito dedicado a expor com detalhes a história sobre a ascensão do Duque de Gloucester a Ricardo III, de uma forma mais clara, usando menos poesia, com mais personagens e mais texto, favorecendo aos expectadores mais leigos. O elenco conta com Celso Frateschi como Ricardo III, que também é o adaptador do texto. Frateschi trouxe para o palco um Ricardo egocêntrico, às vezes sorrateiro e ponderado, outrora imponente, frio e atormentado.

E finalmente o veredicto

Nenhuma das duas montagens explorou a mente de Ricardo a fundo, como ser humano, algo que poderia ter sido um bônus para uma montagem atual de um trabalho escrito a centenas de anos atrás. Porém, é sempre bom poder assistir a um clássico com adaptação fiel ao texto original. A linha tradicional de montagens de peças Shakespearianas, vão sempre trazer ao palco personagens com uma profundidade e complexidade que nenhuma montagem adaptada, fora do que foi escrito por Shakespeare, pode trazer.
Finalmente, ter as duas adaptações de Ricardo III sendo exibidas em dois teatros em São Paulo ao mesmo tempo foi um presente ao público que teve a oportunidade de poder ver a interpretação e montagem de uma mesma peça por duas pessoas diferentes, atuadas de maneira única por cada um dos profissionais que interpretaram os mais diversos personagens em ambas as montagens.
Autor: Adriana Zimbarg


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