Pensando em uma Locomoção sem Poluição



Autor: Marçal Rogério Rizzo

O dia 22 de setembro ficou marcado por ser o “Dia Mundial sem Carro”, em que milhares de pessoas de cidades de 40 países deixaram o carro parado e utilizaram outros meios de transporte. Essa iniciativa surgiu na França no ano de 1997 e busca a melhoria da qualidade de vida e do meio ambiente. Os carros trazem conforto, comodidade e algumas conseqüências.

Oded Grajew publicou o artigo “O Dia Mundial sem Carro” (Folha de São Paulo de 16/09/2007) em que pode apresentar dados consistentes a respeito dessa forma de mobilidade. Os carros emitem toneladas de dióxido de carbono e são responsáveis por 60% a 80% da poluição atmosférica dos centros urbanos.

O Brasil possui 29,1 milhões de automóveis e o brasileiro gasta boa parte do seu orçamento com o seu carro. “Nas famílias em que o chefe tem o Ensino Médio completo, o gasto com a educação representa 4,9% do orçamento, enquanto o gasto com aquisição do automóvel, combustível e manutenção representa 10,8%”.

Atualmente, a indústria automobilística bate recordes nas vendas de automóveis. Para quantificar essa informação, só em São Paulo há uma inserção de 500 novos carros diariamente. Hoje, a frota de automóveis em São Paulo já atingiu 5 milhões de unidades. Existe um cálculo afirmando que as famílias paulistanas perdem, no mínimo, um ano e meio de vida em razão da poluição dos carros.

O tempo que se perde nos congestionamentos tem aumentado. Já se estima em 316 milhões de horas para São Paulo e 113 milhões para o Rio de Janeiro.

Em relação aos acidentes de trânsito, os números também são elevados. Ainda Grajew nos subsidia: “São 30 mil mortes e 350 mil feridos por ano, consumindo de 30% a 40% do que o SUS gasta em internações por causas externas. [...] O custo social dos acidentes de trânsito, por ano, no Brasil, é de R$ 5,3 bilhões, referentes a gastos com saúde, Previdência, Justiça, seguro e infra-estrutura, entre outros”. Lembra que CO2 emitido pelos carros é “[...] altamente cancerígeno, e mata anualmente 3.000 pessoas só em São Paulo”.

Os carros ocupam os espaços públicos e privados. Isso ocorre nas ruas, nos estacionamentos, nas garagens, nos condomínios e nos terrenos. Estacionar virou um problema. Apartamentos e casas já são planejados com suas vagas para os carros. Evento tem que possuir enormes estacionamentos com seguranças.

O uso de carro no Brasil tornou-se uma necessidade, um hábito e uma individualização da locomoção.
Isso é justificado pela falta de ações do poder público com relação ao transporte coletivo, tanto interno, quanto entre municípios. Até andar a pé torna-se uma aventura na maioria das cidades, pois as calçadas não estão preparadas para o tráfego de pessoas.

Na minha fase de criança e adolescente, lembro que utilizava a bicicleta como meio de transporte. Seguia de casa para a escola, de casa para o campo de futebol, de casa para o mercado e, hoje, não vejo mais as crianças utilizarem a bicicleta como meio de transporte e até mesmo como meio de lazer. As crianças de antigamente tinham como sonho ganhar uma bicicleta. Parece que os carros eram mais lentos, mais solidários com os ciclistas, mas, atualmente, muita coisa mudou. Creio que há um temor por parte dos pais em deixarem seus filhos circulando de bicicleta pelas ruas inseguras e desumanas. As ruas foram tomadas por carros e motos e excluem as bicicletas.

No “Dia Mundial sem Carro” o mesmo jornal que já citamos trouxe informações interessantes sobre a bicicleta e seu uso. A primeira delas é que, mesmo diante de tantas adversidades, há 60 milhões de bicicletas no Brasil.

Na realidade, o que falta é uma política pública séria que a inclua e democratize sua utilização. Faltam ciclovias adequadas para a circulação das mesmas, faltam estacionamentos apropriados, faltam formas viáveis de integração da bicicleta com outros meios de transporte como metrô e ônibus, faltam um processo de educação no trânsito e uma sinalização adequada em parte das cidades. O número de ciclovias nos últimos anos tem se ampliado, no entanto, ainda é pouco. Temos 2.500 km de ciclovias distribuídos em 279 cidades (em média 8,9 km por cidade). A Holanda, que é um país bem menor que o Brasil, possui 34 mil km.

Outra consideração que deve ser ressaltada é que quanto maior for a cidade, menor é o uso das bicicletas. Nas cidades entre 60 mil habitantes e 100 mil habitantes, a participação da bicicleta nos deslocamentos é de 8,74%; entre 100 mil e 250 mil é de 5,65%; entre 250 mil e 500 mil é de 3,39%; entre 500 mil e 1 milhão é de 5,65% e mais de 1 milhão, a participação é de apenas 0,79%. Já a distribuição das bicicletas no Brasil se dá de forma esperada, sendo que o Sudeste detém 44% das mesmas, o Sul 14%, o Nordeste 26%, o Centro-Oeste 8% e Norte 8%.

Com isso, quero dizer que é preciso aprimorar as formas de mobilidade. As políticas públicas adotadas até o momento priorizaram o uso do automóvel e, com isso, causaram profundas distorções na estrutura de transporte e locomoção. A utilização da bicicleta poderia trazer vários ganhos, melhorando a qualidade do ar, diminuindo os congestionamentos, garantindo a prática de exercícios físicos diários, sendo mais uma forma de lazer, diminuindo os gastos públicos com acidentes e manutenção das vias públicas entre outras.

* Marçal Rogério Rizzo: Graduado em Ciências Econômicas, Especialista em Economia do Trabalho e Sindicalismo pela Universidade Estadual de Campinas/SP (CESIT/IE/UNICAMP), Especialista em Gerenciamento de Micro e Pequenas Empresas pela Universidade Federal de Lavras/MG (UFLA), Mestre em Desenvolvimento Econômico pelo Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas/SP (IE/UNICAMP) e doutorando em Geografia na área de Dinâmica e Gestão Ambiental pela Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (FCT/UNESP) – Campus de Presidente Prudente/SP.
Autor: Marçal Rogério Rizzo


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