Prioridades



Havia um dia, num lugar nada longe de onde nós todos estamos, um corpo que guardava uma Alma, assim como todos os corpos comuns, mas este tinha uma diferença, na verdade pensava ter, entendia ter e sentia mesmo ter.

Achava-se pior, menos belo e pequeno demais para a Alma que sabia existir no seu interior.

Por outro lado a Alma, lá de dentro do corpo, sentia-se a mesma, afinal as Almas não mudam, não crescem, não envelhecem e não morrem.

Olhava para todos e para tudo como sendo parte deles, de todos e de tudo, parte da vida e das coisas boas da vida, sentia-se de fato a imagem e semelhança, exceto pelas limitações que lhe vinham por força dos medos que assombravam o corpo, seu lar, sua morada, seu castelo.

Mas o corpo não compreendia e desejava ser melhor por crer que sendo melhor seria melhor para a Alma e assim vivia em constante sofrimento, silencioso e secreto, opaco, ofuscado pelas necessidades de outra forma ser, outro comportamento aparentar, mas sofria, muito e sozinho.

A vida passava, para o corpo somente pois que as Almas não conhecem o tempo, muito menos o espaço e justamente por este seu poder é que aquela Alma andava muito, distâncias infinitas e viajando no tempo e no espaço conhecia as melhores oportunidades que se mostravam viáveis para seu corpo, para aquele corpo que ela conhecia tão bem, mais do que ele mesmo, corpo que para ela não tinha forma, sequer imagem, media-se por uma presença, uma forma de se fazer presente mesmo quando nem ele sabia estar presente.

Nas suas andanças a Alma encontrava, no futuro do corpo, as respostas para seus desejos mais secretos, passados e presentes, tão bem guardados que nem ele mesmo sabia existir, conhecia ou tinha consciência.

Encontrava vidas felizes que se ofereciam, que buscavam a mesma felicidade na mesma medida e intensidade, nada mais desejavam que não fosse a simples e mais pura felicidade, tudo isto expresso pelas Almas delas e assim as Almas falando, trocando em telepático silencio os mais secretos desejos de seus corpos, acabavam por encontrarem-se como se gêmeas fossem.

De volta no tempo dos corpos a Alma, num esforço incompreensível para os corpos, fazia, por meio do que se entende, entendem os corpos mais curiosos, como sendo uma “sincronicidade”, que encontros se dessem, acontecessem, viabilizando-os para que os corpos, pobres e limitados corpos, tivessem alguma oportunidade que por si mesmo talvez nem em duas vidas chegariam a ter.

O corpo, limitado pelos seus medos, pelas incertezas de suas inseguranças, muitas vezes não percebia, não tinha consciência da oportunidade que se oferecia à sua frente.

Continuava duro e frio na resistência dos incrédulos, temia por meio de temores materiais e aparências físicas e assim seguia infeliz, sentindo-se menos, menor e pior do que deveria – não do que desejaria – ser.

Acreditava que sua Alma merecia mais, mas não lhe conhecia as felicidades, as oportunidades que por ela poderiam graciosa e gratuitamente acontecer.

Assim foi até que um dia a Alma falou forte, com uma força diferente que fez mesmo o corpo ouvir ou, se não ouviu, então pressentiu por ser esta também uma das linguagens das Almas e assim foi que o corpo viu-se CORPO, mas desta vez com alma e, mais que isto, vendo-se refletido noutro corpo que lhe trouxe a Alma.

Sentiu-se bem, leve e feliz, logo da primeira vez, foi a primeira vez.

Acreditou, também pela primeira vez, que o que lhe acontecia era de verdade, de fato e real e assim agiu, recebendo de coração aberto o que lhe trouxe a Alma e foi tornando-se pouco a pouco um pouco mais seguro, menos contido e mais feliz.

Dizem mesmo que chegou a conhecer um pouco de felicidade, mas não sabia ainda que a felicidade é uma moeda de troca.

Dá-se e recebe-se na mesma e direta proporção e foi isto o que se dispôs fazer, dar por crer estar recebendo.

Deu o que tinha, pouco é verdade, mas era o seu tudo e quem dá no pouco que pode o tudo que tem, com certeza é generoso e deseja construir.

Mas existem coisas que são do corpo e que nem mesmo as Almas podem superar, apagar, desmanchar, alterar.

Delas uma é de vital importância, tanta que mesmo as Almas conseguem já entender a importância e reconhecer a ausência: a prioridade.

Por ela se medem as possibilidades, de cada um pela sua possibilidade, a cada um pela sua necessidade, mas existem e são perceptíveis, por mais incrível que pareça, nos mínimos e mais ínfimos detalhes, aqueles, justamente aqueles que os olhos pensam não ver, que o coração pretende não entender, que as Almas preferem não alterar pois que são parte da dádiva maior do Criador: o livre arbítrio.

Na ausência das prioridades, na inversão delas, na superposição dos menores valores é que se verifica o engano das Almas, Elas também se enganam e foi assim que o corpo viu-se novamente sozinho, desta vez ao lado de outro corpo, mas era somente um corpo, casualmente presente, momentaneamente presente, possivelmente presente.

Nele Alma não parecia haver mas sabendo que havia, percebeu o corpo, ou sua Alma, que não havia prioridade na ordem esperada, imaginada, sonhada, desejada.

Sem ela nada mais se justifica exceto e tão somente que sejam restauradas às partes, às Almas, o seu estado natural, de volta ao corpo pequeno que habitam, desta vez tornado menor, encolhido um pouco mais, para então sentir-se menor também, com menos arrojo e coragem, com as distancias do lugar onde não existem o tempo e o espaço agora menos grandes, menos amplas, mais curtas e modestas, até mesmo pelo medo de outro engano que possa vir sob a forma de nova e colorida esperança que novamente não conheça as prioridades.

Assim ficou o corpo novamente sozinho com sua Alma abrigada, aprisionada lá dentro e no outro corpo, a outra Alma permaneceu ali, de onde nunca saiu: dentro dela mesma!
Autor: Ricardo de Carvalho Siqueira


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