DA CONTEMPLAÇÃO DOS DIAS DE SOFRIMENTO



O medo da guerra não tem conseguido evitá-la e, em muitas ocasiões, criou a ilusão da paz com as funestas conseqüências do apaziguamento sob coesão que só favorece o agressor determinado e tenaz.
“Quase tão triste quanto uma batalha perdida, só mesmo uma batalha ganha”, afirmou Wellington, contemplando a desolação do campo de batalha após a vitória em Waterloo. Mas a verdade é que não há substitutos para a vitória e as nações que não estudam e não cultuam seu passado, estão fadadas a repetir, no futuro, os erros outrora cometidos. Embora registrados nos livros e nos fatos da história, o passar do tempo e o aparecimento de revisionistas espúrios vão fazendo esmaecer os verdadeiros contornos daqueles dias de angústia e sofrimento. Convém sempre relembrá-los. Daí o valor das comemorações que assinalam a cada ano o fim da 2ª Guerra Mundial e relembram a participação do Brasil na vitória de 8 de maio de 1945.
Outro grande ensinamento nos deixou a 2ª GM, segundo o qual, a Segurança Nacional resulta muito mais do potencial geral da Nação do que de seu poderio militar em determinado instante. No momento em que o potencial dos americanos pôde ser colocado a serviço dos aliados, mudaram os rumos da guerra e nem os desesperados esforços alemães na área dos foguetes, dos aviões a jato e na busca da arma atômica puderam evitar a derrota dos países do Eixo.
Em um conflito total e global como esse, a posição estratégica do Brasil, ocupando uma das “esquinas do mundo” em pleno Atlântico, acabaria nos envolvendo. Signatários do Tratado Inter-americano de Assistência Recíproca (TIAR), inspirado na Doutrina Monroe, na realidade, a guerra na Europa não era uma guerra nossa, mas o ataque japonês a Pearl Harbor, em dezembro de 1941, colocou em xeque a solidariedade continental, reafirmada em Havana um ano antes. As forças nazi-fascistas já operavam no noroeste da África e a guerra submarina recrudescia. Rompemos relações com os países do Eixo e a resposta foi o afundamento de nossos navios mercantes, iniciado em fevereiro de 1942, inclusive em águas territoriais brasileiras. A insólita agressão - que, em apenas três dias, matou mais de setecentos brasileiros - mobilizou a opinião pública e levou-nos à declaração de guerra à Alemanha e à Itália.
A participação da FEB na 2ª GM - inicialmente prevista para o valor de um Corpo de Exército e depois reduzida a uma Divisão - não seria apenas simbólica mas, pelo contrário, teria uma alta expressão moral e material. O aprestamento dessa força, no entanto, impunha a superação de inúmeros problemas. Praticamente, tudo estava por fazer; íamos abandonar conceitos doutrinários franceses e nada ou quase nada tínhamos para mobilizar em termos de equipamento. Tínhamos que aprender a lidar com material inteiramente desconhecido e, principalmente, tínhamos que vencer insidiosa campanha derrotista de simpatizantes do Eixo e de gente simplesmente do contra.
Ao chegar o 1º escalão à Itália, nossos aliados americanos verificaram que a FEB era um instrumento de combate ainda por fazer e esse escalão espalhou-se, quase todo, por escolas e centros de instrução na própria Itália. Mas a crise de efetivos levou ao emprego fracionado e prematuro da tropa e, ao lado de algumas ações de sucesso do Destacamento FEB, surgiram os primeiros revezes. Os ataques frustrados a Monte Castelo, em novembro e dezembro de 1944, são momentos de agonia para o comando da FEB que é pressionado pelos americanos a explicar o revés. O general Mascarenhas de Moraes compromete-se a fazê-lo por escrito e o faz com altivez e precisão. Entre outras coisas, declara que nenhuma Divisão americana, em qualquer Teatro de Operações, entrará em linha sem haver cumprido um extenso e completo ciclo de preparação de mais de 15 meses que incluía: um ano de instrução nos Estados Unidos, três meses de instrução no Teatro de Operações e um mês de ambientação na linha de frente. A preparação da FEB tinha sido incompleta; no Brasil por culpa nossa e na Itália por culpa do comando aliado. Ironicamente, a resposta brasileira é entregue na manhã de um dia em que uma divisão americana de 15.000 homens havia ficado reduzida à metade, em outra parte da frente na Itália. Daí a poucos dias a neve cobriria os Apeninos.
Com a primavera nasceria uma nova FEB. A estabilização da frente dar-nos-ia tempo e, ao invés da estagnação, propiciou um período intenso de instrução e de preparo para novas missões. E o novo soldado que surgiu mereceu mais tarde do Comandante do IV Corpo de Exército americano as melhores referências. O general Willis Crittenberger chegou a dizer: “Sim, conheci o soldado brasileiro e estou aqui para vos dizer que realizou um trabalho estupendo. Não são homens comuns esses soldados do Brasil”.
Terminada a guerra, verificou-se que os aliados a tinham vencido, mas haviam perdido a paz. Metade da Europa foi entregue a Stalin. Veio o muro de Berlim e depois, com a paridade atômica, a Guerra Fria. Nosso extraordinário esforço de guerra é ignorado e não somos sequer convidados para participar da Conferência em Paris que trataria das reparações de guerra. Ao revés, preocupados com o avanço do comunismo na Europa, os americanos lançam o Plano Marshall que reconstrói a Europa ocidental e apóia nações cuja contribuição para a vitória aliada fora muito menor que a nossa. Depois da guerra, o mundo se transforma. O império britânico se desfaz, embora mantida a comunidade inglesa. O colonialismo cede lugar e surge um novo mapa de nações, mas nunca mais o mundo conheceria a paz. A conflagração global cede lugar à guerra revolucionária comunista e aos conflitos localizados.
No plano interno, o ditador Getúlio Vargas é afastado, convocam-se eleições e uma nova Constituição é votada. Com a queda de Vargas, o surto de liberalismo que se seguiu ao totalitarismo do Estado Novo trouxe não só uma injustificada suspeita sobre tudo o que vinha do regime anterior, como um lamentável desprezo pelo planejamento administrativo governamental, sequer citado na Constituição de 1946. O plano existente foi abandonado e o liberalismo irresponsável, além de não pugnar pelo reconhecimento de nossos direitos às reparações de guerra - estimados em cerca de seis bilhões de dólares à época - conseguiu dilapidar os vultosos recursos em moeda forte que havíamos acumulado durante a guerra. O esforço de guerra em nada nos beneficiou. Terminado o conflito estávamos praticamente no mesmo estágio de sub-desenvolvimento e com muitos de nossos problemas agravados pela guerra.
Não obstante, a FEB, ao regressar vitoriosa, reafirmara nossa vocação democrática. Vocação a que sempre atenderam as Forças Armadas, em compromisso solene e reiteradamente reafirmado, e representado pelas tristes cruzes do cemitério de Pistóia, enquanto existiu, pelos inúmeros monumentos erguidos por comunidades italianas em homenagem aos “braziliani” e pelo Monumento do Rio de Janeiro que guarda os restos heróicos dos que selaram com seu sangue e com sua bravura o nosso compromisso com os ideais de Justiça e Liberdade.
A cada ano, nas tocantes comemorações, novos claros se assinalam nas fileiras dos veteranos daqueles dias tormentosos que se reúnem em todos os pontos de nossa Pátria para relembrar os que não voltaram e os que já se foram, e para demonstrar às novas gerações sua perene identificação com os ideais pelos quais a Força Expedicionária lutou e venceu em solo italiano e que são os ideais do Exército e porque não dizer das Forças Armadas, passados de geração em geração, para que se alguns, deliberadamente, esquecerem (ou fizerem com que se esqueça), outros muitos a relembrem pelas páginas da História e da história oral de cada um destes respeitáveis senhores veteranos.

Thelmo Mattos, é escritor, poeta, designer & militar.

* Texto baseado em ampla leitura e
pesquisa bibliográfica na rede mundial de computadores
e nos escritos dos Gen. Mascarenhas de Moraes e Meira Mattos.
Autor: .THELMO MATTOS


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