Graduar em Letras, para quê?



Stop! Parei para analisar o porquê de estar cursando Letras, se tenho a certeza de que nunca saberei Língua Portuguesa no âmbito gramatical. Leio a obra magistral Leitura e colheita: livros, leitura e formação de leitores da autora Luzia de Maria e não consigo transpor suas palavras, aliás, suas bem expressadas palavras para minha realidade enquanto acadêmico de Letras e lingüista que sou mesmo antes de conhecer o significado deste termo.

Porque ser educador de Língua Portuguesa é "inevitavelmente" ser um gramatiqueiro? Porque apesar de tantos estudos, teses, pesquisas e monografias ainda existem educadores que insistem ensinar Língua Portuguesa sob o olhar de uma gramática intitulada normativa? Se estou num curso que me habilitará a lecionar, ou melhor, a cativar os educandos para o mundo mágico das palavras e da leitura, porque tem que ser de forma tão desagradável, buscando sempre termos tradicionalistas que justificam ou significam determinado vocábulo? São questões que vêm sendo discutidas há tanto tempo e sem nenhuma conclusão.

Perdemos aproximadamente 15 anos de nossa vida tentando aprender sujeitos, predicados, verbos, advérbios, e quando entramos no mercado de trabalho só se interessam em saber se temos experiência. Experiência de quê? De ficar numa dura carteira de uma sala de aula aprendendo que a palavra caqui é dissílaba e que tem como dígrafo o "qu", tenho sim senhor! Experiência de estudar numa escola onde todos os alunos tiravam nota 10 em sala de aula, mas quando é chegada a hora do intervalo se comportam como animais irracionais, tenho sim senhor! Experiência em decorar termos acessórios e integrantes, tenho sim senhor! Educadores, na verdade estão preparando os seus alunos para quê?

Somos o país que têm na sua gramática os "vícios de linguagem", a forma como realmente falamos, ditos como errados ou como vícios. Somos mesmo o país da hipocrisia, "fala sério"!

Temos uma língua de exclusão sem precisarmos tê-la. Algumas pessoas aprendem sufixos nominais, pronomes possessivos, plural dos substantivos compostos, mas não aprendem a ouvir o outro e apreender o que ele quis dizer. Não têm a sensibilidade de sentir a bela melodia incutida no Hino Nacional, por exemplo. Não conseguem enxergar que por trás de palavras, de sintagmas, de frases, orações, existem sentimentos. Esquecemos de educar nosso aluno a viver, literalmente viver. Mergulhamos no mundo dos estigmas e esquecemos que lidamos com seres humanos, seres que precisam sobreviver num país onde tudo e todos sobrevivem.

Dizemos sempre que a gramática normativa é o problema. Damos vida a gramática sem analisarmos que ela não existiria sem nós, seres humanos. Quem nunca deu risadas do sujeito que diz: praça, troço, pranta? Quem nunca escandalizou alguém dizendo: "Nóis vai a universidade". Quem nunca teve um deslize de economizar nas palavras ditas corretas? Quem nunca o fez que atire a primeira pedra! Não somos perfeitos, somos seres humanos, lembra-se?

Educamos nossos alunos para uma vida social ou para se aprofundarem no universo de sujeitos, predicados, orações subordinadas substantivas objetivas diretas e indiretas? Realmente ajudamos nossos alunos a descobrir o porquê da Língua Portuguesa ser tão importante na sua vida?

"A escrita no processo educacional é muito difícil quando nos deparamos com pessoas que bloqueiam a criatividade do aluno... As aulas de redação na escola eram uma verdadeira tortura, ficava imaginando o que a professora iria gostar de ler, já que eu não podia deixar fluir a imaginação dentro de temas tão limitados e tão iguais" (SIMKA, 2004)

Simka (2004) ainda diz que o professor corrigirá a expressão lingüística do aluno, levantará quantos erros ortográficos cometeu, mas não dará a mínima para o que o aluno escreveu. Porque o professor se formou para corrigir erros gramaticais e não para encontrar escritores e artistas.

Discordo de Pedro Demo quando diz: "é errando que a gente aprende". Aprender o quê? O que é errado? Ensinamos nossos alunos que o sintagma 'caráter' é trissílabo e paroxítono, mas não o ensinamos o sentido social que envolve a palavra, o sentimento por detrás dela. É preciso que os professores de Língua Portuguesa criem condições para que o discente desperte em si a questão do prazer em fazer. O prazer em estudar Língua Portuguesa, o prazer em ouvir e ler um poema. Faça seu aluno gostar de poesia encenando poesias de Carlos Drummond de Andrade, Cecília Meireles e Castro Alves; convide Luzia de Maria para falar sobre como podemos despertar nos jovens e nas crianças o gosto pelo mundo imaginário da leitura; crie Saraus literários e mini-bienais de livros em sua escola; incentive, inscita, mas tudo de forma prazerosa e sem precisar do aluno fazer por apenas alguns pontinhos no final do bimestre. Transporte seus alunos para o mundo encantado de O Cortiço, Dom Casmurro, Otelo, Deus lhe pague, e com certeza teremos crianças mais humanas.

"O espaço pedagógico é um texto para ser constantemente 'lido', interpretado, 'escrito' e 'reescrito'". (FREIRE, 2003)

Pode parecer utopia falar de uma Língua Portuguesa verdadeiramente brasileira. Não estamos aqui desmerecendo a importância da nossa Língua, nem tão pouco da gramática, pois sabemos que para mudar essa questão lingüística teríamos que recomeçar a vida neste planeta. Contudo, através deste artigo visamos levantar questões que provoquem nos educadores e graduandos de Língua Portuguesa e de outras áreas também uma reflexão sobre como está sendo desenvolvido o meu trabalho de educador para a vida? Indiscutivelmente é possível trabalhar a gramática de forma acoplada com a linguagem coloquial, é possível desenvolver trabalhos artísticos com textos até então entendidos como complexos para nossos alunos, através do teatro, da dança, da música. É possível desenvolver no aluno o gosto pela poesia, a possibilidade de conhecer diversos autores sem tornar isso uma tortura. Pode-se fazer com que as pessoas sejam melhores, que o mundo seja melhor e até então estamos sentados na platéia esperando que alguém assuma a postura de ator principal por nós. Temos a oportunidade de tornar nossas crianças protagonistas de sua história de vida e porque não da história do nosso país. Se educadores têm a possibilidade de formar políticos corruptos, também têm a capacidade de formar políticos de caráter.

De acordo com Cury (2004) os jovens sabem operar complexos computadores, mas não sabem criticar suas idéias, repensar sua história e discutir seus problemas. Que sociedade é essa que tem destruído a capacidade do se humano de se interiorizar? Que tipo de educação é essa? Dizemos isso porque não dá para analisar a história da crise no ensino da Língua Portuguesa sem analisarmos a crise educacional. A Língua e a educação têm o poder de exclusão e isso é muito sério.

Sim, somos um povo condicionado. E por mais estudiosos e reflexivos que sejamos caímos sempre na mesmice da gramática normativa, no tradicionalismo do ensino da gramática. Por quê? Para quê? Você leitor pode estar pensando, o autor deste artigo disse tudo que eu sempre pensei e quis dizer e Eu te digo: Acorda! Chega de achar tudo bonito, tudo lindo. Chega de só ficar admirando palavras de autores, não acha que está na hora de assumir o seu papel? Não acha que está na hora de fazer a sua parte. Os autores estão fazendo a sua parte enquanto autores de despertar a sua consciência e você, o que está fazendo para responder que entendeu a mensagem?

Afinal, como indaga Luzia de Maria (2002) educamos para o silêncio ou para o diálogo?

REFERÊNCIAS:

CURY, Augusto. Seja líder de si mesmo, o maior desafio do ser humano. Rio de Janeiro: Sextante, 2004.
FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia, 27 ed, São Paulo: Paz e Terra, p 115, 2003.
MARIA, Luzia de. Leitura e colheita: livros, leitura e formação de leitores. São Paulo: Vozes. p 39, 2002.
SIMKA, Sérgio. Escrevi, apesar dos meus professores. Em pauta Revista Ensino Superior, São Paulo, n 87, p 50, 2005.
Autor: Alexsandro Rosa Soares


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