Responsabilidade Civil do Estado perante atos anulos de boa-é



RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO PERANTE ATOS NULOS



Autor: Rodrigo Carvalho Polli. Advogado. Presidente da Comissão Permanente de Licitação da Prefeitura Municipal de Pinhais. Pós Graduado em Direito Processual Civil e Pós Graduando em Direito Administrativo.


1.Introdução

O presente artigo busca analisar a responsabilidade civil por parte do Estado frente a atos calcados de nulidade. A jurisprudência sempre foi unânime em isentar o Estado de responsabilidade no que tange a declaração de ato nulo, contudo, o Supremo Tribunal Federal atualmente vem adotando posicionamento diverso do antes exposto, quando comprovada a boa-fé por parte daquele prejudicado.

2. Atos nulos

Preliminarmente, importante ressaltar que ao analisar o conceito de ato administrativo nos deparamos com uma “geratriz de desentendimento no plano doutrinário” , como comenta Manuel Maria Diez, “La doctrina no es pacifica em cuanto a la nócion conceptual de lacto administrativo. Ello es así porque la definición del acto administrativo puede ser hecha desde puentos de vista diferentes” . Desta forma, em uma feliz passagem do ilustre Professor Hely Lopes Meirelles, discorre o conceito de ato administrativo:

Ato administrativo é toda manifestação unilateral de vontade da Administração Pública que, agindo nessa qualidade tenha fim imediato adquirir, resguardar, transferir, modificar, extinguir e declarar direitos, ou impor obrigações aos administrados ou a si própria.

Nesse sentido Celso Antonio de Bandeira Mello nos ensina que ato administrativo é:

a declaração do Estado (ou de quem lhes faça as vezes- como por exemplo, um concessionário de serviço público), no exercício de prerrogativas públicas, manifestada mediante providências jurídicas complementares da lei a título de lhe dar cumprimento, e sujeitas a controle de legitimidade por órgão jurisdicional.

Tais atos, quando eivados de vício no que tange a sua legalidade ou legitimidade poderão ser declarados inválidos. Nesse sentido, o STF pacificou tal assunto emitindo a súmula 473, a qual dispõe:

A Administração pode anular seus próprios atos, quando eivados de vícios que os tornam ilegais, porque deles não se originam direitos; ou revogá-los, por motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos, e ressalvada, em todos os casos, a apreciação judicial.

Diante do exposto podemos extrair o conceito de ato nulo, o qual a respeito das nulidades, Manoel Antônio Teixeira Filho leciona que:

O ato nulo é o que tem existência em desacordo com a Lei e cuja invalidade pode ser decretada “ex officio” (...). Na verdade, o que vai definir se o ato é nulo ou anulável é a natureza da norma legal transgredida, considerada em seu aspecto finalístico. Destarte, se a norma violada era de ordem pública, haverá nulidade absoluta.

É permitido, como já visto anteriormente que, a Administração Pública, bem como ao Poder Judiciário, a pronúncia de invalidade de ato administrativo, “desfazendo, deste modo, todos os vínculos entre as partes e obrigando-se à reposição das coisas ao status quo ante, como conseqüência natural e lógica da decisão anulatória.”



3. Responsabilidade Civil

Grandes são as dificuldades doutrinárias a cerca do conceito do instituto da responsabilidade civil. Serpa Lopes observa que a responsabilidade “é a obrigação de reparar um dano, seja por decorrer de uma culpa ou de uma outra circunstância legal que a justifique, como a culpa presumida, ou por uma circunstância meramente objetiva”. Com precisão inigualável, baseado nas idéias de Oswaldo Aranha de Bandeira Mello, a ilustre Professora Maria Helena Diniz discorre o seguinte a despeito do conceito de responsabilidade civil:

Poder-se-á definir a responsabilidade civil como a aplicação de medidas que obriguem a alguém a reparar o dano moral ou patrimonial causado a terceiros em razão de ato do próprio imputado, de pessoa por quem ele responde, ou de fato de coisa ou animal sob a sua guarda (responsabilidade subjetiva) ou ainda, de simples imposição legal (responsabilidade objetiva).

Dispõe o artigo 37, parágrafo 6º, da Constituição Federal pátria que “As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes nessa qualidade causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa”.
O exame desse dispositivo revela que o constituinte estabeleceu para todas as entidades estatais e seus desdobramentos administrativos a obrigação de indenizar o dano causado a terceiros por seus servidores, independentemente da prova de culpa no cometimento de lesão.

4. Responsabilidade Civil do Estado perante atos nulos

A regra é que diante de atos nulos a Administração Pública não seja responsabilizada. Em julgamento proferido pelo Sr. Ministro Moreira Alves, fica evidente a isenção declinada pelo Poder Judiciário à Administração Pública diante de verificação de ilegalidade de seus atos declarando, assim, a sua respectiva nulidade:
2. Decidiu o acórdão recorrido que a Administração Pública pode declarar a nulidade de concurso público em virtude de ilegalidades ocorridas na sua realização, independentemente de ouvir, em processo administrativo, os candidatos nomeados em virtude dele, e em período de estágio probatório.
E, a meu ver, decidiu corretamente:
Com efeito, dispõe a Súmula nº 346 que a administração pública pode declarar a nulidade dos seus próprios atos.
E, declarada a nulidade do ato - que opera ex-tunc - não há que se falar em direitos dele decorrentes.
A circunstância de os candidatos nele aprovados já terem sido nomeados e se encontrarem em estágio probatório em nada modifica a questão. Nulo o concurso, nulas as nomeações e investiduras.
Sendo nula a admissão de pessoal pela nulidade do certame julgou-se que nenhum efeito dela decorrerá. Daí resultou-se que nenhum direito, inclusive pecuniário, tiveram os servidores admitidos irregularmente.
Em artigo publicado, em estudos em homenagem ao Professor Romeu Felipe Bacellar Filho, a Professora Regina Maria Macedo Nery Ferrari, muito bem elucida as lições prestadas pelo exímio doutrinador Celso Antõnio Bandeira de Mello:
Celso Antônio Bandeira de Mello, tratando do assunto á responsabilidade patrimonial, extracontratual do Estado e da obrigação de reparar economicamente os danos lesivos á esfera juridicamente garantida de outrem quando decorrentes de “comportamentos unilaterais, lícitos ou ilícitos, comissivos ou omissivos, materiais ou jurídicos”, esclarece que esta não deve ser confundida com a obrigação, também a cargo do Poder Público, de indenizar os casos decorrentes de sacrifícios de certos interesses privados, quando a ordem jurídica autoriza investir contra o direito de terceiros, sendo o exemplo mais característico de tal sacrifício a desapropriação. Portanto, só se pode falar em um direito alheio, decorrente de atos ilícitos do Poder Público, pois não é qualquer debilitamento do direito que dará ensejo a falar em responsabilidade.
5. Responsabilidade Civil do Estado perante atos nulos por particular de boa-fé
Em decisão proferida pelo Sr. Ministro Ilmar Galvão, em sede de recurso extraordinário, contra acórdão do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão, que entendeu não ser devida ao recorrente indenização por danos morais e materiais causados por ato administrativo nulo, do qual obtivera benefícios, decidiu-se que “ainda, que venha a ser considerada, na apuração da responsabilidade do Estado, a parcela de culpa do recorrente, o certo é que não se apresenta ela, como se viu, como causa única do dano, conclusão suficiente para infirmar o decreto de improcedência da ação indenizatória.
ESTADO DO MARANHÃO. OFICIAL DO CORPO DE BOMBEIROS MILITAR. EXONERAÇÃO POR HAVER SIDO ADMITIDO SEM CONCURSO. REPARAÇÃO DAS PERDAS E DANOS SOFRIDOS, COM BASE NO ART. 37, § 6.º, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. Legitimidade da pretensão, tendo em vista que a nomeação do recorrente para a corporação maranhense se deu por iniciativa do Governo Estadual, conforme admitido pelo acórdão recorrido, havendo importado o encerramento de sua carreira militar no Estado do Rio de Janeiro, razão pela qual, com a exoneração, ficou sem os meios com que contava para o sustento próprio e de sua família. Recurso provido para o fim de reforma do acórdão, condenado o Estado à reparação de danos morais e materiais, a serem apurados em liquidação, respectivamente, por arbitramento e por artigos. RE 330834 / MA- MARANHÃO. RECURSO EXTRAORDINÁRIO Relator(a): Min. ILMAR GALVÃO
Julgamento: 03/09/2002 Orgão Julgador: Primeira Turma.
Inclusive, importante ressaltar que a decisão acima disposta foi objeto do Informativo 282 do STF.
Destarte, possibilita-se identificar a obrigação de indenizar por parte do Estado diante de terceiros de boa-fé quando declarados nulos seus atos, seja por ausência de legalidade ou legitimidade.
A reparação do dano causado pela Administração a terceiros obtem-se amigavelmente ou por meio da ação de indenização, e uma vez indenizada a lesão da vítima, fica a entidade pública com o direito de voltar-se contra o servidor culpado para haver dele o despendido, através da ação regressiva autorizada pelo parágrafo 6º, do art. 37 da CF.

Sendo assim, é permitido constitucionalmente por parte da Administração reaver de seus servidores, mediante ação de regresso, os prejuízos a si causados.


6. Conclusão

Em regra, a Administração Pública não tem o dever de responsabilizar-se por atos declarados nulos, contudo, como enunciado pelo STF, caso seja o lesado de boa-fé poderá o Estado ter o dever de indenizar.

7. Bibliografia

DIEZ, Manuel Maria. Derecho Administrativo. Bibliografia Omeba: Buenos Aires, 1984.

FERRARI, Regina Maria Macedo Nery. . Cenários do direito administrativo. Estudos em homenagem ao Professor Romeu Felipe Bacellar. Editora Fórum: Belo Horizonte, 2004.

FREITAS, Ney José de. Cenários do direito administrativo. Estudos em homenagem ao Professor Romeu Felipe Bacellar. Editora Fórum: Belo Horizonte, 2004.


MEIRELLES, Hely Lopes.Direito Administrativo Brasileiro. 20ª Edição.Editora Malheiros: São Paulo, 1990.

MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo.Malheiros: São Paulo, 2003.

TEIXEIRA FILHO, Manoel Antônio . Curso de Processo do Trabalho. Editora Ltr: São Paulo, 2003.

RE nº 85557-SP, Relator Ministro Moreira Alves.
Autor: Rodrigo Polli


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