O MITO DA FAMÍLIA MODELO



De vez em quando ouço alguém fazer um comentário sobre alguma família da Igreja onde sou pastor, do tipo: “Que casalzinho perfeito!”, “Olha, como eles se amam!”, “Gostaria que meu casamento fosse assim!”, “Aquilo é que é família cristã!”, “Essa família é um exemplo!” Por que existem tais comentários? Será que as coisas são assim como parecem? Quem pode e quem não pode construir um lar feliz?
A verdade é que a sociedade idealizou um tipo de casamento e família modelo, que inclui beleza estética, filhos limpos e asseados, vestuário moderno e alegre, bom emprego, boa casa, carro etc. Ou seja, um estereótipo de família realizada que evidencia mais os aspectos materiais do que outros valores que para nós cristãos são imprescindíveis.
Percebemos, então, que se instalou no imaginário brasileiro um mito de família modelo - idealizado, estereotipado -, que nem sempre é possível de alcançar, sequer ser perseguido. A realidade do dia a dia é bem outra e na luta desgastante pelo “pão nosso de cada dia” somos chamados por Deus a viver o nosso melhor e a fazer da família que temos, uma família abençoada, onde Deus está presente e os valores que a une, nutre e encoraja são os valores do Espírito.

Não existe família perfeita
Quando alguém tece um comentário sobre uma família que vê no templo, freqüentando os cultos públicos e relacionando-se com os demais membros da Igreja e visitantes da comunidade, este alguém pode até estar falando sobre realidades mais profundas que não estejam aparecendo naquele momento, mas, em geral, sua fala diz respeito aos aspectos visíveis, notórios, estéticos, que compõem o biótipo familiar, ou o DNA daquela família.
Como avaliar uma família em sua profundidade? Como definir se esta ou aquela família é feliz? Esta é uma questão muito pessoal, muito particular, e demanda aspectos nem sempre objetivos. O fato que precisa ser entendido preliminarmente é que não existe família perfeita. É preciso derrubar este mito.
“A família do pastor é perfeita!”, diria alguém, como se a família do pastor não passasse por necessidades; não enfrentasse enfermidades; não estivesse sujeita a intempéries; não sofresse alterações de humor em função das vicissitudes da vida; seus filhos não enfrentassem problemas de toda sorte; sonhos também não fossem frustrados; ideais não ficassem sem ser conquistados; tentações não fossem enfrentadas, dentre outras questões que atacam qualquer família normal.
Então, a família perfeita, como sinônimo de ausência de problemas, não existe. Jesus disse: “No mundo tereis tribulações; mas tende bom ânimo, eu venci o mundo” (Jo 16.33). É natural que as famílias tenham tribulações. A questão não é se temos ou não problemas, mas sim o que fazemos com eles; como os encaramos. Como disse alguém: “Não apresente a Deus o tamanho dos seus problemas; mas apresente aos problemas o tamanho do seu Deus.” Muitas vezes o nosso desespero nos leva a fazer crescer as lutas e diminuir a fé, o nosso Deus e o seu poder. É preciso encarar com fé todas as lutas da vida. Só assim seremos vencedores, como é a promessa de Deus (Rm 8.31-39).
Não existem famílias perfeitas, no sentido de não terem problemas ou não passarem por dificuldades. Existem famílias que sabem lidar com os problemas e vencê-los com a ajuda de Deus. Se nem na Bíblia as famílias foram irretocáveis, imagine em nossa condição de simples mortais? Vamos verificar alguns exemplos bíblicos de famílias de valor, mas que tiveram seus maus momentos.

Os senões na vida de famílias bíblicas
Num primeiro momento, quando nos deparamos com alguns senões na vida de famílias bíblicas, chegamos a tomar um susto. Não imaginávamos que aqueles personagens bíblicos de renome pudessem cometer deslizes como os que estão registrados na Bíblia. Mas cometeram; o que fazer?
Neste momento, vale lembrar o que Tiago disse de Elias: “Elias era homem sujeito às mesmas paixões que nós, e orou com fervor para que não chovesse, e por três anos e seis meses não choveu sobre a terra. E orou outra vez e o céu deu chuva, e a terra produziu o seu fruto” (Tg 5.17,18). Ou seja, por trás da forma como Deus usou seus servos no passado, está a sua humanidade.
Três verdades salientam-se no texto citado: 1ª) “Elias era homem” - Elias foi grande, mas era homem e isto não se nega. Nesta condição estava sujeito a qualquer coisa que dissesse respeito aos seres humanos. 2ª “E orou” - Embora fosse homem, Elias era dependente da graça e do favor divinos, por isso orou a Deus para resolução dos seus problemas. 3º) “Com fervor” - Elias era um homem de fé. Diante das lutas, encarou com fé os desafios da vida. A oração fervorosa de Elias revelou um coração dependente de Deus, e crédulo o suficiente para entender que só Deus podia responder à altura suas indagações e resolver seus problemas.
Quando vacilamos - e nos iludimos pensando sermos super-homens -, é bom parar para refletir nesta afirmação de Tiago, e entender que os homens que Deus usou no passado não eram especiais no sentido de serem diferentes de nós. Eram, na verdade, pessoas semelhantes a nós hoje, com dificuldades e problemas, mas, vitoriosos, porque debaixo das mãos poderosas de Deus.
Eli, o sacerdote, teve o senão de não saber educar bem a seus filhos Hofni e Finéias (1Sm 2.12-4.22); Noé embriagou-se e deixou-se fragar nu em casa (Gn 9.20-29); Abraão tentou enganar Abimeleque, mentindo sobre a verdadeira identidade de Sara, sua esposa (Gn 20.1-18); Isaque deixa-se enganar por Jacó, com anuência de sua mulher Rebeca, na questão da bênção do primogênito (Gn 27.5-29); Jacó demonstrou certas preferências pelos filhos de Raquel, José e Benjamim, em detrimento dos outros filhos (Gn 37.11,34,35); Miriã e Arão provocaram um levante contra Moisés, desafiando a sua liderança (Nm 12.1-16).
Esses são apenas alguns dos exemplos de personagens bíblicos que tiveram alguma dificuldade em relação a algum tema em sua vida, deixando, naquela circunstância, de tomar o melhor caminho ou escolher da melhor maneira, debaixo da orientação divina. Obviamente que seus erros não anularam seus acertos e nem os descredenciaram como servos de Deus. Mas, com certeza, se Deus ama o pecador e abomina o pecado, seus erros trouxeram conseqüências para suas vidas. Daí precisarmos estar sempre vigilantes para que atitudes impensadas não tragam prejuízos para nossas vidas e de nossas famílias.

Existe família que se ama
Se não existe família perfeita, como temos visto até aqui, então o que é que existe? Em primeiro lugar, vamos concluir que existe família que se ama. O amor é a melhor receita para se vencer qualquer imperfeição. Quando se ama, isto significa que aceitamos a pessoa amada tal qual ela é. Ela é amada com todos seus erros e acertos, pela sua forma de ser, sua personalidade, seu caráter, seu jeito especial, tudo o que compõe suas estruturas físicas, morais, psicológicas e espirituais.
O amor é o fundamento da vida. O amor é a base do relacionamento de Deus para com a humanidade (“Nós amamos, porque ele nos amou primeiro” - 1Jo 4.19) e deve constituir-se na forma como nos relacionamos com Deus. Sem amor, não existe vida. Sem amor não existe sociedade. O amor constrói existências e faz pontes entre a nossa realidade e a realidade de Deus. O espelho enigmático da nossa existência se desvenda nos mistérios do grande amor de Deus (1Co 13.1-13).
Famílias se constituem pelos elos do amor e famílias se preservam pelo amálgama do amor. Na hora da dor, da enfermidade, da perda, da necessidade; familiares se unem e combatem o inimigo comum com base no contrato sacrossanto do amor.
As famílias que sabem dos seus limites humanos e procuram cultivar um crescente relacionamento de amor, são aquelas que não se deixam abater por suas imperfeições mas se deixam motivar pelos seus laços de amor. Assim sendo, não há temores que não possam ser vencidos. Os obstáculos das dificuldades circunstanciais; dos momentos desagradáveis; de alguma falta; das limitações de cada membro da família; são expulsos da vida das famílias que se amam pelo amor que se sobrepõem a tudo. Nada é maior que o amor. Como disse o apóstolo amado: “No amor não há medo antes o perfeito amor lança fora o medo; porque o medo envolve castigo; e quem tem medo não está aperfeiçoado no amor” (1Jo 4.18).

Existe família que reconhece seus erros
Em segundo lugar, se não existe família perfeita, existe família que reconhece seus erros e está disposta a corrigi-los. Interessante notar que o perfeccionista sofre da limitação de não perceber que ele e qualquer pessoa têm o direito de errar. Como diz o ditado, “errar é humano”. Mas aquele que vive em busca de uma perfeição extremada, não consegue perceber que nunca alcançará o que almeja.
Do ponto de vista religioso, este também é o problema do fundamentalista, aquele que faz uma interpretação literal das Escrituras e assume atitudes legalistas, exigindo sempre o cumprimento de certas leis e regras, a seu modo. Muitos judeus dos tempos bíblicos se comportavam dessa maneira, trazendo sérios problemas para a comunidade cristã nascente, conforme registrou e condenou Paulo ao escrever a carta aos Gálatas.
Geralmente, quem é legalista, esquece-se de que tem pontos fracos. É exigente em algumas coisas, porque deixa a desejar em muitas outras. Então, o legalismo funciona como uma capa para esconder os seus erros. Na família não é muito diferente. Autoritarismos extremados podem significar que a “mão de ferro que comanda” não quer que os outros reproduzam seus erros; quer exclusividade de mercado.
Quando a família, entendendo-se imperfeita, reconhece os seus erros, está a um passo de acertar-se. Famílias que reconhecem erros são famílias onde impera a lei da humildade. Só reconhece que errou quem sabe o valor da humildade e predispõe-se a caminhar novamente em busca da integração e da harmonia. Isto é algo recomendável não só entre irmãos, mas de filhos para pais e de pais para filhos. Pais que ousam pedir desculpas aos filhos, não demonstram fraqueza, mas nobreza de caráter. Com certeza isto contará ponto na avaliação que o filho fará de seus pais: “Meus pais não são perfeitos, mas são amorosos e humildes. Como eu os amo!” Não poderia haver melhor avaliação dos filhos para com seus pais.

Existe família que quer crescer junta
Como terceira conclusão a que chegamos, o fato de não existir família perfeita, não impossibilita a existência de famílias que queiram crescer unidas, com esforço de todos visando a uma causa comum. A existência do amor no seio da família é a base de sustentação necessária para que ela esteja unida em todos os momentos, inclusive objetivando o seu progresso.
Quando se podem somar forças, demonstrar espírito coletivo, então, aumentamos o poder de ataque frente aos inimigos da vida. Isto não é diferente na família. Quando ela está bem estruturada, com fé, dependente de Deus, com liderança firme e segura, com alvos bem definidos e participação de todos os seus membros, então ela está muito mais apta à vitória.
Sabedora de seus limites, a família pode investir esforços para melhorar o que não está bom, suprimir o que não vale a pena e aperfeiçoar o que for útil. Com as atenções voltadas para conquistas familiares, progressos que visem ao bem comum e não apenas o de um de seus membros, a família verá seus laços sendo fortalecidos e os seus dias sendo melhores.

Aplicações para a vida
Neste artigo, em que procuramos compreender a realidade da família, longe de modelos que preguem a sua perfeição, mas no entendimento de que cada família precisa construir seu espaço, tiramos algumas conclusões: 1ª) Não existe família perfeita, o que existe são famílias que reconhecem as suas limitações e procuram desenvolver o amor, a humildade e o companheirismo em busca do aperfeiçoamento constante. 2ª) Nada do que a família fizer para vencer seus problemas e nenhum investimento que ela fizer para progredir será bem sucedido se não houver inteira dependência de Deus. 3ª) A união é fundamental para que a família cresça no modelo que dá certo que é modelo da superação, do amor e da dependência de Deus.
Autor: Josué Ebenézer de Sousa Soares


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