Recorte Histórico e Políticas para a Educação Infantil no Brasil



O referencial histórico e o suporte legal que fundamentam esta pesquisa foram abordados em estudo anterior publicado sob o título “O pré-escolar, um estudo de leis e normas oficiais” (SCHULTZ, 1995). Outros mais recentes permitem uma reflexão sobre a importância, pertinência e necessidade de garantir a especificidade da Educação Infantil, porque o período de desenvolvimento relativo à faixa etária de zero a 6 anos é, reconhecidamente, fundamental para o desenvolvimento humano. Conseqüentemente, a educação proporcionada também o é. Neste trabalho procuro situar a Educação Infantil em
face das relações de construção social como aspecto relevante na determinação da situação
específica da criança levando em conta estas relações como determinantes da configuração
da escola que atende a essa criança.
UM RECORTE HISTÓRICO
Uma incursão pela história da educação permite afirmar que, nos países desenvolvidos, a escola maternal de Educação Infantil já existe há muito. Surgiu na Europa (século XVIII), como imperativo da Revolução Industrial, com finalidades assistenciais, tais como atender órfãos, famílias pobres, filhos de operários, crianças abandonadas.
Na Escócia o industrial Owen, por volta de 1816, instituiu Creches para os filhos de suas operárias, com características filantrópicas. Owen teve uma visão de que este tipo de assistência18 aumentaria a produção de suas fábricas (LOURENÇO FILHO, 1959). As idéias de Owen espalharam-se pela Inglaterra e foram enriquecidas por suas viagens ao continente onde pôde conhecer outras propostas, entre elas a obra de Pestalozzi e Fellemberg na Suíça. A idéia, então, transladou-se para a França e para a Alemanha (ROSEMBERG, 1994). Segundo Lourenço Filho (1959), na Inglaterra e na França, a experiência foi de cunho assistencialista voltada para a solução de problemas sociais, enquanto na Alemanha, com Froebel (1937), teve características pedagógicas. Esse teórico estabeleceu o primeiro Jardim da Infância em 1894, em Blankenburgo, no qual pretendia “introduzir verdadeiras horas de trabalho manual na educação das crianças” (KUHLMANN, 1998, p. 115), para evitar que nelas surgissem a preguiça e a indolência e para promover nas meninas o gosto pelas tarefas caseiras, como bordar, costurar, arrumar a casa. A literatura existente mostra que a preocupação com a criança tem crescido ao longo dos tempos em intensidade e amplitude e são expressas de várias maneiras. Entre elas, Kuhlmann (1998) destaca a realização de 16 congressos internacionais sobre a infância de 1882 até 1922 por toda a América do Sul. A partir do Congresso de 1924, realizado em Santiago, esses eventos passaram a denominar-se “Congresso Pan-Americano da Criança.”
Nos Estados Unidos, nos anos de 1920, surgiu um movimento relativo à Escola
Maternal com um sentido peculiar de atender à faixa etária dos três aos cinco ou seis anos.
Esse movimento seguia os princípios preconizados pelas escolas infantis do século XIX
(OWEN, apud LOURENÇO FILHO, 1959; FROEBEL, 1937, MONTESSORI, 1909, DEWEY, 1980). A
orientação era de tendência psicológica e não previa a guarda da criança em tempo
integral. Este movimento opunha-se à permanência da criança fora do convívio materno por longos períodos, como ocorria nas creches. O seu objetivo não era de apoio à família, e
ao trabalho feminino, mas sim o de ‘resguardar as funções normais de um lar
normal’ (ROSEMBERG, 1998, p. 52).
Os dicionários definem “assistência” como proteção, auxílio no sentido geral, e a expressão “assistência pública” como serviços gratuitos de natureza diversa, prestados pelo Estado aos membros da comunidade social. No presente trabalho, o termo é empregado no sentido de auxílio caritativo, gratuito, que caracteriza várias ações relativas ao atendimento prestado à infância, quer por parte do Estado, quer de particulares. As situações características ocorridas após a I e a II Guerras Mundiais foram marcos importantes, ainda que diferentes, na intensificação do atendimento à infância tanto na Europa (WINNICOTT, 1999c) como nos Estados Unidos. Nos Estados Unidos, na década de 1960, verificou-se uma preocupação maior com a criança de zero a 6 anos, caracterizada pelo aparecimento de vários programas, dos quais talvez o mais conhecido seja o programa Head Start in Action, de educação compensatória, com a finalidade de eliminar a miséria dos Estados Unidos da América do Norte (RILEY, 1970) e melhorar os limitados resultados da aprendizagem da população carente, para que esta pudesse acompanhar a evolução tecnológica notadamente o progresso da informática (FERRARI E GASPARY, 1980). Também confirma a preocupação com a criança, a Declaração Universal dos Direitos da Criança, com recomendações sobre a educação que antecede a idade escolar, votadas por ministros de 88 países, reunidos pelo Comitê Internacional de Educação (LEBERT, 1976). A proclamação do Ano Internacional da Criança, em 1979, quando a UNESCO apresentou projetos com propósitos de proporcionar atenção especial ao pré-escolar também confirma esta preocupação com a infância.
Uma pesquisa recentemente realizada por Rosemberg e colaboradores (1998) apresenta uma visão da Educação Infantil nos Estados Unidos. A autora ressalta a ausência de uma política nacional para essa faixa etária que antecede a escolarização. Inexiste, também, uma legislação federal de amparo à mulher, na forma de licença maternidade. Apenas 40% das mulheres americanas têm esta prerrogativa, concedida pelo sistema estadual e não federal. Talvez por tratar-se de uma confederação e não federação, não há uma rede ou órgão federal ou estadual, que coordene as atividades de Creche, entendida como a instituição destinada a crianças recém-nascidas até a idade escolar (zero a 5 ou 6 anos).
O sistema norte-americano oferece um ano de Jardim de Infância, integrado à escola oficial, que, no entanto, é opcional para a família da criança. A Educação Infantil na América do Norte é realizada pela iniciativa privada mediante subsídios governamentais
(federal, estadual ou municipal), de uma forma descontínua, privilegiando a demanda e
alimentando a segregação social e racial. As Creches coletivas ou familiares muitas vezes
funcionam na clandestinidade, respondendo, no entanto, por qualquer dano ao usuário. A mídia, como forma de controle social, exerce estreita vigilância, o que estimula os registros
burocráticos necessários do estabelecimento e de seus profissionais. Mas mesmo assim as Creches não são consideradas áreas de magistério e seus funcionários não precisam de formação pedagógica. Segundo Rosemberg (1998), no entanto, a discussão da qualidade do
atendimento à pequena infância é cada vez mais presente na sociedade, com relação à
profissionalização dos cuidadores ou crecheiras (nomenclatura local) e a detalhes do
cotidiano da Educação Infantil, em contraste com a falta de uma política global que
normatize as ações nessa área. As mudanças que ocorreram nos últimos anos na organização das famílias norteamericanas são dramáticas como também no restante do mundo. A participação das mulheres na força de trabalho tem aumentado muito, com significativa participação de brancas, da classe média, o que não acontecia anteriormente, acarretando a retomada da discussão sobre políticas sociais. Rosemberg (1998, p. 35) detectou nas estatísticas que 56% das mães com filhos menores de 6 anos trabalham fora; 10, milhões de crianças com menos de 6 anos são filhas de mães que trabalham fora. Além
disso, mesmo mães tendo bebês de até um ano de idade participam intensamente
no mercado de trabalho. Em 1987, mais da metade das que tinham bebês de até um ano exerciam ocupações profissionais fora de casa. Conclui-se então que 20% das crianças americanas com menos de três anos e 70% das de três a cinco anos freqüentavam creches ou pré-escolas. Autores americanos como Tobin et alii, citado por Rosemberg (1998) apontam que as Creches constituem o fator de equilíbrio das famílias americanas, defendendo essas instituições que muitas vezes foram acusadas pela sociedade de ameaçar a estabilidade familiar. Os estudos sobre a Educação Infantil na Europa e nos EUA tornam visíveis, nestes contextos, a evolução da relação mãe/filho. Nos Estados Unidos, esta evolução, de certa forma, herança inglesa, começa a ser percebida na virada dos séculos XVIII/XIX. Assim verifica-se que o cuidado com a criança na sociedade americana oscilou entre uma atitude liberal e outra, repressiva/opressora.
Com características diferentes, a saber, de contenção da pobreza; de compensação
de carências físicas, nutricionais, intelectuais, afetivas, socioculturais; de antecipação da
escolaridade; de filantropia, de assistencialismo, como forma de minimizar a mortalidade
infantil, entre outros surgiram e se desenvolveram em outros países da América as instituições de acolhida da criança. Estas instituições passaram, ao longo do tempo, por
fases de declínio ou de expansão dependendo dos interesses econômicos políticos e sociais
de cada momento, mascarados às vezes por determinantes de linhas psicológicas, psiquiátricas, psicanalíticas, cognitivas, interacionistas, construtivistas ou outras.
Autor: Anderson George


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