Contrate Preguiçosos



- Contratar preguiçosos? Desta vez você enlouqueceu mesmo!

- Bom, você já me conhece há bastante tempo, para saber que ando naquela linha fina. Na porta do hospício. Se não entrar, ninguém consegue me por para dentro, mas se for fazer uma visitinha a um interno... hum aí,... não saio mais.

- Ok, mas estou falando sério, e você vem com esta idéia maluca. Preciso de uma solução para o problema de performance da empresa e preciso já. Ou, daqui a pouco, estou desempregada e você sem cliente. 

Dava para ver que a situação era grave, e eu, na verdade, não estava brincando. Ana Rita era minha conhecida há um bom tempo. Tínhamos trabalhado juntos numa empresa de consultoria internacional. Eu havia saído para seguir a carreira como consultor independente e ela, uns dois anos depois, tinha sido contratada por um cliente para ser sua Diretora de RH. Recentemente ela havia me chamado para ajudá-la em um processo de mudança cultural que estava implantando. Foi quando me expôs seu problema: 

- Temos um grupo de gestores cuja única motivação parece ser manter o status quo. Eles adoram reuniões improdutivas. Discutir o sexo dos anjos. Ficam argumentando sobre os detalhes dos detalhes de planos e, nunca tomam a iniciativa de colocar algum desses planos em ação. A empresa está perdendo mercado. Ou reagimos, ou estamos mortos. O que é que eu faço?

Eu disse: e foi aí que esta estória começou. Gastei, então, algum tempo para explicar melhor o que eu estava propondo. Sei que a preguiça não é exatamente uma qualidade muito admirada e que soa estranho usá-la como atributo em contratações, mas, eu realmente achava que estava na hora dela contratar preguiçosos. Um tipo especial de preguiçosos, mas, ainda assim, preguiçosos.

Contei que eu deveria ter uns 8 anos quando minha mãe resolveu ter uma conversa comigo a respeito das minhas notas na escola, que, como direi, não estavam exatamente no nível aceitável para o filho de uma professora. “O problema é que se você não estudar, vai repetir. Já imaginou, ver tudo isto de novo, um ano inteiro?” – me alertou minha mãe.

Nossa! Aquela frase mudou a minha vida. Acabei virando o primeiro da classe. Não porque eu houvesse, de repente, começado a gostar de estudar, mas porque não suportava a idéia de ver aquilo tudo de novo. Eu simplesmente jamais gostei deste modo burocrático de estudar em que você tem que aprender aquilo, aquela hora e daquele jeito. E, além disso, assuntos que pareciam ser (e ainda acho que são) nem um pouco úteis. Afinal, para que serve mesmo logarítmo, números complexos, saber de cor os afluentes do Rio Amazonas? Durante toda minha vida, nunca tive a necessidade de utilizar estes conhecimentos. E era isto que me incomodava, me tirava toda a vontade de estudar.

Acho que isto é um tipo de preguiça. Uma indisposição com atividades irrelevantes, desperdício de tempo, de energia. Pior, desperdício da vida. Tanta coisa boa para se fazer e a gente perdendo tempo com coisas sem importância. Como aquelas reuniões semanais em que o chefe (chefe, é ótimo, não?!) fala, fala, fala, dá umas broncas e todo mundo (a tribo) escuta com cara de estou prestando atenção mas que na verdade é cara de eu não tô nem aí e, cara de lá vem ele de novo.

O que minha amiga entendeu era que uns preguiçosos íam bem nestas situações, mas, tinham que ser de um tipo especial. Gente que fica inconformada com gasto inútil de tempo e de recursos, cansada de ouvir sempre a mesma lenga-lenga. Gente que cansada de mesmice, sai por aí inventando uma maneira nova, arejada de fazer as coisas. Afinal não foram estes preguiçosos que inventaram o aqueduto (este negócio de ir buscar água lá longe é pra maluco, diziam eles), a roda (nada de empurrar estas coisas pesadas para cima e para baixo, vamos fazer elas rolarem), a escada rolante, o avião? Não foram eles que acharam que era melhor investigar as doenças do que apenas cuidar dos doentes e desenvolveram as vacinas?

Preguiçosos que não são como aqueles que parecem que adoram trabalhar, mas que na verdade não produzem nada, exceto calor, redundância e burocracia inútil. Preguiçosos que estão sempre realizando muito, porque têm foco no resultado não no processo e que, por isto mesmo, não aceitam a idéia de que as coisas são assim mesmo por aqui e encontram o caminho mais fácil, mais barato, mais lógico, mais racional.
Já se foi a época em que nos pagavam pelo esforço.

Quem contrata alguém para colocar um piano no 8o. andar em um prédio, não quer saber se ele vai pela escada, de helicóptero ou tele-transportado pela Enterprise, quer apenas o piano lá.

A empresa quer aumento de produtividade. Produtividade é fazer mais com menos?

Então, contrate preguiçosos.


_____________________________________________________________________________________

Eduardo Cupaiolo é autor de Contrate Preguiçosos - Conselhos pouco ortodoxos que tornam o ambiente de trabalho mais humano e produtivo,lançamento nacional da Editora MC em 2006.
_____________________________________________________________________________________
Autor: Eduardo Cupaiolo


Artigos Relacionados


Não Contrate Preguiçosos

Perseverar

Tpm

Crise Com A Terceira Idade

Contrate Incompetentes

A Importância Da Consultoria Jurídica

Orgulho