A UNIÃO HOMOAFETIVA



A UNIÃO HOMOAFETIVA FRENTE A SOCIEDADE E A CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL



Ao adentrarmos esta importante seara do Direito – A União Homoafetiva, deparamo-nos com uma imensa corrente de opiniões controversas, as quais, remeteu a Autora, a busca da luz intelectual dos ilustres doutrinadores que se seguem, os quais, não poderíamos deixar de cita-los pela imensa contribuição técnica e social que proporcionam através de suas obras, referências indispensáveis a qualquer trabalho de pesquisa acadêmica ou produção científica: Bourdieu, Brasil, Brauner, Butler, Carbonera, Fachin L..Edson, Chauí, Fachin R.Girardi, Foucault, Giddens, Kant, Lobo, Louro, Moraes, Negreiros, Oliveira, Pinto, Rios, Roudinesco, Sarlet, Sarmento, Sève, Silva Filho, Streck, Tependino, Barreto, Vance, Warat, Weeks, Welzer-Lang e Wolmer.

Para uma melhor abordagem do tema, faremos uma breve incursão através dos tempos para melhor entendermos a questão na atualidade.

A Homossexualidade acompanha a história da humanidade desde que o mundo é mundo, sendo diversamente interpretada e explicada, sem que, entretanto, jamais fosse ignorada (Rodrigo da Cunha). Na Grécia antiga, o livre exercício da sexualidade era privilégio dos bem nascidos e fazia parte do cotidiano dos deuses, reis e heróis. A mitologia grega retratou famosos casais homossexuais como Zeus e Gamimede e Aquiles e Patroclo. Para a sociedade grega, a heterossexualidade era considerada uma necessidade reservada a procriação ao passo que, a homossexualidade era tida como uma necessidade natural, digna de ambientes cultos; uma legítima manifestação da libido. Outro claro sinal das tendências homossexuais da civilização grega eram as representações teatrais, em que os papéis femininos eram sempre desempenhados por homens travestidos. O preconceito contra a homossexualidade advém das religiões. Do vínculo religioso-cultural nasceu a censura aos chamados pecados da carne.

A concepção bíblica de preservação dos grupos étnicos, como forma de sobrevivência de culturas e religiões, foi responsável pela completa inversão da visão sobre as relações entre os sexos. Toda e qualquer relação prazerosa passou a ser vista como grave transgressão dos valores estabelecidos, configurando perversão. O contato sexual é restrito ao casamento e exclusivamente para fins procriativos. Daí a condenação ao homossexualismo principalmente o masculino, por haver perda de sêmen, enquanto o relacionamento entre mulheres era considerado mera lascívia, como se a sexualidade desta natureza fosse menos perigosa.

Para a Santa Inquisição, a sodomia era o maior dos crimes, pior até mesmo do que o incesto entre mãe e filho. O Concílio de Latrão (1779), tornou o homossexualismo crime e as legislações dos séculos XII e XIII penalizavam a sodomia com a morte.

Ainda hoje, a Igreja Católica condena a homossexualidade, reiterando sua aprovação em relação às relações heterossexuais dentro do matrimônio, classificando a contracepção, o amor livre e a homossexualidade como condutas moralmente inaceitáveis, que distorcem o profundo significado da sexualidade.

Para complementação desta abordagem introdutória convém registrar que o termo Homossexualismo foi introduzido na literatura médica em 1869, por criação da médica húngara Karoly

Benkert, que o instituiu com base na raiz das palavras grega homo (semelhante) e latina sexus (sexo), que redunda em sexualidade exercida com uma pessoa do mesmo sexo.

Isto posto, voltamos ao tema principal, objetivo desta resenha, “A União Homoafetiva, a Interação dos Costumes da Família e da Lei perante a Constituição Brasileira”.

Com a promulgação da Constituição Brasileira de 1988, um grande passo foi dado na valorização e respeito ao cidadão, independentemente de qualquer distinção quanto a cor, sexo e ideologias, como bem determina a Magna Carta em seu Título II – Dos direitos e garantias fundamentais.

A evolução da sociedade através dos tempos, carreada pelo avanço das ciências que proporcionam conforto e modernidade, não faria sentido sem que o Direito – uma ciência dinâmica e evolutiva, não acompanhasse tal progresso. É nesse sentido que se proliferam o debate jurídico, científico e acadêmico, visando uma melhor adaptação das leis ás necessidades atuais, onde aí se inclui a parcela social que milita incansavelmente pelo reconhecimento dos direitos do homossexual.

Entende-se que, frente à legitimação social desses relacionamentos afetivos, não pode o Direito se abster de efetivar os direitos constitucionalmente garantidos a uma parcela da população, o que consistiria numa discriminação baseada na preferência ou orientação sexual, batendo frontalmente contra os preceitos determinados no artigo 5º da Constituição da República Federativa do Brasil, ou seja: “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza ...” e, “ são invioláveis a intimidade, a vida, a honra e a imagem das pessoas ...” (inciso X do art. 5º da CF.), e mais ainda, a luz do inciso IV do Artigo 3º da CF, deparamo-nos com mais uma abordagem aos direitos e garantias fundamentais do cidadão; “Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e qualquer outra forma de discriminação” (grifos nosso), portanto, deparamo-nos aí, com um caminho já sedimentado para a construção e reconhecimento da união estável entre homossexuais, legalmente tutelado pela Constituição Federal. Esta perspectiva civil-constitucional, centrada no valor da dignidade humana, deverá possibilitar o reconhecimento das uniões homossexuais enquanto entidades familiares. Depreende-se daí que é somente uma questão de tempo.

Muito embora alguns países, como Suécia, Noruega e Holanda, protejam em seus ordenamentos jurídicos a união entre pessoas do mesmo sexo, há países onde a homossexualidade é ilícito penal, caso dos países islâmicos, da Grécia e da Irlanda.

Partindo da premissa que o nosso texto constitucional é muito claro com relação aos direitos e garantias fundamentais do ser humano, temos em contrapartida a resistência de um determinado segmento social que veladamente impede que a união formada por pessoas do mesmo sexo encontre seu espaço na legislação brasileira, seja em sede constitucional ou infraconstitucional. É também notável o avanço jurisprudencial no sentido de reconhecer direitos antes negados, ainda que a tendência nos tribunais, limite-se apenas à concessão de direitos de cunho patrimonial, sem, no entanto, admitir como hipótese o status de família que as referidas uniões realmente possuem.

A Constituição Federal de 1988, ao conceder proteção estatal às famílias brasileiras, reconhecendo a união estável como entidade familiar formada apenas por um homem e uma mulher, deixou de estender às uniões homoafetiva a idêntica proteção, negando-lhes direitos manifestamente existentes, o que implica em uma restrição considerada incompatível com as premissas adotadas pelo Estado Democrático de Direito, que proclama, entre outros, o direito à liberdade, igualdade, não discriminação e, sobretudo o direito à dignidade humana como direito fundamental. Em sede de análise, é valido salientar a mutabilidade que caracteriza o Direito e as leis. Assim como o fator temporal e a mudança nos costumes são elementos que influenciam os valores presentes em cada civilização, o Direito deve acompanhar as transmutações ocorridas e, em favor delas, afastar o preconceito e criar leis em nível de compatibilidade com os reais anseios da sociedade.

Se a lei, não exclui, expressamente, a proteção das uniões homoafetivas, então caímos no que Bobbio classificou de Norma Geral Exclusiva, que é uma das premissas básicas do pensamento Kelsiano, que afirma que “tudo o que não está explicitamente proibido, está implicitamente permitido”, idéia

protegida pela nossa Constituição Federal que afirma que “ninguém está obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude da Lei”. (art. 5º, inciso II).

O direito á propriedade, herança e sucessão de bens acumulados no decorrer de uma união homoafetiva estável, o direito do companheiro homoafetivo aos benefícios proporcionados pela previdência social, etc..., são tratados ainda pelo código civil brasileiro da forma tradicional e arcaica. Há
muito que se realizar efetivamente para que os preceitos constitucionais inibidores ou preventivos de situações discriminatórias sejam superados.

Outro anseio resultante da união homoafetiva reside na necessidade de adoção, como forma de sedimentação deste relacionamento,

No Estatuto da Criança e do Adolescente não há qualquer restrição à possibilidade de adoção por homossexuais. Na verdade, o Estatuto sequer faz menção à orientação sexual do adotante. O enunciado do artigo 42 desse diploma legal limita-se a prescrever que “podem adotar os maiores de 21 anos, independentemente do estado civil”. Assim, a faculdade de adotar é concedida a homens e mulheres, em conjunto ou isoladamente, bastando que sejam preenchidos os requisitos do artigo 39 e seguintes do referido Estatuto.

Por não haverem impedimentos, deve prevalecer o princípio contido no artigo 43 daquele Estatuto, segundo o qual “a adoção será deferida quando apresentar reais vantagens para o adotante e fundar-se em motivos legítimos”. Portanto aí, vemos demonstrada que a real preocupação deverá ser sempre o bem-estar do menor, considerando-se a total inexistência de motivos legítimos para que um menor permaneça fora de um lar. Se os parceiros – ainda que do mesmo sexo – vivem uma verdadeira “união estável”,havendo, como já foi ressaltado, a existência de um lar respeitável e duradouro, cumprindo aqueles os deveres assemelhados aos dos conviventes, como a lealdade, a fidelidade e a assistência
recíproca, numa verdadeira comunhão de afetos, vidas e interesses, haverá também, legítimo interesse na adoção, não se podendo ignorar a existência de reais vantagens para o menor.

Sob o prisma constitucional, não é possível excluir o direito individual de guarda, tutela e adoção – garantido a todo cidadão – face a sua preferência sexual, sob pena de infringir-se o respeito à dignidade humana, o princípio da igualdade e a vedação de tratamento discriminatório de qualquer ordem.

Também não pode ser esquecido o comando do artigo 227 da Constituição Federal, segundo o qual é dever do Estado assegurar à criança e ao adolescente, o direito à dignidade, ao respeito e à liberdade, direitos que, por certo, não lhes são assegurados enquanto se encontram em situação de abandono, entregues à criminalidade, ao vício e a toda sorte de violências e privações.

Isto posto, em sede conclusiva, repetindo Luiz Edson Fachin em Teoria crítica do direito civil, “(...) há de se pensar o sistema jurídico como um sistema que se reconstrói cotidianamente, que não é pronto e acabado, que está à disposição dos indivíduos e da sociedade para neles se retratarem”, portanto, quando se trata de alterações no comportamento da sociedade e, conseqüentemente, da adaptação do ser humano a esta sociedade, atrelando à elas uma correspondência jurídica constitucional como forma de balizar tais comportamentos, acreditamos que, “tudo é uma questão de tempo”.
Irã Sfeir Ratacheski
Autor: Irã Sfeir Ratacheski


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