Percepção Visual



Ana Zeferina Ferreira Maio
Lidiane Dutra

Filosofia

A percepção, juntamente com a sensação, é tida como uma das principais vias de acesso ao conhecimento sensível, e possui duas abordagens distintas, através do empirismo e do intelectualismo.

Segundo a teoria empirista, representada por Bacon, Hobbes, Berkeley, Hume e Locke, a sensação e a percepção são de ordem externa, causadas por estímulos que agem sobre nossos sentidos e sistema nervoso, recebendo uma resposta do cérebro, que volta a percorrer nosso sistema nervoso e retorna aos órgãos dos sentidos sob a forma de uma sensação ou de um conjunto de sensações, ou seja, a percepção.

Para os empiristas, as sensações são independentes umas das outras e a percepção possui a tarefa de organizá-las, unificando-as numa síntese. Segundo a filósofa Chauí, para a teoria empirista "o conhecimento é obtido por soma e associações das sensações na percepção e tal soma e associação dependem da freqüência, da repetição e da sucessão dos estímulos externos e de nossos hábitos." 1

Para a teoria intelectualista, representada por Descartes, Spinoza e Leibnitz, a sensação e a percepção dependem da capacidade do sujeito em decompor um objeto em suas qualidades (sensação) e recompô-lo novamente dando-lhe significado (percepção). O intelecto do sujeito do conhecimento realiza o ato de passagem da sensação para a percepção. A organização e síntese feitas pela inteligência sobre as sensações dispersas receberia o nome de percepção.

Assim, podemos fazer um paralelo entre as duas teorias: enquanto que para a teoria empirista a sensação é conduzida à percepção através de fatores externos, para a teoria intelectualista a passagem da sensação para a percepção é um ato que depende da atividade do sujeito. Para os empiristas, as idéias provêm das percepções, enquanto que para os intelectualistas as sensações e percepções são confusas e devem ser abandonadas mediante as idéias puras formuladas pelo pensamento.

Psicologia

Durante o século XX as teorias empirista e intelectualista foram superadas através de uma nova concepção, trazida pela fenomenologia 2 e pela Psicologia da Forma ou Teoria da Gestalt.

A fenomenologia pressupõe que todos os objetos são fenômenos, que aparecem para uma consciência. Sendo assim, não existe consciência pura nem objetos isolados em si.

A Gestalt aparece como um exemplo da aplicação da fenomenologia na psicologia. Foi desenvolvida no início do século XX, por um grupo de pesquisadores da área da psicologia da percepção –Ehrenfels, Koffka, Wertheimer e Köhler, entre outros. A palavra Gestalt, em alemão, significa figura, configuração, forma.

A questão central da Gestalt era o modo como se estruturavam e reestruturavam as totalidades em nossa percepção. Para Ostrower 3 essa teoria, em termos de relevância, "pode ser colocada ao lado de outras teorias de estruturas de profundidade: teoria da relatividade, da mecânica quântica e da psicanálise, pois do mesmo modo ilumina um novo campo de investigação que haveria de transformar nossa visão de mundo e a compreensão da realidade"4.

Para os psicólogos gestaltistas, o objeto apresenta-se primeiramente em sua totalidade, para depois a consciência do indivíduo decompô-lo em seus detalhes. Com isso, esta teoria demonstra que os fenômenos os quais percebemos são indissociáveis do conjunto em que se inserem, e a nossa percepção está intrinsecamente ligada aos fenômenos percebidos e à nossa estrutura mental. Um exemplo desse princípio básico da Gestalt são as experiências conhecidas como figura-fundo, as quais mostram imagens duplas que se adaptam como forma ou fundo. Outra experiência realizada pelos gestaltistas diz respeito às "formas incompletas", e a nossa tendência de perceber a totalidade completa, reconstituindo partes ausentes.

Afinal, o que é a percepção?

Para responder à essa pergunta, recorremos novamente às palavras de Ostrower:

A percepção não envolve apenas um ato fisiológico mas um processo altamente dinâmico e característico da consciência humana. Processo ativo e participativo, é uma ação e nunca uma reação mecânica ou instintiva ante estímulos recebidos passivamente. Alcançando áreas recônditas de nosso inconsciente, articulando e trazendo-as ao consciente, a percepção mobiliza todo nosso ser sensível, associativo, inteligente, imaginativo e criativo. Perceber é sinônimo de compreender.5

Conforme Chauí 6, a percepção possui as seguintes características:

·É um conhecimento sensorial dotado de sentido total, é o mesmo que sensação;

·É uma vivência corporal;

·É sempre uma experiência dotada de significação;

·É uma relação do sujeito com o mundo exterior;

·É uma relação complexa entre o corpo-sujeito e os corpos-objetos;

·Envolve nossa vida social, é uma forma de estarmos no mundo;

·É um dos meios fundamentais para a arte, pela capacidade de alterar nossa percepção cotidiana e costumeira;

·A confusão entre várias percepções leva-nos a um erro muito especial: a ilusão, pois muitas vezes tomamos uma coisa por outra, em meio à idéias confusas.

Para ambas autoras, a percepção é muito mais do que um objeto de estudo, é uma vivência corporal, que envolve o meio ambiente no qual estamos inseridos, proporcionando uma relação intensa entre nós e aquilo que percebemos. Nesse sentido, Bosi 7 diz que, "o vínculo da percepção visual com os estímulos captados pelos outros sentidos é um dos temas fundantes de uma fenomenologia do corpo. O olhar não está isolado, o olhar está enraizado na corporeidade, enquanto sensibilidade e enquanto motricidade".

Referências

AUMONT, Jacques. A imagem. São Paulo: Papirus, 2006.

CHAUI, Marilena. Convite à filosofia. São Paulo: Ática, 2006.

MAIO, Ana Zeferina Ferreira. Um modelo de núcleo virtual de aprendizagem sobre percepção visual aplicado às imagens de vídeo: análise e criação. 2005. 223f. Tese (Doutorado em Engenharia de Produção) – Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis.

NOVAES, Adauto. O olhar. São Paulo: Companhia das Letras, 2006.

OSTROWER, Fayga. A sensibilidade do intelecto. Rio de Janeiro: Campus, 1998.


1 CHAUI, Marilena. Convite à filosofia. São Paulo: Ática, 2006, p. 133.

2 Sistema de Edmund Husserl (1859-1938), filósofo alemão, e de seus seguidores, caracterizado principalmente pela abordagem dos problemas filosóficos segundo um método que busca a volta "às coisas mesmas", numa tentativa de reencontrar a verdade nos dados originários da experiência, entendida esta como a intuição das essências. 

3 Fayga Ostrower, artista de renome internacional, dedicou-se por mais de trinta anos ao ensino da arte. Distinguindo-se pela abordagem interdisciplinar, suas explicações dos princípios básicos da linguagem visual e dos conteúdos expressivos são fundamentadas na análise da estrutura formal de obras de arte produzidas em todas as épocas.

4 OSTROWER, Fayga. A sensibilidade do intelecto. Rio de Janeiro: Campus, 1998, p. 69.

5 idem, p. 73.

6 CHAUI, 2006, p. 134-36.

7 BOSI, Alfredo. Fenomenologia do olhar. In: NOVAES, Adauto. O olhar. São Paulo: Companhia das Letras, 2006, p. 66.

Autoria:
Ana Zeferina Ferreira Maio
Lidiane Dutra


Autor: Lidiane Dutra


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