A SOCIEDADE POR QUOTAS DE RESPONSABILIDADE LIMITADA NO NOVO CÓDIGO CIVIL



1. HISTÓRICO

A Sociedade Limitada foi criada a partir da necessidade de um tipo societário simples, mas com a limitação de responsabilidade inerente às sociedades anônimas.
Logo após a revolução Industrial, os comerciantes se encontravam em situação difícil, pois, para instituírem uma empresa, possuíam como opção a sociedade por ações - que apesar de limitar a responsabilidade dos sócios também limitava a sua atuação pessoal-, e a sociedade de pessoas, que permitia uma atuação muito mais efetiva, mas que, por outro lado, trazia a responsabilidade ilimitada e solidária dos sócios.
Tal quadro dificultava muito e às vezes até impedia a criação de novas sociedades, atrapalhando o desenvolvimento das cidades e criando enorme descontentamento, principalmente entre os pequenos e médios comerciantes.
De acordo com NELSON ABRÃO, em tal época “Impunha-se a criação de um tipo societário que representasse uma solução conciliatória, isto é, que aliasse a vantagem da responsabilidade limitada à facilidade de criação e funcionamento”.[1]
Assim sendo, pode-se entender o motivo pelo qual a Sociedade Limitada não surgiu apenas a partir de contingências sociais, políticas e econômicas, como na maioria dos outros tipos societários, mas sim de prévio estudo e conseqüente elaboração legislativa.
2. O SURGIMENTO DA SOCIEDADE LIMITADA NO DIREITO ESTRANGEIRO
A primeira Lei de Sociedades Limitadas a ser sancionada no mundo foi a alemã, em 20 de abril de 1892, pois, com a Revolução de 1870, tornou-se fundamental a existência de um tipo de sociedade menos formal, onde a responsabilidade dos sócios fosse reduzida à sua contribuição.
Segundo SYLVIO MARCONDES, tal Lei tinha como características principais a
“simplicidade e liberdade de constituição, base financeira menos rígida, permitindo nos estatutos a obrigação para os sócios de quotas suplementares proporcionais às de capital, as quais podem ser de diferentes valores, desnecessidade de Conselho Fiscal e de Assembléias Gerais, dispensa de publicação de balanço, exercício da gerência pelos sócios (...) restrição à circulação de quotas sociais – que não podem ser cotadas em Bolsa e somente são transferíveis mediante ato judicial ou notarial – e, tendo em vista o interesse dos credores, a obrigação em responder pelas quotas subscritas por consócios insolventes”. [2]
Pouco tempo depois, no ano de 1901, em Portugal, surgiu a Lei das Sociedades por Quotas de Responsabilidade Limitada, que apesar de influenciada pela lei alemã, trouxe alguns novos dispositivos que a diferenciavam, como, por exemplo, a introdução do termo “quota como significativo de fração do capital”. [3]
O terceiro país a legislar sobre as Sociedades Limitadas foi a Áustria, em 1906, divergindo da Lei Alemã, uma vez que trazia modificações substanciais em relação a esta.
Em seguida à Lei Austríaca, pode-se verificar o surgimento da Lei Inglesa, portanto a quarta Lei a ser sancionada no mundo a respeito de Sociedades Limitadas.
Na Inglaterra, a Revolução Industrial e a Política de Colonização fizeram com que o comércio se desenvolvesse intensamente, colocando os pequenos e médios comerciantes, como no restante do mundo, em dificuldades, uma vez que não havia na legislação um tipo societário que atendesse às suas necessidades. Assim sendo, através do common law, foi criado um novo tipo, que de acordo com JOSÉ WALDECY LUCENA eram
“sociedades diferentes das sociedades anônimas, em cuja forma de constituição introduziram profundas modificações: número limitado de sócios, no mínimo e no máximo; capital de formação privada, privada a capitação por oferta pública; restrições à cessibilidade das quotas”. [4]
Essas sociedades foram muito bem aceitas pelos comerciantes da época, e por causa do enorme crescimento das mesmas, o Poder Público as reconheceu, tornando-as definitivamente oficiais.
Na França, a Lei das Sociedades Limitadas tornou-se imprescindível logo após a I Guerra Mundial, época em que a Alemanha foi obrigada a devolver a Alsácia-Lorena. Nos territórios devolvidos, a França recebeu também inúmeras sociedades Limitadas regidas pela Lei Alemã, tornando-se, portanto urgente a existência desse tipo societário, já que tais sociedades “restaram como corpo estranho no sistema jurídico francês”. [5]
Nesse contexto, promulgou-se, em 1925, a Lei francesa, sendo a mesma modificada por inúmeras vezes até se chegar nas duas leis atuais sobre as quais repousa o direito societário francês (lei de 24 de julho de 1966 e outra de 4 de janeiro de 1978). também chamada de societés à responsabilité limitée, abreviadamente s.à.r.l. [6].
3. O SURGIMENTO E DESENVOLVIMENTO DA SOCIEDADE LIMITADA NO BRASIL
As sociedades Limitadas foram tratadas pela primeira vez no Brasil em 1865, através de um projeto formulado por José Thomaz Nabuco de Araújo. Tal projeto foi discutido e então rejeitado pelo governo brasileiro.
Logo após, em 1912, as Sociedades por Quotas de Responsabilidade Limitada foram novamente tratadas através de um Projeto de Código Comercial apresentado por Herculano Marcos Inglez de Souza, que possuía um capítulo exclusivo sobre as limitadas, com o intuito de seguir as tendências legislativas mundiais e atender às necessidades dos comerciantes brasileiros.
No entanto, ela apenas foi introduzida no ordenamento brasileiro através de um projeto apresentado pelo deputado Joaquim Luiz Osório à Câmara dos Deputados, que originou o Decreto 3.708, de 10 de janeiro de 1919, primeira Lei brasileira e quinta Lei a ser criada no mundo sobre Sociedades Limitadas.
O decreto 3.708/19 foi uma legislação de extrema importância, regendo cerca de 90% das sociedades empresárias brasileiras durante 84 anos, ou seja, até janeiro de 2003, época em que o novo Código Civil brasileiro passou a reger a matéria aqui discutida.
4. LEGISLAÇÃO ATUALMENTE APLICÁVEL
Atualmente as Sociedades Limitadas são regidas pelo novo Código Civil brasileiro, Lei 10.406/2002, na parte que cuida das sociedades (Título II do Livro II da Parte Especial – Do Direito de Empresa).
Tal legislação ampliou e modificou consideravelmente as regras desse tipo societário, passando de 18 artigos previstos no antigo decreto para os 35 presentes na referida Lei (arts. 1.052 a 1.087), além dos 41 dispositivos que regulam a sociedade simples, que podem ser utilizados em casos de omissões na norma das limitadas e caso o contrato social da referida sociedade não eleja a Lei de S.A. (Lei 6.404/76) como legislação supletiva.
5. RESPONSABILIDADE DOS SÓCIOS
Ao se falar sobre responsabilidade dos sócios da Sociedade Limitada, não há muito para se analisar a respeito de alterações trazidas, uma vez que tal legislação pouco inovou a esse respeito. Contudo, o tema será aqui desenvolvido, e para tanto devem primeiramente ser esclarecidos alguns conceitos de suma importância.
O primeiro deles é o termo capital subscrito, que nada mais é que a obrigação que o sócio contrai perante a sociedade no momento de sua formação. De acordo com FÁBIO ULHOA COELHO, “Capital Subscrito é o montante de recursos que os sócios se comprometem a entregar para a formação da sociedade”.[7]
O segundo conceito a ser esclarecido é o termo capital integralizado, podendo ser descrito como o montante do capital “prometido” que foi realmente pago à sociedade. Ainda de acordo com FÁBIO ULHOA COELHO,
“Capital integralizado é a parte do capital social que eles efetivamente entregam. (...) Podem fazê-lo à vista, no ato de constituição, hipótese em que o capital integralizado será igual ao subscrito desde o início da sociedade. Mas, podem fazê-lo a prazo”.[8]
(Caso optem por integralizar o capital subscrito parceladamente, tal ato deverá estar previsto no contrato social).
De acordo com o art. 1.052 do Código Civil brasileiro, “Na sociedade limitada, a responsabilidade de cada sócio é restrita ao valor de suas quotas, mas todos respondem solidariamente pela integralização do capital”.
A partir desse dispositivo, conclui-se que a responsabilidade dos sócios pelas obrigações contraídas pela sociedade será limitada ao valor do capital integralizado. Mas apesar disso, outros tipos de responsabilização podem ser percebidos na Sociedade Limitada. Abaixo, segue uma pequena explicação sobre cada um desses tipos:
· Responsabilidade Limitada: É a regra no tipo societário em tela. De acordo com a legislação pátria, cada sócio é responsável apenas pelo montante que subscreveu, desde que o Capital Social da sociedade esteja inteiramente integralizado. Caso a dívida contraída seja superior a tal montante, o prejuízo deverá ser suportado pelo credor, uma vez que o mesmo poderia ter embutido no preço uma taxa pelo risco. Tal tipo de responsabilização é adotado pelo direito francês, pois na s.à.r.l.
“... Les associés administrent ensemble la société et répondent solidairement des dettes sociales jusqu’à concurrence du montant d’un capital social propre formé de divers apports des sociétaires”. [9]
· Responsabilidade Solidária: É aplicada quando o capital ainda não foi totalmente integralizado. É existente entre os sócios da Limitada, já que nesse caso o sócio, ainda que tenha integralizado a parte que subscreveu, responderá de maneira solidária pelas dívidas da sociedade até o montante legal do capital não-integralizado, possuindo direito de regresso contra os demais sócios. Mas, para tanto, o patrimônio da sociedade deverá ser primeiramente esgotado, uma vez que tal responsabilização é subsidiária. Para ilustrar melhor, reproduzo aqui os ensinamentos do mestre FÁBIO ULHOA COELHO:
“Já na responsabilização de sócio relacionada ao cumprimento do dever de integralizar o capital social da Limitada, vige a regra da subsidiariedade: enquanto houver patrimônio social, o do sócio não pode ser alcançado, na satisfação dos direitos dos credores (CC, art. 1.024; CPC, art. 596). O benefício de ordem é sempre oponível aos credores negociais da sociedade.”[10]
Ainda a esse respeito, pode-se ver decisão da 1ª Câmara Cível do tribunal de Alçada de São Paulo:
“PENHORA – Bens particulares de sócio – Dívida de sociedade por cotas de responsabilidade limitada – Integralização do capital e indicação de bens sociais não efetuadas – Constrição válida – (...). Válida a penhora que recai sobre os bens de sócios por dívida de sociedade por cotas de responsabilidade limitada se não houve integralização do capital, nem indicação de bens sociais que pudessem responder pela obrigação” (1º TACivSP, RT, 682/123).[11]
· Responsabilidade Ilimitada: É uma exceção à regra do tipo societário em tela. Aqui a responsabilidade pelas dívidas da sociedade será subsidiária, mas também ilimitada, ou seja, esgotados os recursos da sociedade, o patrimônio particular dos sócios será atingido, arcando com o restante do débito. Tal exceção apenas poderá ser aplicada em algumas hipóteses e com determinados credores:
Em primeiro lugar, serão responsabilizados aqueles sócios que deliberarem contrariamente à lei ou ao contrato social, agindo com excesso de poder. Nessa hipótese, responderão ilimitadamente pela dívida contraída de forma ilícita. Caso haja algum sócio contrário a tal decisão, o mesmo deverá formalizar tal posição para se isentar de responsabilidade (CC, art. 1.080).
Também responderão ilimitada e solidariamente os sócios para com o credor fiscal, Seguridade Social e trabalhador (apesar de não estar previsto em Lei, a responsabilização ilimitada vem sendo aplicada pela Justiça do Trabalho, com o intuito de proteger a parte hipossuficiente).
Em seguida, trataremos da sociedade marital, ou seja, aquela formada exclusivamente por marido e mulher. Tal sociedade é proibida pelo Código Civil, art. 977, quando o regime de bens do casamento for o da Comunhão Universal ou o da Separação Obrigatória. Caso, mesmo com expressa proibição, seja uma sociedade com tais características registrada na junta, haverá a responsabilização ilimitada de seus sócios pelas obrigações da sociedade.
Por fim, será também o sócio responsabilizado ilimitadamente - através da teoria da desconsideração da personalidade jurídica - quando se estiver em questão a proteção à concorrência e aos consumidores, a penalização por lesão ao meio ambiente e por fraude a credores com base na separação patrimonial.
6. DELIBERAÇÕES DOS SÓCIOS
Ao tratar das deliberações, o novo Código Civil inovou bastante, pois obriga a sociedade a cumprir determinadas regras, ao contrário do antigo decreto, que deixava ao livre arbítrio dos sócios a regulamentação desse assunto em seus contratos sociais.
A referida inovação tem sido alvo de muitas críticas, uma vez que retirou parte da simplicidade e flexibilidade das limitadas.
Para melhor demonstrar, cito aqui uma crítica de JOSÉ EDWALDO TAVARES BORBA:
“A rigidez agora instituída, o formalismo das deliberações sociais, a limitação dos poderes da maioria, a burocratização de seu funcionalismo tornam a sociedade limitada, no que tange a empresas com patrimônio líquido inferior a R$ 1 milhão de reais, uma estrutura mais pesada do que a da sociedade anônima fechada, que, com aquele limite de capital e menos de vinte sócios, desfruta de condições bastante simplificadas. [12]
Também os franceses criticam o excesso de restrições em sua legislação, dizendo “Néanmoins, jusquíci la tendance domiante reste, en France, empreite dún autoritarisme qui entraîne son inadaptation aux besoins des entreprises”.[13]
Em nossa opinião, tais formalidades, sendo obrigatórias apenas para as sociedades com mais de dez sócios, não afetarão tanto as empresas mais vulneráveis e com menos recursos, pois a grande maioria das limitadas brasileiras são microempresas, não possuindo, normalmente, um número elevado de sócios.
Passo ao estudo da matéria em si, o que servirá até mesmo para fundamentar as críticas acima comentadas:
De acordo com o Código Civil de 2002, as deliberações podem ser tomadas em reunião ou em assembléia, conforme tenha sido estipulado no Contrato Social, mas se a sociedade possuir mais de dez sócios, a forma obrigatória será a assembléia. Tal regra é muito semelhante à lei francesa, mas desta se difere, pois diminui o limite de sócios de 20 para 10.
O Código Civil tem como objetivo proteger os sócios minoritários, uma vez que estipula exigências formais, como, por exemplo, quoruns para aprovação das deliberações, assemelhando-se assim, às assembléias nas Sociedades Anônimas.
Para a convocação da assembléia, deve haver anúncio publicado 3 vezes no órgão oficial e também em jornal de grande circulação. Tal obrigação apenas será suprimida quando houver a presença de todos os sócios ou a sua declaração expressa de ciência do local, data hora e ordem do dia (art. 1072, parágrafo 2º)
Estabelece o Código algumas matérias, além daquelas que podem ser estabelecidas no contrato social a critério dos sócios, em que é obrigatória a deliberação em assembléia ou reunião:
“Art. 1.071. Dependem da deliberação dos sócios, além de outras matérias indicadas na lei ou no contrato:
I – a aprovação das contas da administração;
II – a designação dos administradores, quando feita em ato separado;
III – a destituição dos administradores;
IV – o modo de sua remuneração, quando não estabelecido em contrato;
V – a modificação do contrato social
VI – a incorporação, a fusão e a dissolução da sociedade, ou a cessação do estado de liquidação;
VII – a nomeação e destituição dos liquidantes e o julgamento de suas contas;
VIII – o pedido de concordata.”
Além disso, dependendo da matéria a ser tratada, regulou também a presente lei a respeito do quorum mínimo necessário para aprovação. De acordo com o Prof. Jean Carlos Fernandes, “...os sócios poderão estabelecer quorum de deliberação diverso no contrato social, mas apenas nas hipóteses de destituição de administrador sócio (art. 1.063, parágrafo 1º) e para os casos que se exigem maioria simples (art. 1.071, I e VII c/c 1.076, III)”.[14]
Ainda de acordo com o ilustre professor (p.4), “As deliberações sociais agora passam a ser tomadas pelos votos correspondentes:
- à unanimidade do capital social (arts. 1.033, II e 1.061);
- 2/3 do capital social (art. 1.061, parte final e art. 1.063, parágrafo 1º);
- ¾ do capital social (arts. 1.071, II, III, IV, VIII c/c 1076, II e 1.085);
- maioria simples – maioria dos votos dos sócios presentes (arts. 1.071, I, VII c/c 1.076, III e demais assuntos).
O quorum legal deve ser obedecido, não importando se a deliberação está sendo realizada através de assembléia ou reunião de sócios, mesmo tendo esta última maior flexibilidade e liberdade para estipular em contrato social sobre a peridiocidade, convocação, realização e registro.
Após tomadas todas as deliberações e para que estas produzam efeitos, “A ata da assembléia dos sócios ou da reunião regulada no contrato social, ou, ainda, o documento assinado por todos devem ser levados a arquivamento na junta Comercial”. [15]
7. ADMINISTRAÇÃO
Anteriormente chamada de “gerência”, a administração da sociedade limitada está regulada nos artigos 1.060 a 1.065 do Código Civil, que permite que esta seja atribuída a “...uma ou mais pessoas designadas no contrato social ou em ato separado” (art. 1.060), também chamadas de administradores ou gerentes da sociedade.
Os administradores serão sempre escolhidos pela maioria societária, mas para que a nomeação seja válida, o quorum legal deve ser obedecido, podendo-se inclusive, de acordo com o art. 1.061, ser designado administrador não sócio, desde que expressamente previsto no Contrato Social. Ambas as nomeações (de administrador sócio e não sócio) podem ser feitas no Contrato Social ou em ato separado.
A respeito do quorum exigido pelo Código Civil, reproduzo as palavras de FÁBIO ULHOA COELHO:
“São os administradores (...) escolhidos, sempre, pela maioria societária qualificada, variando o quorum de deliberação segundo o instrumento de designação (contrato social ou ato apartado) e o status do administrador (sócio ou não). Especificamente, o administrador sócio nomeado em contrato social será eleito por sócio ou sócios titulares de ¾ do capital (este é o quorum pra modificação do ato constitutivo – art. 1.076, I) e o designado em ato apartado, por sócio ou sócios representantes de mais da metade do capital (art. 1.076, II). Já o administrador não sócio, independente do instrumento de sua nomeação, deve ser escolhido pela unanimidade dos sócios, enquanto o capital social não estiver inteiramente integralizado, e por sócio ou sócios detentores de 2/3 desse capital, após sua total integralização (art. 1.061).” [16]
Após eleitos, os administradores devem exercer suas funções, possuindo os deveres de lealdade e diligência, segundo prevê a Lei de Sociedades Anônimas (arts. 153 e 155) e também de acordo com o art. 1.011, caput do novo Código Civil:
“Art. 1.011. O administrador da sociedade deverá ter, no exercício de suas funções, o cuidado e a diligência que todo homem ativo e probo costuma empregar na administração de seus próprios negócios”.
Assim sendo, caso o responsável pela administração não esteja agindo de acordo com seus deveres ou não possua mais a confiança dos sócios, estes poderão destituí-lo, desde que também obedeçam os seguintes quoruns:
· Aprovação de quotas correspondentes a 2/3 do Capital Social (caso o contrato social não estabeleça número diferente) para a destituição de administrador sócio nomeado no contrato social (art. 1.063, parágrafo 1º);
· Aprovação de quotas correspondentes a ¾ do capital social para a destituição de administrador não sócio nomeado no contrato social (arts. 1.071, V e 1.076, I);
· Maioria absoluta dos sócios para destituir diretor (seja ele sócio ou não) nomeado em instrumento diferente do contrato social (arts. 1.071, II e 1.076, II).
Além de poderem ser destituídos, outra conseqüência pela má administração será a responsabilização pessoal dos gerentes. Não havendo diligência e lealdade no exercício de suas funções, estes responderão pelos atos praticados em nome da sociedade, quando esta sofrer ou causar danos em conseqüência de seus atos. Neste sentido estão os artigos 1.016 e 1.017 do Código Civil, além do 1.011, que já foi transcrito acima:
“Art. 1.016. Os administradores respondem solidariamente perante a sociedade e os terceiros prejudicados, por culpa no desempenho de suas funções.
Art. 1.017. O administrador que, sem consentimento escrito dos sócios, aplicar créditos ou bens sociais em proveito próprio ou de terceiros, terá de restituí-los à sociedade, ou pagar o equivalente, com todos os lucros resultantes, e, se houver prejuízo, por ele também responderá.”
Os diretores serão também pessoalmente responsáveis pelas dívidas tributárias da sociedade, de acordo com o art. 135, III do CTN, quando agirem com excesso de poder ou contrariamente à lei, descumprindo assim, suas obrigações para com a Limitada.
Neste sentido, decisão do STJ:
“TRIBUTO – Responsabilidade Tributária – Responsabilidade dos sócios por dívidas fiscais da sociedade – Admissibilidade, somente se os sócios, na qualidade de gerentes, representantes ou diretores, praticarem atos com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos – responsabilidade que, ainda assim, fica condicionada à impossibilidade de a sociedade arcar com seus débitos – Inteligência do art. 135, III do CTN. Vigorando o princípio da separação dos patrimônios, só responderão os sócios por dívidas tributárias da sociedade quando, na qualidade de gerentes, representantes ou diretores, praticarem ato com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos (art. 135, III, do CTN). Ainda assim, sua responsabilidade está condicionada à impossibilidade de a sociedade arcar com seus débitos, à vista da inexistência de solidariedade” (STJ, RT, 802/168).
Para concluir o presente capítulo, gostaríamos de falar sobre uma importante inovação trazida pelo Código Civil de 2002 no que tange à responsabilização dos administradores: a questão da ultra vires doctrine, prevista no artigo 1.015 e aplicada quando a sociedade estiver sujeita à regência supletiva da Sociedade Simples. De acordo com tal teoria, “a pessoa jurídica só responde pelos atos praticados em seu nome, quando compatíveis com seu objeto”. [17] .Caso contrário, aquele que agiu em seu nome será responsável pelo cumprimento da obrigação. Estabeleceu-se aqui a irresponsabilidade da sociedade.
Mas, se a sociedade possuir como legislação supletiva a Lei da Sociedade Anônima (lei 6404/76), será responsável por qualquer ato praticado em seu nome, possuindo então direito de regresso contra o gerente que agiu em desconformidade ou com excesso de poderes. Tal hipótese é muito mais justa para os terceiros de boa-fé, que possuirão a garantia que acreditavam ter no momento em que contrataram.
8. CONSELHO FISCAL
O Conselho Fiscal é mais uma inovação da atual legislação, uma vez que não era previsto no Decreto 3.708/19. É tratado nos arts. 1.066 a 1.070 do Código Civil. Sua instalação não é obrigatória, mas caso os sócios optem pela sua existência, deverá haver previsão no Contrato Social sobre sua criação e funcionamento.
Órgão importado da Sociedade Anônima tem como justificativa a proteção daqueles sócios que não participam do cotidiano da empresa, não possuindo informações necessárias para identificar irregularidades e nem meios para fiscalizar a sociedade. Portanto, sua instalação se torna dispendiosa e desnecessária caso haja um número pequeno de sócios que não participem da administração.
O Conselho Fiscal é composto de três ou mais membros escolhidos em Assembléia anual (ou reunião de sócios), pelo voto da maioria dos presentes. O Código impede determinadas pessoas de assumirem tal cargo para garantir a isenção dos fiscais ao exercerem suas funções, como por exemplo, os membros da administração da sociedade, empregados desta, entre outros elencados no parágrafo primeiro do art. 1.066.
É permitido àqueles que não concordarem com os fiscais escolhidos - desde que integrem pelo menos 1/5 do capital social - a eleição de um membro e seu respectivo suplente. Caso haja dissidentes com quotas individuais de pelo menos 20% do capital social, cada um terá direito de eleger o seu representante separadamente.
O Código, em seu art. 1.069, também define as obrigações dos fiscais, a saber: i) examinar os livros, documentos, estado da caixa e carteira da sociedade; ii) solicitar as informações necessárias ao desempenho de suas funções a quem as detenha; iii) registrar em livro próprio seus pareceres; iv) apresentar pareceres sobre negócios e operações sociais; v) denunciar e sugerir providências em relação a erros, fraudes ou crimes que perceberem na sociedade; vi) convocar assembléia sempre que forem graves ou urgentes os motivos ou quando os diretores atrasarem mais de trinta dias a sua convocação anual.
Os fiscais, agindo conjunta ou separadamente, responderão pelo abuso dos poderes que lhe são conferidos no exercício de sua função. Para auxiliá-los no exame de contas, livros e demonstrativos, poderá ser contratado um contabilista, mas sua remuneração deverá ser definida pelos sócios, em assembléia.
9. CONCLUSÃO
Concluindo, pode-se perceber que a matéria aqui tratada de forma tão sucinta é uma das mais importantes modificações trazidas pelo Novo Código Civil, objeto de discussão entre a sociedade, operadores do Direito, e Legisladores.
A legislação anteriormente aplicável era extremamente ampla, dando total liberdade aos sócios para regularem e conduzirem a sociedade de acordo com o que lhes melhor conviesse, o que não acontecerá mais.
Assim sendo, não concordamos com aqueles que criticam o Novo Código, pois este veio apenas para uniformizar e regular as sociedades, garantindo direitos essenciais aos sócios, como por exemplo, o direito de fiscalização, de informação, direito de preferência, de voto, entre outros, bastando apenas o decurso do tempo para que o empresariado brasileiro se habitue e se conforme com as novas regras.
10. REFERÊNCIAS
i. ABRÃO, Nelson “Sociedade por Quotas de Responsabilidade Ltda.” – São Paulo: Saraiva, 1979, p.2.;
ii. MARCONDES, Sylvio, “Problemas de direito mercantil” – São Paulo, 1970, p. 193-4.
iii. ABRÃO, Nelson. “Sociedades por Quotas de Responsabilidade Limitada” São Paulo: Saraiva, 1979, p. 6.
iv. LUCENA, José Waldecy. “Das Sociedades por Quotas de responsabilidades Limitadas”. Rio de Janeiro: Renovar, 1999 – 3ª ed. p.6.
v. LUCENA, José Waldecy. “Das sociedades por Quotas de Responsabilidade Limitada”.Rio de janeiro: Renovar, 1999 – 3ª edição, p.9.
vi. “La s.à.r.l. est celle que forment deux ou plusieurs personnes physiques ou morales et dont le capital est déterminé à l’avance. Tout associé participe au capital social, sans que sa part ait la caractère d’une action. (...) Le capital est déterminé à l’avance et doit être au minimum de Fr. 20’000. - et au maximum de Fr. 2’000’000”.BRUNNER & ASSOCIES S.A. – Société fiduciaire. La société à Responsabilité Limitée.
vii. COELHO, Fábio Ulhoa. “Manual de Direito Comercial”. São Paulo: Saraiva, 2003. 14ª ed. p.156.
viii. COELHO, Fábio Ulhoa. “Manual de Direito Comercial”. São Paulo: Saraiva, 2003. 14ª ed. p.156.
ix. BRUNNER & ASSOCIES S.A. – Société fiduciaire. “La Société à Responsabilité Limitée”
x. Coelho, Fábio Ulhoa “A Sociedade Limitada no Novo Código Civil”. São Paulo: Saraiva, 2003. p.11.
xi. COELHO, Fábio Ulhoa, “A Sociedade Limitada no Novo Código Civil”. São Paulo: Saraiva, 2003. p.13.
xii. “BORBA, José Edwaldo Tavares. “Direito Societário”. Rio de Janeiro: Renovar, 2003. p.96
xiii. GUYON, Yves. “Traité des contrats – Sociétés”, Librairie Générale du Droit et jurisprudence, Paris, 1997, pag. 7.
xiv. FERNANDES, Jean Carlos. “O Direito de Empresa e o Novo Código Civil”. Belo Horizonte, 2003. p. 4
xv. COELHO, Fábio Ulhoa. “Manual de Direito Comercial”. São Paulo: Saraiva, 2003. 14ª ed. p.161.
xvi. COELHO, Fábio Ulhoa. “A Sociedade Limitada no Novo Código Civil”. São Paulo: Saraiva, 2003. p.49-50.
xvii. COELHO, Fábio Ulhoa. “Manual de Direito Comercial”. São Paulo: Saraiva, 2003. 14ª ed. p.163
10. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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Autor: Alessandra de Souza Hein


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