Desenvolvimento econômico e nacionalismo



DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO E NACIONALISMO

Daniel Miranda Soares

A experiência mundial do capitalismo, desde quando se tornou um sistema econômico hegemônico indica que existe uma forte correlação entre desenvolvimento econômico e nacionalismo. Vamos chamar aqui de nacionalismo quando o Estado nacional de um país possui uma estratégia de defender os interesses econômicos desse país, particularmente de suas empresas particulares ou estatais. Existem nacionalismos e nacionalismos. Existe o xenófobo que superestima o produto nacional e despreza tudo que é estrangeiro, portanto um nacionalismo exagerado, ideológico ; e existe o nacionalismo mais sadio, mais realista, que exalta o nacional sem desprezar o estrangeiro. Estamos falando do segundo, sem xenofobismos. Todos os países mais desenvolvidos do mundo (particularmente os EUA, Europa Ocidental e Japão) foram nacionalistas (em termos de política econômica) durante o processo de consolidação de suas economias. Se durante esse processo de consolidação de suas economias, de industrialização acelerada e portanto constituição de suas principais empresas, estes países tivessem adotado uma política totalmente liberal com o capital estrangeiro e com o comércio internacional, certamente não teriam conseguido alcançar a posição que possuem hoje no cenário mundial.
Os países desenvolvidos passaram por diversas fases de atuação do Estado na defesa dos interesses de suas empresas. No início de suas respectivas revoluções industriais o Estado era protecionista para permitir que suas empresas conseguissem um certo grau de produtividade e competitividade; e posteriormente à consolidação do processo industrial , período em que suas empresas já amadurecidas conseguiam um certo padrão internacional,o Estado destes países começam a pregar o liberalismo – ou seja, brigar para que as nações abram mercado para suas empresas e seus produtos. Os países da Tríade (EUA, Europa Ocidental e Japão) passaram por estas fases. O Japão protegeu suas empresas no início de sua Revolução Industrial inclusive criando grandes estatais que depois de um certo tempo foram privatizadas e estão aí há mais de um século. O Japão é o modelo extremo do que estamos falando : “vem a nós NADA, vosso reino TUDO” – exportar tudo para os estrangeiros e comprar deles só o necessário – a economia japonesa, segundo PIB do mundo, especializou em exportar produtos industriais intensos em tecnologias de ponta e importar matéria prima e recursos naturais (que não possuem.).
Marx tinha razão quando dizia que o Estado era constituído e dominado por um comitê de defesa dos interesses do grande capital. Embora esteja ampliado hoje, abrangendo também interesses da sociedade civil e até de trabalhadores, mas hegemonicamente o Estado continua sendo dominado por estes interesses.
Agora vejam a contradição : os países do Terceiro Mundo que querem se industrializar e proteger suas indústrias, não mais conseguem fazê-lo, porque a globalização representa o neoliberalismo, a abertura total dos mercados sem barreiras. A globalização beneficia os países mais avançados e perpetua a desigualdade entre as nações pobres e ricas. A globalização representa o discurso, mas não a prática. Na prática o neoliberalismo não é tão liberal como pregam no discurso : “façam o que digo mas não façam o que faço” ; os países mais ricos continuam protegendo suas empresas (às vezes explicitamente às vezes disfarçadamente através de mecanismos indiretos como é o caso das patentes) mas não permitem que os chamados emergentes protejam as suas ; pressionam por aberturas incondicionais e usam de chantagens e do poder político para conseguir o que querem.
A media faz o seu papel, na defesa dos interesses e dos privilégios das grandes corporações multinacionais. A primeira indústria exportadora nos EUA não é a aeronáutica nem a automobilística : é o setor de entretenimento. Hollywood toca todos os mercados : mais de 50% de suas receitas provêm do estrangeiro, contra apenas 30% em 1980. A indústria cinematográfica americana detinha 70% do mercado europeu em 1996 (contra 56% em 1987), 83% do mercado latino-americano e 50% do mercado japonês. Por outro lado, os filmes estrangeiros raramente fazem grande sucesso nos EUA, representam menos de 3% deste mercado. A concentração dos meios de informação e das empresas de produção e distribuição cinematográfica dominam o planeta, lançam filmes quase simultaneamente em todas as capitais e o mesmo tipo de valores e de conteúdo ideológico é difundido com um poder e um caráter mundializado jamais visto antes. Quando olhamos os jornais de televisão, estamos conscientes de que são estas mesmas imagens difundidas simultaneamente em todos os canais em todos os continentes: estas imagens são produzidas, selecionadas e comercializadas por três agências de notícias que detêm 80% da produção mundial. O que não é mostrado não existe. A “aldeia global” é excludente, a mundialização da informação implica a omissão de uma parte do planeta. Partes inteiras do planeta só são vistas em momentos de dramas. Enfim, o mundo é visto com os olhos das grandes corporações dos meios de comunicação de massa, inclusive a maior parte do mundo – o Terceiro Mundo. Não é à toa que as elites do mundo inteiro possuem visões semelhantes de suas realidades. Imagine os dirigentes de política econômica de um determinado país, estabelecendo regras e políticas de acordo com os interesses das elites do primeiro mundo. Algo assim acontece na América Latina, onde estes dirigentes são formados nas escolas de pensamento econômico neoliberais das universidades americanas – nos anos 80 e 90 estes países estabeleceram políticas de acordo com as diretrizes do FMI e Banco Mundial – estão até hoje mergulhados em problemas herdados desta época. Enquanto que os tigres asiáticos e os países do sudeste asiático que não obedeceram as diretrizes do FMI, conseguiram uma boa arrancada econômica, continuaram crescendo a taxas elevadas, melhorando substancialmente o padrão de vida de suas populações. Qual a diferença ? Os países do Oriente não foram capturados pelo domínio do pensamento ocidental. A dominação econômica deste pensamento ocidental é tão forte que se chegou ao absurdo, na década de 1990 no Brasil, de “oferecer” às empresas estrangeiras o controle de empresas estratégicas ao desenvolvimento e soberania nacional, como foi o caso do setor de telecomunicações.
O Brasil passou por três momentos ou oportunidades surgidas em sua história que lhe dariam as condições para conseguir superar as barreiras do seu subdesenvolvimento : 1º) o período do Barão de Mauá – época em que houve um início surpreendente de surto industrial no Brasil graças às iniciativas do Barão em vários setores estratégicos e de ponta da economia brasileira – só não foi pra frente porque o Estado brasileiro não possuía uma estratégia nacional de desenvolvimento, era dominado pela oligarquia rural. Imagine se o Estado tivesse essa consciência na época – provavelmente estaríamos no mesmo nível ou superior ao de países que iniciaram sua industrialização nessa mesma época, como o Japão, Alemanha, Itália.; 2º) o governo nacionalista de Getúlio Vargas – esse segundo momento foi o mais importante da história econômica do Brasil por ter aproveitado uma conjuntura internacional favorável (crise de 1929 e 2ª Guerra Mundial) dando início a um processo mais amplo de industrialização favorecendo as empresas estatais e capital nacional privado. Getúlio foi claramente boicotado por interesses de empresas estrangeiras e sucumbiu por pressão destes interesses. Os americanos fizeram de tudo para que Getúlio não criasse a Petrobrás e Getúlio “morreu” logo depois de ter criado a Petrobrás. Imagine se não houvesse interferência alienígena contradizendo os interesses do Estado brasileiro ? Provavelmente o Estado brasileiro teria conseguido o seu intento claramente defendido em sua estratégia nacional ou seja o desenvolvimento nacional autônomo e sustentável, suficiente para que a longo prazo o país conseguisse superar as barreiras do subdesenvolvimento ; 3º) O governo Geisel é o terceiro e o último momento, por ter deixado bem claro em sua estratégia estatal, o II PND, o II Plano Nacional de Desenvolvimento Econômico, seus objetivos de desenvolver setores industriais estratégicos no intuito de diminuir a dependência externa e reforçar a indústria nacional. Neste período, os setores que mais cresceram foi da indústria básica nacional e estatal e os que menos cresceram foram os setores dominados pelas multinacionais.. Imagine se houvesse continuidade desse período e o Estado brasileiro ampliasse e reforçasse essa estratégia incluindo setores complementares fundamentais como a educação, saúde, etc.. Os Tigres asiáticos tiveram o seu take off nesse período, embora com um modelo diferente, voltado para fora – exportando produtos industriais. O terceiro momento foi o mais vulnerável para o Brasil, pois as políticas econômicas do primeiro mundo favoreceram empréstimos internacionais super baratos e até subsidiados na década de 60 e 70 – época em que os países latino americanos aumentaram sua dívida externa. Na década de 80 a política monetária americana eleva substancialmente a taxa de juros, fazendo com que os países latino americanos se endividassem de forma tão comprometedora que o volume e o crescimento dessa dívida se tornaram obstáculos ao crescimento econômico desses países. Até hoje esses países sofrem com o impacto dessas dívidas.
Tem-se a impressão que houve uma conspiração internacional dos países da Tríade para impedir o avanço industrial do Terceiro Mundo. Na prática, foi isso o que aconteceu. Desde que os países da Tríade conseguiram o seu desenvolvimento econômico sustentável, há mais de dois séculos, usaram seu poder econômico e político e o controle de organismos internacionais para impedir o avanço de outros países. Não é à toa, que durante esse processo de domínio dos mercados mundiais, poucos países se juntaram ao clube dos países desenvolvidos. Estes se organizam na OCDE, o clube de 23 países mais ricos do planeta, países do Centro do sistema econômico que possuem apenas 13% da população mundial mas dominam mais de 70% do PIB mundial ; enquanto que no resto do mundo estão os 187 países em desenvolvimento, da Periferia do sistema econômico, representando 87% da população mundial e detendo menos de 30% do PIB global. A globalização tem aumentado a concentração de riquezas entre as nações do Norte e do Sul. Em 1985, os países da OCDE controlavam 63,8% das exportações mundiais e a Periferia 36,2% ; em 1999, os mais ricos aumentaram para 68,1% sua participação nas exportações mundiais enquanto que a periferia diminuiu para 31,9% (destes a participação dos países menos avançados é de apenas 0,5% e dos países do ex-bloco do Leste Europeu 4,3%). Em 1998, cinco países (EUA, Japão, Alemanha, França e Reino Unido) controlavam 170 empresas multinacionais, que realizavam 86,5% do volume de negócios global das 200 maiores do planeta. Entre estas 200 maiores empresas do mundo, apenas 10 empresas pertenciam ao Terceiro Mundo, representando apenas 3,3% do volume de negócios. Nesta época, a Coréia do Sul (um dos países mais promissores do Terceiro Mundo a conseguir um desenvolvimento próximo do primeiro mundo) possuía seis (6) empresas entre as 10 dos países em desenvolvimento. Depois da crise do Sudeste asiático, só havia três das seis coreanas; e anos mais tarde, as multinacionais coreanas foram reestruturadas e compradas pelas multinacionais dos países mais ricos. (TOUSSANT, Eric. A Bolsa ou a vida. SP, Ed. Fundação Perseu Abramo, 2001).
A desigualdade na distribuição de renda acentuou-se fortemente, depois da globalização, do neoliberalismo no comércio mundial. Entre 1960 e 1990, os 20% mais ricos do planeta passam a ganhar pelo menos 150 vezes mais que os 20% mais pobres (PNUD, 1992). Dos 6 bilhões de habitantes do planeta, 3,5 bilhões de indivíduos recebem apenas 5,6% da renda mundial. Em 2000, as 127 pessoas mais ricas do planeta tinham uma fortuna acumulada superior à renda anual total de 47% da população mundial.
Conclusão :para a elite dos países desenvolvidos, quanto menos nacionalismo e quanto menos intervenção do Estado no domínio econômico melhor para os interesses de suas grandes empresas multinacionais (que aliás dominam 80% do comércio mundial). Países nacionalistas e países com Estado forte protegem suas empresas, acumulam mais, crescem mais, podem promover distribuição de renda e podem até superar as barreiras do subdesenvolvimento. O Banco Mundial prega o neoliberalismo, a redução do Estado no domínio econômico e ataca várias prerrogativas do Estado, entre elas: legislações que visam proteger o mercado interno dos países do Sul; o controle que ainda exercem os Estados do Sul sobre suas indústrias estratégicas e sobre seus recursos naturais. Para o Banco Mundial, tudo isso deveria ser suprimido para permitir a circulação totalmente livre dos capitais; o que só pode reforçar a supremacia das multinacionais e das economias dos países do Norte.

Daniel Miranda Soares
Economista e Administrador
Professor no Unilestemg
Autor: Daniel Miranda Soares


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