Resenha da obra Constituição, Criminalização e Direito Penal Mínimo, de Janaina Paschoal



A autora Janaina Paschoal teve como tema da sua tese de doutorado a questão abordada na obra "Constituição, Criminalização e Direito Penal Mínimo", e segundo o ilustre doutrinador Miguel Reale Núnior ela conseguiu quebrar a unanimidade a respeito do elenco de bens jurídicos que estão presentes no texto constitucional, aprofundando vários problemas como a da suposta inconstitucionalidade da lei descriminalizadora de norma penal editada em
cumprimento de mandamento constitucional.

Não há como falar em correta aplicação do Direito Penal sem se levar em conta a Constituição Federal, as regras, os tipos penais, devem estar em perfeita sintonia com as diretrizes traçadas pela Carta Magna, no entanto, a autora aprofunda o pensamento desta relação existente, contestando, inclusive a forma como a Constituição de 1988 é criminalizadora quando observados princípios básicos do Direito Penal, haja visto tratar-se a carta mãe da lei maior à qual todos os regramentos devem seguir, e que muitas vezes acaba servindo de escopo para intervenção estatal desmedida.

A respeito do bem jurídico penal, a autora tece considerações sobre o pensamento de diferentes estudiosos que na história desenvolveram teorias que fossem capazes de delimitar o grau de intervenção do Estado detentor da função garantidora de proteção da sociedade, ou seja, do bem jurídico. Nesse sentido aduz de forma coerente que a norma penal deve ser cumprida com o fim de garantir a proteção do bem jurídico em geral, e não só do mais importante à sociedade, pensamento este trazido pelos estudiosos funcionalistas, mas obviamente se atentando mais enfaticamente ao pressuposto básico do ordenamento jurídico, que
nada mais é que o direito a dignidade humana.

A autora chama atenção do leitor quanto à importância do fato de que é preciso que o Estado não leve em conta o poder que detém nas mãos de aplicação do regramento jurídico como forma de exploração do indivíduo no que diz respeito à proteção do bem jurídico.

É o Estado que detém o poder de aplicação das leis, e ao homem, como ser social, cabe o dever de obedecer essas leis, de forma a não transgredir aquilo que venha a ser considerado como crime, que é salientado no Direito Penal pelos tipos penais, tanto é que o Código Penal Brasileiro não traz em seu corpo aquilo que "não" se deve fazer, mas sim traz o que pode acontecer ao marginal, por exemplo, quando furta a bolsa de uma velhinha no meio da rua. Isso é a funcionalização da qual a autora se refere na primeira parte de seu livro, ao abordar a questão do bem jurídico penal, pois se trata da eficácia da aplicação normativa, a busca pelo controle adequado, utilizando meios corretos, de forma eficiente. Assim, chega a comentar que o mal de um homicídio não é o cadáver, mas sim o ataque do autor à vigência da norma que proíbe matar, aduzindo que a pena serve para estabilizar expectativas (p. 41).

Apesar de ter um cunho bastante histórico com várias citações de diversos autores famosos, a autora consegue trazer de maneira bastante fácil os principais pontos acerca da matéria sob estudo, tanto que acaba aludindo a respeito dos demais autores de forma bastante observadora.

Admiradora de Miguel Reale Júnior, expõe ser ele o maior representante da concepção material de delito, da busca dos bens jurídicos penais existentes dentro da sociedade, e afirma ainda que desde os primórdios a busca incessante pelo correto conceito de bem jurídico penal traz a idéia de forma geral de limitação do poder de punir por parte do Estado, levando-se em conta a subsidiariedade, fragmentaridade e lesividade, princípios que fazem surgir a noção de que nem tudo dentro da sociedade pode ser considerado bem jurídico penal, mesmo que seja tutelado, sendo que o bem jurídico em si serve mesmo como fonte limitadora de atuação do Estado. Essa é a conclusão a que chegam os defensores das teorias institucionalistas, que ao analisarem, inclusive a perspectiva material incubem aos legisladores a identificação do bem jurídico penal, devido à necessidade do seu reconhecimento nas leis.

Com relação às teorias constitucionalistas, apesar de também buscarem a limitação do poder punitivo estatal, mostra-se que é através do texto da Constituição Federal que esperam limitar a criminalização, levando-se em conta os valores constitucionais e os direitos fundamentais garantidos pela Carta Mãe em relação ao Direito Penal. Dessa forma aduz que é possível deduzir que, enquanto o constituinte busca os bens jurídicos penais na sociedade, o legislador os retira da Constituição (p. 49).

Sem dúvida alguma é importante levar-se em conta os valores sociais ditados pela Constituição na aplicação da norma penal, a exemplo da própria liberdade do homem, que é o valor assegurado pela constituição que serve como meio de penalização ao indivíduo que comete delitos de vários tipos, infringindo a dignidade penal, ou seja, atentando à tutela de determinado bem da sociedade.

Esse bem, para estes defensores da teoria constitucionalista integram a ordem constitucional, relevantes que são para a conservação do convívio social saudável. Segundo a autora coloca, as teorias anteriores à constitucionalista não se preocupavam com o que viria a "ser" o bem jurídico penal, mas sim "onde" se encontravam, sendo que o legislador era quem escolheria o bem a ser protegido pelo Direito Penal.

No entanto, tantos os funcionalistas como os constitucionalistas defendem que o bem jurídico tem a função limitadora de atuação do Estado. Assim sendo, a Constituição seria um limite "negativo" do Direito Penal, que proíbe certas condutas, de acordo com autores como Pietro Nuvolone, Marcello Gallo entre outros. Mas dentro da concepção da teoria constitucionalista também existem os defensores do limite "positivo" que a Constituição pode impor ao Direito Penal: "... para a máxima intervenção estatal ser admissível, não basta que a lei penal não entre em conflito com a Constituição, devendo, necessariamente, recair sobre condutas que firam os valores de relevância constitucional" (p. 59).

Em que peses a singularidade da obra, rica em doutrina e fatos históricos, a autora afirma que a Constituição exerce uma limitação "positiva" sobre o Direito Penal, limitando a tutela penal aos bens que são fundamentais à sociedade, ou seja, que estão presentes, na maioria das vezes, no texto constitucional, a exemplo dos direitos fundamentais garantidos pela Carta Magna.

Além de se ater a fatos históricos, sem dúvida a obra é muito rica de comentários a respeito do cotidiano, como quando a autora comenta a respeito da necessidade de se ouvir os meios de comunicação para se poder observar a garantia que deva ser dada pela Constituição a um determinado bem através da criação de uma lei penal para tutela-lo, servindo a Lei Maior não como limitadora do direito de punir, mas sim como legitimadora da eficácia da intervenção punitiva. Ou seja, realizar o ideal de um Direito Penal Mínimo, o qual não se possa conviver com a Constituição que traga necessidades automáticas de criminalização, mas sim merecedoras de tutela.

Já quase no final da obra, no quinto capítulo, observa-se evidenciada a obrigatoriedade de criminalização que resulta da tomada da Constituição enquanto fundamento do Direito Penal, quando, como expõe a autora, tanto o bem jurídico quanto as teorias adotadas constitucionalistas servem como limite ao referido direito. Limite este dado pela possibilidade de intervenção estatal quando necessária para garantir ao indivíduo a proteção adequada dentro do convívio social.

Dessa forma, recomenda-se a leitura da obra por todos os profissionais e estudantes que labutam com o direito, haja vista a concisa investigação realizada da medida a que o Estado social e democrático deve limitar as ações da sociedade, observando-se os princípios básicos da Constituição Federal. Porém não apenas se reconhecendo o bem jurídico a ser tutelado, mas principalmente se há a real necessidade de proteção para aquele bem. E como conclui a autora: "... em um Estado social e democrático de direito, o legislador sabe o máximo a que pode chegar, não existindo, no entanto, um mínimo previamente determinado" (p. 148).
Autor: Silvana Aparecida Wierzchón


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