REFLEXOS DA PARTICIPAÇÃO DA FEB NA 2ª GUERRA MUNDIAL



“Se servistes à Pátria e ela vos foi ingrata,
vós fizestes o que devíeis e ela o que costuma.”
(Pe. Antônio Vieira)


Antes da Guerra, a imagem do Brasil era a de um país continental subdesenvolvido, inexpressivo, fonte inesgotável de matérias-primas, foco da ambição internacional. A FEB projetou o Brasil no exterior sobremaneira.

A participação da FEB na campanha da Itália, embora considerada limitada no contexto de 69 divisões norte-americanas nas operações na Europa, teve importantes reflexos em nossas Forças Armadas sob diversos aspectos.

A imagem do militar cresceu no âmbito da sociedade, ganhando o merecido respeito da Nação, resultante do elogiado desempenho face a experimentados e determinados combatentes. O soldado brasileiro recuperou a auto-estima conquistada nos campos de batalha sulamericano s em defesa da Pátria. De certa forma, um ambiente menos rígido e tolerante prevaleceu na convivência da caserna, rompendo o isolamento social decorrente do nível cultural, do padrão de vida e valores da gente fardada.

O Exército reestruturou-se completamente, adquirindo armamento moderno, canhões antiaéreos e de campanha com maior alcance, motorizando-se, mecanizando-se e substituindo as unidades hipomóveis por outras dotadas de grande capacidade de fogo e mobilidade. O aumento do efetivo demográfico da Nação, aliado à compreensão da necessidade de segurança e modernização das Forças Armadas permitiu a ampliação dos seus contingentes e quadros. O advento do avião, do helicóptero, dos mísseis, dos blindados, das forças aeromóveis e aerotransportadas, de modernos equipamentos de engenharia, de comunicações e de guerra química sinalizou o início de nova era. Fez-se mister uma guerra para que atingíssemos patamar reclamado há muito tempo.

Trocamos a doutrina francesa defensiva de emprego das forças terrestres pela norte-americana de concepção ofensiva e, então, cônscios das nossas potencialidades e vulnerabilidades, fomos estimulados a desenvolver a doutrina militar brasileira.

A criação da Comissão Militar Mista Brasil-Estados Unidos veio muito contribuir para o profissionalismo e modernização das Forças Armadas brasileiras. A guerra exigiu tais transformações e estas demandaram maiores gastos para os cofres públicos. “si vis pacem para bellum - era o preço a pagar pela liberdade.

A Guerra Fria, marcadamente ideológica, trouxe-nos outros desafios para os quais não estávamos preparados — a guerra revolucionária e psicológica, cujo fantasma volta a pairar sobre o mundo.

Os avanços tecnológicos aplicados à arte da guerra exigem que o soldado de nossos dias tenha mais cultura e melhor nível educacional. O Exército, portanto, não deve retroagir aos tempos das antigas escolas regimentais e dos centros profissionalizantes para os contingentes incorporados às suas fileiras, em detrimento da formação militar do soldado. Não podemos nos dar ao luxo de repetirmos o erro de ir à guerra com advogados, engenheiros, médicos e outros profissionais liberais especializados preenchendo claros de combatentes das armas-base. A seleção e a classificação processadas empiricamente e sem critérios científicos na guerra passada não têm mais lugar. Hodiernamente, dispomos de processos que aproveitam o convocado segundo suas aptidões e tendências, impedindo desajustamentos inaceitáveis. Neste ponto, os norte-americanos exerceram influências altamente benéficas na padronização dos programas de instrução — os famosos PPs — e de métodos atualizados de ensino e de instrução, nivelando e sistematizando os conhecimentos. A especialização prevaleceu sobre a generalização diminuindo o academicismo e levando-nos à criação da EsIE, CIAvEx, EsMB, EsCom e outros estabelecimentos de ensino especializados.

A realização de estágios e cursos ministrados em centros de estudos e pesquisas ou estabelecimentos de ensino militares e civis estrangeiros por oficiais e graduados brasileiros elevou o nível cultural dos quadros da Força Terrestre.

A adoção do sistema de ensino à distância difundiu conhecimento, facilitou o ensino de línguas e reduziu custos, mantendo os quadros atualizados. Foi outra grande experiência introduzida entre nós pelo contato com os norte-americanos. As alterações dos currículos nos estabelecimentos de ensino militares, abrindo espaço para o estudo de Chefia e Liderança, Pedagogia, Psicologia e Sociologia, indispensáveis à formação dos quadros, veio sanar lacunas constatadas há anos.

Do convívio com as tropas estrangeiras, de cultura, hábitos e mentalidade completamente diferentes, sentimos a influência profunda verificada na disciplina, tornando-nos mais compreensíveis, humanos, liberais,menos rígidos e isentos de preconceitos. A disciplina autoritária e do medo cedeu lugar à consciente, reduzindo a distância entre subordinados e superiores. O fardamento usado pelos norte-americanos durante a campanha italiana serviu de modelo para o novo plano de uniformes do Exército, adotado logo após a guerra.

Foram abolidos o talabarte Sam Browne, inglês, as botas, a espora e o esporim, o culote, a túnica abotoada até o colarinho, o capacete tipo adriano francês, a capa “Ideal” e a pelerine, tornando-o mais confortável, distinto, funcional, simples e adequado às variações climáticas.

A guerra revelou o despreparo das Forças Armadas para cumprir missões além-mar em terreno adverso e sob severas condições climáticas. Não possuíamos mentalidade de país marítimo com vasto litoral, forçando-nos o estabelecimento de um programa de reaparelhamento da Marinha de Guerra. A necessidade de centralização dos meios aéreos levou à criação da Força Aérea Brasileira e à fabricação de aeronaves. A evidente carência de um órgão de cúpula de planejamento e de coordenação do emprego das Forças Armadas exigiu a criação, em 1946, do Estado-Maior das Forças Armadas (EMFA), predecessor do Ministério da Defesa, da Secretaria do Conselho de Segurança Nacional (existente desde 1927 com o nome de Conselho de Defesa), da Escola Superior de Guerra (1949), despertando as elites para a magnitude dos problemas de segurança e desenvolvimento e a responsabilidade de todos os cidadãos.

A despreocupação do Brasil com as ameaças latentes internas e externas configuradas em hipóteses de guerra atualizadas colocou-nos em situação crítica por não darmos a importância devida ao preparo da mobilizaçãoe desmobilização.

Infelizmente, a criminosa desmobilização prematura da FEB (antes da sua chegada ao Brasil), por razões puramente políticas e injustificáveis ciúmes, geradora de problemas insolúveis até agora, impediu-nos a absorção de valiosos ensinamentos colhidos a duras penas nos campos de batalha. A maioria das praças licenciadas não recuperou os empregos que tinha antes da guerra. Muitos sequer tinham profissão e na volta foram abandonados à própria sorte. Boa parte dos oficiais de carreira viu-se espalhada pelo País afora, não tendo a sua experiência de combate aproveitada. Que lhes sirva de alento o sábio conselho do Padre Antônio Vieira citado no cabeçalho deste.

A FEB foi a única tropa ibero-americana, integrada por brancos, negros, pardos e amarelos, a cruzar o Atlântico para lutar além-mar, causando perplexidade como os brasileiros conseguiam essa proeza sem choques raciais. Constituiu-se um esforço sobre-humano e até mesmo verdadeiro milagre que tenhamos ido à guerra e nos superado, ante o nosso grau de despreparo e subdesenvolvimento, cobrindo-nos de glórias.

Podemos nos ufanar das palavras de despedida do Ten.Gen. Willis D. Crittenberg, Comandante do 4º Corpo de Exército, que enquadrava a 1ª DIE: (...) Combatestes brava e valentemente e contribuístes substancialmente para a conquista da vitória das Nações Unidas (...). Podeis estar orgulhosos, com a certeza de terdes cumprido integralmente a missão para a qual o povo brasileiro vos enviou para solo estrangeiro. (...) Esta mensagem acompanhava a outorga do título de membro honorário do 4o Corpo de Exército dos EUA a todos os integrantes da 1a DIE, não homologada pelo Congresso dos EUA.

Por outro lado, os feitos do soldado brasileiro em campanha não empolgaram a juventude a procurar a carreira das armas.

A epopéia escrita pela FEB na Itália, junto com as Marinhas de Guerra e Mercante no Atlântico Sul e a FAB nos céus brasileiros e europeus, não poderá cair no esquecimento das gerações de hoje e futuras e ver-se substituída das páginas da nossa História Militar, que se confunde com a da própria nacionalidade, no dizer de Pedro Calmon.

História não é simpatia ou antipatia, mas verdade comprovada pelos fatos. De nada vale se não colhermos ensinamentos dos acertos e erros cometidos no passado para projetarmos um futuro mais promissor. Constitui, pois, é bom lembrar, autêntico desserviço à nacionalidade brasileira neste momento não referenciar acontecimentos históricos que deram rumos diferentes ao Brasil em seu processo evolutivo há mais de sessenta anos.


Thelmo Mattos, é escritor, poeta, designer, pesquisador histórico e militar.

*Texto baseado em ampla leitura e pesquisa
bibliográfica na rede mundial de computadores
e nos escritos da bibliografia anexa


BIBLIOGRAFIA

ARAGÃO, JOSÉ CAMPOS DE. “O Brasil na Segunda Guerra Mundial”. Revista do Instituto de Geografia e História Militar do Brasil, Volume LV, 1984, Rio de Janeiro.

CASTELLO BRANCO, Manoel Thomaz. O Brasil na Segunda Guerra Mundial.Rio de Janeiro: Biblioteca do Exército Editora, 1952.

MASCARENHAS DE MORAES, João Baptista. A FEB pelo seu Comandante.Rio de Janeiro: Estabelecimento General Gustavo Cordeiro de Faria, 1951.

MEIRA MATTOS, Carlos de. O General Mascarenhas de Moraes e sua Época. Rio de Janeiro: Biblioteca do Exército Editora, 1983.

MEIRA MATTOS, Carlos de “As Forças Armadas do Brasil na Segunda Guerra

Mundial”. Revista do Clube Militar, n. 294, 1990, Rio de Janeiro.
Autor: .THELMO MATTOS


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