POR QUE SEU EMPREGO PODE ESTAR EM PERIGO



Reportagem da Revista Você S.A. / Maio de 2000.

As pessoas muitas vezes não são demitidas pelos motivos que imaginam. Conduta, hoje, pesa mais que desempenho

Por Marcos Gusmão

Você tem idéia de quais são os verdadeiros motivos pelos quais alguém considerado competente pode perder o emprego de uma hora para outra? Se estivéssemos falando de um profissional despreparado, incapaz ou mal-educado, seria fácil dar um palpite certeiro sobre o porquê de uma demissão. Se a empresa no momento da demissão passasse por um processo de redução do quadro de funcionários, também seria simples entender o que aconteceu. Mas e o nosso profissional de primeira linha? Por que, com mais freqüência do que se supõe, ele tem seus serviços dispensados? Como é que alguém com um bom currículo e uma boa performance pode ser mandado embora?

Descarte demissões por justa causa e os outros motivos citados anteriormente. Estamos falando de alguém aparentemente habilitado para sua função, cumpridor de suas obrigações e com a constante preocupação de se manter atualizado. Ou seja, alguém com a empregabilidade em alta. O que pode atingir essa pessoa? Ou pior: como você, mesmo se preparando como manda o figurino, pode se ver na rua da noite para o dia? Resposta: tendo problemas de atitude. Ou, de forma mais simples, se comportando mal.

VOCÊ s.a., em parceria com a consultoria Saad-Fellipelli, promoveu uma pesquisa para buscar essa explicação. Descobrimos que 87% das organizações consultadas estão dispostas a abrir mão de profissionais competentes por questões comportamentais. Não apenas estão dispostas: elas têm, mesmo, feito exatamente isso. Estamos falando de grandes empresas como a montadora Renault, o banco Merrill Lynch, a Dow AgroSciences, do Grupo Dow Química. Essas e muitas outras companhias mandam as pessoas embora por causa de suas atitudes, postura e modo de proceder. É um alerta importante, pois a maioria das pessoas pensa que perde o emprego por quaisquer motivos que não esses. Nosso levantamento revela que 61% dos profissionais ouvidos têm a sensação de que são demitidos porque não são competentes, têm falhas no currículo ou não se mantêm atualizados.

Foram ouvidas 522 empresas, sendo 63% delas multinacionais e a maioria com faturamento acima dos 100 milhões de reais por ano. A amostra é bastante significativa, também, porque 75% das empresas têm uma incidência de uma a cinco demissões por mês. Ou seja, elas não estão falando em tese - estão dizendo como procedem na vida real. As organizações tiveram de dizer por que elas demitem. E disseram - sem nenhum constrangimento, porque não precisaram se identificar. (A experiência tem mostrado que nem sempre as organizações abrem o jogo quando é preciso falar publicamente.) A pesquisa também questionou 699 profissionais, grande parte do eixo Rio de Janeiro - São Paulo, sobre o que pode provocar suas demissões. Cerca de 30% deles ocupam cargos de supervisão ou coordenação; em torno de 46% estão nos níveis de gerência, alta gerência e diretoria; mais da metade das pessoas já havia sido demitida mais de um vez; e apenas 14% nunca sentiram o gosto amargo de um desligamento. O levantamento foi concluído no mês passado e, de certa forma, é surpreendente. As empresas estão dando, hoje em dia, um peso enorme a aspectos subjetivos da vida profissional.

Seu temperamento, suas atitudes, sua maneira de se relacionar e de liderar pessoas são atualmente fatores cruciais para a empresa decidir ou não pelo rompimento do contrato de trabalho. São, portanto, itens essenciais para qualquer um se manter empregado. É lógico que existem outras considerações importantes, como a idade do profissional, a falta de resultados ou a ausência de conhecimento e preparo. Na verdade, a demissão costuma ser um somatório de vários aspectos. A novidade aqui é que as organizações, recentemente, passaram a dar um valor bem maior a tudo o que diz respeito à maneira como você se conduz como ser humano. Elas estão de olho nas suas características pessoais e não simplesmente nas profissionais. Por isso, apenas 13% das empresas dizem que dispensam as pessoas influenciadas exclusivamente pela sua falta de conhecimentos e habilidades específicas, experiência profissional e pouca preocupação com atualização técnica.

Mas por que essa novidade agora? Por que o comportamento passou a ser tão crítico na avaliação de um profissional? Porque as empresas estão acreditando, cada vez mais, que são as nossas atitudes, a nossa postura e a nossa forma de agir que, na prática, fazem diferença. "Os profissionais estão ficando muito parecidos do ponto de vista técnico", diz José Augusto Minarelli, da Lens & Minarelli, consultoria especializada em recolocação de executivos com sede em São Paulo. "O que vai diferenciar, mesmo, um profissional do outro é a pessoa que cada um é." De maneira geral, muita gente - cada vez mais - pode ter um currículo de alto nível. Um MBA, mesmo em universidades de primeira linha no exterior, há muito deixou de ser uma raridade, e tende cada vez menos a ser. Com dinheiro e aplicação aprende-se o segundo ou o terceiro idioma. A aquisição de conhecimentos, o acesso a treinamento, o desenvolvimento de técnicas ou capacidades são mais disponíveis, hoje, do que em qualquer outra época. Mas, se você tiver tudo isso e se comportar de forma destoante do resto da equipe ou demonstrar uma conduta negativa, talvez não haja espaço para usar todo esse conhecimento acumulado. E destoar, aqui, não significa se comportar de maneira errada. Você pode ser alguém tranqüilo, superzen, mas, se a maioria das pessoas na empresa não for dessa forma também, você tem um problema. Estará destoando, e isso incomoda os colegas de trabalho. É para essa lógica que as empresas estão despertando ultimamente. E é exatamente por isso que está mais do que na hora de você também acordar para essa necessidade - se ainda não o fez. Pois bem, corra que ainda há tempo porque existe uma legião de profissionais se preocupando em ser apenas bons profissionais, em vez de ficar apreensivos também com suas atitudes e postura no trabalho.

É simples entender a razão pela qual nem sempre as pessoas notam a importância de ter empatia, de ser simpáticas e de saber se comunicar bem. Alguém com essas características pessoais pode ser tachado de político, de bajulador ou de bonzinho dentro das companhias. E isso acontece, muitas vezes, porque estamos tratando de fatores aparentemente imensuráveis. É complicado avaliar o quanto eles pesam no sucesso profissional de alguém. Pior ainda quando queremos avaliar o quanto influenciam na demissão. É por isso que erramos ao considerar os aspectos mais concretos da vida profissional - deficiências como o não-domínio de um idioma, por exemplo - os vilões das histórias de desligamento. Enquanto pensamos isso, 66% das empresas afirmam que a deficiência em um idioma, salvo em casos específicos, não serve de justificativa para mandar alguém para a rua.

Nem mesmo nos setores tecnicamente mais exigentes as coisas funcionam como muita gente imagina. No famoso Bell Labs, o centro de pesquisa fundado por Graham Bell, os engenheiros mais valorizados não costumam ser os que têm Q.I. mais alto ou boa pontuação nas avaliações de desempenho. Isso é condição fundamental para entrar na equipe, é claro. Mas ali, no berço de vários prêmios Nobel, os profissionais se destacam pelo seu relacionamento, empatia e capacidade de persuasão - e ainda por obter consenso entre as pessoas de uma mesma equipe de trabalho. Por isso, precisamos admitir que um número muito grande de profissionais pode mesmo não estar fazendo a coisa certa se o objetivo é cuidar bem da carreira. Não dá mais para se importar só com o você-profissional.

O engenheiro Ricardo Lima sempre acreditou que por dar excelentes resultados estava ileso de receber um bilhete azul. Pelo menos acreditou nisso até o fim do ano passado. Ricardo é daqueles profissionais aos quais nos referimos no início desta reportagem. Ele tem um currículo de primeira, com cursos nos Estados Unidos e na Europa. Já mostrou sua competência em várias empresas nos seus 12 anos de carreira. É jovem - 35 anos - e tem disponibilidade para viajar. Mesmo assim foi demitido. Ele trabalhou durante dois anos na Pillsbury, empresa de alimentos do grupo britânico Diageo. Estava lá desde a chegada da empresa ao Brasil. Fez parte do primeiro time de funcionários e chegou a diretor de logística. Lima cuidava principalmente da distribuição dos produtos da marca Frescarini. Tudo ia bem até que seu superior resolveu mexer na equipe contratando vários profissionais procedentes da Gessy Lever. Nada de errado nisso. "Mas de repente meu comportamento passou a destoar do restante da equipe", lembra Lima, que é uma pessoa educada, afável, sem dificuldades aparentes de relacionamento.

Aí veio uma avaliação de desempenho e seu chefe reclamou de "problemas de comunicação". "Ele dizia que não conseguia entender mais minhas apresentações porque não eram iguais às dos meus novos colegas de escritório", afirma Lima. Seu desempenho estava em dia. Seu currículo, para lá de o.k. Mas havia essa queixa sobre sua maneira de se comunicar - e até de falar. Foram 4 horas de reunião lavando a roupa suja com o chefe. No fim, não houve jeito. Ricardo teve de sair da Pillsbury. Hoje, após quatro meses de um processo de outplacement, ele colocou sua carreira no rumo certo. É diretor de projetos da empresa de logística Miebach. E toca toda a reestruturação da logística da Light, que cuida da eletricidade do Rio de Janeiro. "Agora dou mais importância a como sou visto e avaliado como pessoa dentro do trabalho", diz ele.

Como saber reconhecer se o seu lado pessoal, e não o profissional, não está agradando? Diariamente, seu chefe, seus colegas e seus clientes dão sinais, uma espécie de feedback informal. É necessário, contudo, estar bem atento ao que eles indicam. E nunca, nunca mesmo, considerar que são comentários bobos, pessoais, sem importância para sua carreira. A maioria dos consultores considera que você está sob risco quando de repente deixa de participar de reuniões importantes. Ou não é mais convidado para aquele cafezinho no final da tarde. Ou se as pessoas dedicam menos tempo a conversar com você. Na verdade, cada um sabe - ou deveria saber - quando suas atitudes deixaram de ser bem-vistas.

O temperamento e outras características individuais inerentes à personalidade são parte legítima da qualificação de qualquer profissional. Isso tem de ficar bastante claro na sua cabeça daqui para a frente, seja você um médico, um advogado, um engenheiro ou qualquer outra coisa. "Quem você é como pessoa, e não como profissional, representa o modo como se empenhará no trabalho e pelo trabalho", diz o consultor norte-americano William Bridges. Por isso, a preocupação com os fatores mais subjetivos de sua carreira tem aparecido não só na hora de avaliar se você deve ou não continuar no emprego. As organizações também estão olhando para isso antes mesmo de contratar. No banco Merrill Lynch os valores humanos e as atitudes dos funcionários têm praticamente o mesmo peso que suas qualificações técnicas no processo de seleção. "Buscamos profissionais com temperamento diferenciado", explica Cristina Aiach Weiss, vice-presidente de RH da instituição. "Adotamos essa estratégia porque o banco contrata pessoas e não o que geralmente chamamos de profissionais."

Segundo Cristina, tanto o banco como outras empresas já perceberam que dá para resolver uma falha aqui, outra acolá no currículo de uma pessoa. Não é motivo de desespero se há alguma deficiência em seu leque de qualificações. As organizações gastam milhões e milhões todos os anos em treinamentos exatamente com o objetivo de corrigir essas lacunas. "Por outro lado, poucas empresas estão dispostas a manter alguém superbem qualificado se seu comportamento é inconveniente", garante Cristina. Como se observa, não existe muita escapatória. Tudo sobre você e em você é avaliado e apreciado com cuidado. Por quê? Porque tem um impacto enorme na sua carreira e, conseqüentemente, no seu desempenho profissional. Nos Estados Unidos, pouquíssimos executivos têm visto seus empregos fugir por causa de deficiências na formação acadêmica. O problema lá também é comportamental. Em outros países é igualmente assim. Por isso há tantos consultores e livros frisando a importância de o profissional se desenvolver também como indivíduo.

Foto: Raul Junior
Autor: Claudia Carla de Azevedo Brunelli Rêgo


Artigos Relacionados


A Importancia Do Profissional Bilingue No Mercado De Trabalho

Abra Sua Mente: Aceite Sugestões

Insucesso Profissional: 87% Das Pessoas São Demitidas Por Problemas Comportamentais

É O Fim Da Picada...

Marketing Pessoal - Um Bom Profissional Com Uma Boa Imagem

Demitir Com ética

Temos Vagas, Não Temos Trabalhadores.