A CONTA DA COPA DO MUNDO É NOSSA!



Autor: Marçal Rogério Rizzo*

Depois de cinqüenta e sete anos, o grande momento chegou: “2014 FIFA World Cup Brazil”. Era o conteúdo do envelope que foi aberto por Joseph Blatter (presidente da Fifa) no dia 30 de outubro de 2007. Enfim, o Brasil voltará a organizar e sediar a Copa do Mundo de Futebol em 2014. A única vez que o Brasil foi sede, foi no ano de 1950.

No “Palácio de Cristal” da Fifa, um prédio avaliado em 200 milhões de dólares, localizado em Zurique, na Suíça, a grande comitiva brasileira esteve presente.

Várias autoridades estiveram fazendo o corpo-a-corpo. Destaca-se o presidente Luis Inácio Lula da Silva, três ministros, doze governadores de Estado, Ricardo Teixeira (presidente da CBF), Dunga (atual técnico da seleção brasileira), o jogador Romário e até mesmo o mago e escritor Paulo Coelho.

O Brasil foi candidato único para sediar a copa e, mesmo assim, a pressão política foi forte. Talvez houvesse desconfianças pairando no ar e, claro, se a resposta da Fifa fosse negativa, seria humilhante para o “país do futebol” perder para si próprio. A CBF fez um gol, mas foi de pênalti e sem goleiro!
Durante a cerimônia, foram exibidos dois vídeos onde mostraram vários depoimentos de artistas da TV Globo e imagens do Jornal Nacional (parece que há um bate-bola entre CBF e TV Globo). O vídeo teve uma promessa ambiental, afirmando que a Copa de 2014 será uma copa de bem com a natureza, como a utilização em 100% de transporte público coletivo entre outras ações ambientalmente corretas. No entanto, todos sentiram falta de imagens e da presença do nosso maior astro do futebol, o Rei Pelé, que é reconhecido no mundo todo e esquecido aqui.

Após o anúncio do “aceite”, houve um momento que foi aberto para questionamentos e alguns de nossos representantes não conseguiram “dominar bem a bola”.

Ricardo Teixeira (que é genro do ex-presidente da Fifa, João Havelange) foi o astro principal nessa “pisada de bola”. Ficou irritado com uma jornalista canadense e disse várias besteiras e incoerências. Vou usar as palavras de Juca Kfouri (Folha de São Paulo, 31/10/07) “[...] Temos Imperador! Dom Ricardo, Primeiro e Único, o Renascido. Ele pôs aos seus pés um presidente da República e nada menos 12 governadores [...] Mas não faltaram nem a arrogância e má educação que caracterizam o Imperador [...] Violência há aqui como no Canadá, nos EUA e na Inglaterra, asseverou o Imperador”.

Corroborando com o que foi exposto por Kfouri, vejo que o presidente da CBF não conhece o Brasil real. Aqui não há mortes em série nas escolas, mas há centenas de assassinatos “pulverizados”, em especial, nas periferias. Aliás, será que ele conhece uma periferia? Aqui, já tivemos vários casos de assassinatos a turistas e isso denigre a imagem do Brasil. Hoje, há violência, há insegurança em níveis inaceitáveis e intoleráveis. Vivemos em uma guerra civil, em que cidadão mata cidadão e a elite e as autoridades se protegem em seus palacetes assobradados e circulam em seus blindados.

Mais um detalhe que vale ser lembrado. No final do ano 2001, tivemos a CPI do Futebol, onde CBF e seu presidente foram alvos de investigações e críticas e, como no Brasil a memória é curta, hoje Teixeira é coroado pelos políticos. A Revista Carta Capital (edição de 07/11/07) cita que “Teixeira, apesar de não poder receber salário (a CBF não ter fins lucrativos), retirava 35 mil reais mensais. Além disso, despesas pessoais eram pagas pela confederação e aplicações financeiras da entidade, no valor de 1,3 milhão de reais, desapareceram misteriosamente”. A CPI pediu o indiciamento de Ricardo Teixeira por 13 crimes (número de sorte de Zagalo). Estas denúncias estão no Ministério Público Federal, mas, por enquanto, ele está impune e remodelado, sendo paparicado por muitos políticos.

Há quem diga que Teixeira quer ser presidente da Fifa e a copa é o passaporte para que isso ocorra.

Contudo, é inegável que a decisão da Fifa tenha sido comemorada por milhões de brasileiros. Com a copa aqui, alguns esperam assistir, ao menos, a um jogo ao vivo, outros esperam ver o Brasil ser campeão mundial “em casa” e, claro, existem aqueles que querem realizar bons negócios, pois uma Copa do Mundo movimenta milhões e milhões de reais.

Mudando o foco de visão, temos muitos brasileiros contrários ao Brasil sediar a copa em 2014. Digamos que estes brasileiros estão “escaldados” com as ocorrências que envolvem políticos e dinheiro público como obras públicas, futebol, discursos, promessas, desvios, corrupção entre outros.

Se tomarmos por base o Pan do Rio de Janeiro que foi realizado este ano, que estourou o orçamento previsto de 414 milhões de reais para 3,7 bilhões (maior parte paga por nós – dinheiro público), teremos um saque nos cofres públicos, já que uma Copa do Mundo de Futebol exige muito mais investimentos e dispêndio de dinheiro público do que o Pan.

A CBF afirma que buscará investidores, mas ninguém acredita que consiga 100% dos investimentos. A parte de infra-estrutura não é por conta da CBF, mas sim dos estados. Até a França, que é um país mais rico e desenvolvido, teve que colocar muito dinheiro público para sediar a Copa de 1998. Ainda a mesma edição da Revista Carta Capital apresentou as cifras astronômicas do planejamento da copa: “[...] prevê 1,2 bilhão de dólares gastos em estágios e outros 4,8 bilhões em infra-estrutura (aeroportos, rodovias, trens, metrôs)”. Em se falando de benefícios que uma Copa do Mundo pode trazer ao país sede, vejamos o exemplo da Alemanha: “Apesar dos festejos, um estudo feito pelo Instituto Alemão de Pesquisa Econômica (DIW), concluiu que o mundial teve efeitos modestos sobre a economia do país. Os maiores beneficiários com a copa foram os seus organizadores. E não o país anfitrião”.

A Copa do Mundo não é prioridade em um país tão carente em serviços públicos. Aqui não há educação pública (de base) com qualidade, há pessoas morrendo em macas e corredores de hospitais (saúde pública é de péssima qualidade), temos milhares de mortes nas rodovias, por falta de condições nas estradas, nossos índices de violência são alarmantes, já que falta investimento na área de segurança pública, como combustível para as viaturas, maior efetivo de policiais com melhores salários.

Nas aulas iniciais de economia, aprendemos que as necessidades são ilimitadas e os recursos escassos e, diante disso, temos que priorizar, então, o Brasil sendo sede da Copa de 2014. Certamente irá descobrir um santo para cobrir outro. Melhor dizendo, serão desviadas quantidades exorbitantes de dinheiro público de áreas prioritárias para alimentar a política do circo. Não chamo política de “Pão e Circo”, já que não sei se teremos o pão, mas circo, com certeza, terá. Cidadão Brasileiro: Atente para não ser um “bobo da corte”! Sabendo de algo errado que esteja acontecendo, denuncie! Não concorde com a construção de “arenas” de futebol e obras superfaturadas. Temos que driblar a corrupção!
Agora, em se tratando dos astros que fazem o espetáculo, eles virão de vários países para compor a seleção nacional. O Brasil não está conseguindo segurar seus astros, somos um país exportador de jogadores, estamos deixando de ser o “país do futebol”. Boris Fausto (Folha de São Paulo de 03/10/07) cita: “Não escapa aos olhos de ninguém que, na esfera do futebol, o Brasil não é um país emergente, mas um fornecedor de matéria-prima, sangrando incessantemente em suas fontes de suprimento, para glória dos campeonatos europeus e tristeza das nossas peladas [...] os nossos maiores jogadores, os que se tornaram astros, se empenharem com todas as forças nos jogos dos clubes que os pagam regiamente, enquanto participam dos jogos da seleção como quem cumpre uma tarefa burocrática, meio enfadonha, ressalvadas as exceções”.

No jornal, Le Monde Diplomatique Brasil (edição de outubro de 2007), a jornalista Soninha publicou um artigo onde apresenta números surpreendentes da evasão de nossos craques. “Em 2007, segundo os registros oficiais da Confederação Brasileira de Futebol, saíram do Brasil 694 jogadores [...]. No total, foram 81 destinos [...]”. Há jogadores que saem do Brasil para jogar na quarta divisão de outros países e até mesmo na Série D que ainda não é profissional. Mas, o que nossos jogadores buscam em outros países? Seguindo as palavras de Soninha: “Partem em busca de uma estrutura estável, calendário racional, prestígio, dinheiro e uma vida confortável, em países em que há casas sem muros e
os carros param antes da faixa de pedestre”.

A preocupação da CBF, da Fifa e do próprio governo brasileiro é criar uma infra-estrutura para atender dignamente e com segurança aos turistas e jogadores durante a Copa de 2014. Mas, por que não criar essa dignidade e respeito todos os dias e desde já para o cidadão comum, digo, o brasileiro trabalhador, eleitor, cidadão e contribuinte? (Por sinal, nós pagamos muitos impostos e o Estado não nos concede serviços de qualidade).

Para encerrar e se acaso não conseguirem mudar consideravelmente o Brasil até 2014, acho necessário alertar os turistas sobre como sobreviver no Brasil. Amigo Turista: Se você for utilizar os aeroportos, cuidado com o “apagão aéreo”, pois os atrasos podem fazer você perder o horário dos jogos. Agora, se você preferir ir de carro, cuidado com os buracos nas estradas e vá bem antes, para achar um local seguro para estacionar. Se for abordado por um “guardador” de carros, permita que o mesmo “olhe” o seu carro, pois eles costumam riscar, amassar ou estragar os carros que não concordam com essa extorsão (isso é comum no Brasil). Ao abastecer, atente para o combustível, pois pode estar adulterado. Se o carro for movido a gás natural (GNV), você poderá ficar na mão, já que o atual governo não garante o estabelecimento.

Em se tratando de comida, tome cuidado ao consumir leite, pois pode conter água oxigenada e soda cáustica. Ao comer queijos, atenção! Pode estar “vencido”, mas você não saberá. Costumam trocar a embalagem. Se tiver um recém-nascido, traga a comida do bebê de seu país de origem, aqui no Brasil suspeitam que estejam misturando ração animal à mesma. Se for comer pizza, olhe a procedência do azeite, pois já falsificaram o mesmo. Reze para não ficar doente, mas, se ficar, não procure o SUS, a fila de espera é gigantesca. Onde estiver hospedado, não assista à programação da televisão aberta, pois é horrível. Com raríssimas exceções, só verá fofocas sobre artistas e famosos, receitas, desgraças na forma sensacionalista ou, então, ora a televisão parece altar, palanque ou supermercado. Ao andar pelas calçadas, cuidado para não ser atacado por um cão. No Brasil, são 400 mil casos de ataques por ano, torça para não encontrar um Pit Bull solto. Por fim, muito cuidado para não ser assaltado e, se for, averigúe se a polícia do Estado onde estiver não está em greve, assim poderá registrar o boletim de ocorrência.

O texto de Sócrates e Gustavo Vieira de Oliveira (Folha de São Paulo de 03/11/07) expressa bem o que é o futebol e sua relação com o Brasil: “O futebol brasileiro (dentro e fora de campo) muito diz sobre o que somos, nossos valores, a dinâmica social e as relações de poder. É uma mostra didática do que é o Brasil. A Copa não deve ser analisada sob ótica diferente”.

É, minha gente, esse é o meu Brasil, país do futebol, do Rei Pelé, do carnaval, dos falsos profetas, dos mensaleiros reeleitos, do Renan Calheiros que não cai, dos dólares na cueca, dos partidos sem ideologia, do populismo, da Rede Globo e Galvão Bueno realizando uma lavagem no cérebro da população (como é de hábito), da CBF, entre outros. Pelo andar do jogo, o Ricardão da CBF vai realizar uma copa à revelia, sem transparência, com dinheiro público e, se necessário for, irá “virar a mesa” para dizer: “Vocês vão ter que me engolir”. A Copa de 2014 é dele e a conta é nossa!

* Marçal Rogério Rizzo: Graduado em Ciências Econômicas, Especialista em Economia do Trabalho e Sindicalismo pela Universidade Estadual de Campinas/SP (CESIT/IE/UNICAMP), Especialista em Gerenciamento de Micro e Pequenas Empresas pela Universidade Federal de Lavras/MG (UFLA), Mestre em Desenvolvimento Econômico pelo Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas/SP (IE/UNICAMP) e doutorando em Geografia na área de Dinâmica e Gestão Ambiental pela Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (FCT/UNESP) – Campus de Presidente Prudente/SP
Autor: Marçal Rogério Rizzo


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