PROMESSA DE PRAZER FUTURO



Triste do país; triste do brasileiro. Já não sonhamos mais; já não esperamos mais desta vida. Quando a promessa do prazer futuro não mais existe, somos compelidos a viver o presente de uma forma avassaladora; que aniquila sonhos, desmantela esperanças.

Na nação Umbundo, em Angola, há uma canção cuja letra: “eci ungende ubua tu pitila kulambá auiê”, traduzida para o português significa: “quando a viagem findar, vamos chegar à Glória”. É um hino de cunho religioso. E cantando esta canção e batendo com os pés firmes no chão esturricado do barro vermelho, o povo dança feliz mesmo no meio das tristezas dos mutilados de guerra, dos sem moradia, dos desempregados; na certeza de que há uma promessa futura que propõe prazer. Este provimento de esperança é que impulsiona a vida, motiva o trabalho e a produtividade.

Queremos ser e por isso fazemos. Quando desistimos de ser algo que nós próprios deveríamos construir, deixamos a vida nos levar e somos carregados à mercê dos ventos idiotizantes do marasmo social hodierno. O pagode popularizado nestes últimos anos “deixa a vida me levar, vida leva eu” ilustra muito bem esta tendência: o ser humano desistiu de lutar pelos seus sonhos; gerir a própria vida.

Passa-se, então, a viver uma experiência de desamparo e desproteção que é das mais traumáticas na vida humana. Quando isso ocorre, experimenta-se um comprometimento da saúde mental. O ser torna-se vulnerável. Pensando em termos de Brasil, que alguém já apregoou como sendo o “país do futuro”, a experiência coletiva de esperança torna-se mais traumática ainda. Que futuro é esse que não chega nunca? Quantas gerações já passaram embaladas pela mesma promessa de futuro e ela não se concretizou?

Daí, esta desesperança coletiva, este descrédito generalizado para com a pátria mãe, assume proporções individualizadas. É o indivíduo que já não quer mais. É o cidadão que não confia mais nas instituições, nos governantes, nos empresários, na imprensa e nos religiosos. Todos passam a ser “farinha do mesmo saco”, todos perdem seu poder de sedução e de atração para as causas que promovem. Vivemos num mundo sem ideologia. Não há em que acreditar. Não há projetos e causas a serem abraçados. O voluntarismo perde seu apelo, sua mensagem. E tudo isso por conta das maracutaias, dos desvios de verbas, dos aposentados e crianças sofrendo e morrendo nas filas dos hospitais e repartições públicas.

Há um cheiro de violência no ar. Não só aquela das ações concretas da bandidagem à luz do dia, mas aquelas decorrentes das ações desonestas dos corruptos que roubam à fé e a esperança do coração brasileiro. A perversão perpetrada pelos “colarinhos brancos” promove um desprestígio generalizado para com o mutirão de solidariedade que se poderia levantar neste país para melhorar a condição de vida do nosso povo. Mas o povo deveria reagir. Dar uma resposta de solidariedade e amor aos desumanos ladrões da alegria que pervertem a justiça e corrompem a equidade.

Mas isso ainda não aconteceu. E porque o país não consegue alimentar seu povo de esperança e porque já não mais existe a promessa de prazer futuro, ficando cada vez mais distante a concretização de sonhos - sejam eles a casa própria ou o carro; sejam o emprego, o pão diário ou o remédio para o filho -, a vida passa a ser vivida utilitariamente. A sociedade perde seu poder de sedução: o coletivo não interessa, o altruísmo é desbancado pelo ego que se assenta no trono do coração do indivíduo. Ele quer prazer a qualquer custo. Quer satisfação imediata. Não tem futuro, mas quer ter presente. Esta é a lógica do bandido que vive pouco – em média os traficantes e bandidos brasileiros vivem 27 anos – mas intenciona aproveitar ao máximo os poucos anos de vida que viverá sem deixar raízes. Casas bonitas, carros importados, mulheres, boa comida e droga. Eis uma breve lista do que enche os olhos dessa gente sem esperança de futuro.

A tendência de querer se viver bem o presente porque não se tem a certeza do futuro, pode ser chamada de “narcisismo social”. É um querer satisfazer-se a qualquer custo. É uma busca insana e tresloucada de alimentar-se de presente, de sensações, de emoções. Trata-se de uma geração sensitiva que só se satisfaz se tocar, cheirar, apalpar, ouvir, sentir, fazer, ganhar. Conjugam-se os verbos de realização pessoal. E só a experiência determina o válido. Não há cultura aprendida. Não há conhecimento acumulado. A História vai para o esgoto. Constroem-se a própria história com o suor, o sangue e as lágrimas, próprias, e dos inocentes que se perdem em seus caminhos.

Numa situação tão deprimente assim, os vícios passam a ser válvulas de escape para a desesperança. O álcool, o fumo, as drogas e a prostituição passam a ser consumos aceitáveis para suprir a ausência de futuro e fazer suportar o presente. O governo gasta muito dinheiro público com pacientes que deveriam ser responsabilizados pelas suas doenças, visto que a maioria delas é decorrente da incapacidade da temperança e do domínio próprio. Enquanto isso, crianças e velhos inocentes morrem sem atendimento básico assegurado pela Constituição.

Sem promessa de prazer futuro, tem-se que agarrar qualquer prazer imediato. O aqui e agora prevalece sobre o amanhã. Não há planejamento, não há sonhos. Há realizações. É pra já! E o roubo, o pequeno furto, o consumo de drogas, o sexo fácil, a bandalheira e a corrupção são as portas de acesso fácil a este prazer imediato, embora efêmero.

Cabe aqui uma crítica a própria maneira de se viver a religiosidade em nossos dias. As igrejas neo-pentecostais, igrejas ditas de libertação e prosperidade, entraram neste filão imediatista de atendimento das necessidades básicas do indivíduo, perdendo o sentido transcendental da fé. Talvez a culpa seja das igrejas históricas que descansaram na promessa do “celeste porvir”. Nem tanto à terra nem tanto ao céu! Deve se buscar um equilíbrio entre o presente e o futuro; a realidade e o sonho. O terreno não pode encobrir e aniquilar o transcendental, nem o eterno o passageiro. Viver firmado no presente, mas alimentado da esperança, é o que o coração brasileiro precisa.

Que a nação saiba resgatar a promessa de futuro que se perdeu na falta de horizontes da política, da cidadania e da educação. Que os religiosos recuperam a mensagem de esperança do Cristo crucificado. Que o indivíduo reconsidere a troca que tem feito da eternidade pelo prazer presente. Do tesouro, pelo centavo efêmero. Do banquete, pela migalha que cai da mesa dos ricos e poderosos ou que é surrupiada da derme enlouquecida pelo prazer momentâneo.
Autor: Josué Ebenézer de Sousa Soares


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