Memória Histórica do Período Colonial e Desafios Actuais da República de Angola



A vida na República de Angola tem significado para mim nestes últimos anos um exercício quotidiano de reconstrução de minha memória histórica enquanto brasileira afro-descendente, trabalhando e vivendo no continente de meus ancestrais. Esta vivência tem despertado sobretudo a necessidade de entender os processos históricos deste continente, deste país e concretamente tentar reconstruir o meu currículo escolar na escola pública do Brasil na década de 80 e, de algum modo tentar preencher este vazio de uma formação de orientação eurocêntrica, com uma lacuna incomensurável em história africana. Sendo assim, a data de hoje tem sido esta oportunidade de alimentar um pouco o conhecimento sobre os fatos históricos que marcaram este país que vivo, que me foi apresentado como um país “de onde os escravos foram trazidos para trabalharem nas plantações de cana de açúcar”, de “irmãos que lutam contra irmão” (alusão a guerra civil em Angola”) entre outros clichés utilizados pelo deficit de conhecimento sobre a história de Angola e de África em Geral. Assim como venho com este pequeno relato de minhas impressões fortalecer as recentes discussões e conquistas no Brasil sobre o tema da inserção da HISTÓRIA AFRICANA nos currículos escolares.

Hoje comemora-se na República de Angola o “Dia dos "Mártires da Repressão Colonial". Uma data comemorativa em memória à história colonial recente deste país que em 11 de Novembro de 1975 se tornou independente das forças coloniais portuguesas, depois de um grande movimento de libertação. A data foi incorporado ao calendário oficial em 1996, com a finalidade de trazer presente à memória da população angolana, o Massacre de mais de 10.000 cidadãos que resistiram, em revolta, ao regime das tropas portuguesas do ditador Salazar, mediante repressão violenta ao protesto por melhores condições no trabalho forçado exercido por trabalhadores das plantações de algodão da empresa luso-belga Cotonang, tendo o 03 de Janeiro de 1961 na Baixa do Kassenje na Província do Malanje o ápice de um período de conflitos que teve início em Novembro de 1960. Naquele período, as aspirações por independência efervesciam no país, onde a população e aqueles intelectuais inspirados sobretudo pela independência do Congo em 30 de Junho de 1960 apresentavam-se insatisfeitos com a condição de “servo” típica no tratamento colonial da época para aqueles que trabalhavam e viviam nas fazendas dos portugueses. Neste contexto, a administração colonial portuguesa veio a fortalecer mais e mais a repressão sobre a população insatisfeita, através do envio de unidades do exército e da força aérea naquela época de inspiração fascista, para o controle dos focos de resistência, especialmente na região do Malanje, o que veio a ocasionar em um massacre de grandes proporções na história colonial de Angola. Este que tinha como objectivo, segundo registo daquela época, a eliminação dos angolanos ditos pelos portugueses “instruídos”, também chamados “assimilados” que eram articulados transnacionalmente com os Movimentos de Libertação em África e serviam como principais vectores dos pensamentos de independência e “ameaça” da perpetuação dos ideais coloniais portugueses em Angola.

Este mesmo ano, após a morte de Patrice Lumumba, o primeiro Mártir da Descolonização de África em 17 de Janeiro no Congo, é marcado pelo “Início da Luta Armada”, celebrado em Angola, enquanto feriado nacional no dia 04 de Fevereiro. O início de uma luta que culminou com o processo de independência de Angola, que teve na queda do regime de Salazar e na Revolução dos Cravos em Portugal o seu ponto culminante. O Governo revolucionário português após a tomada do poder em 1975 abre negociação com as três forças políticas do movimento de libertação de Angola o MPLA (Movimento Popular de Libertação de Angola), a FNLA (Frente Nacional de Libertação de Angola) e a UNITA (União Nacional para Independência Total de Angola) para discutir a transição e regime democrático em Angola através do Acordo de Alvor. Sendo reunidas assim as condicionantes que consolidaram na independência do país em Novembro de 1975.
Devido a fragmentação do Movimento de Libertação já desde o princípio caracterizado por três forças anti-coloniais o MPLA, FNLA e UNITA, após o processo de independência deu-se início um conflito armado de carácter ideológico e de grandes proporções, principalmente sobre as discordâncias pelo regime de Governo a ser adoptado na Angola independente, dado a divisão ideológica dos dois principais grupos: MPLA e UNITA que representavam a conjuntura política global da época com a Guerra Fria, tendo a União Soviética e Cuba que apoiavam o MPLA para a consolidação de um regime Socialista e a África do Sul que suportava belicamente a UNITA em sua aliança com a FNLA, representando assim os interesses geopolíticos norte-americanos. Uma guerra que teve seu fim com a morte do principal líder da UNITA Jonas Savimbi e o Cessar-fogo em 2002, deixando um rastro de mais de 1 milhão de mortos, 4 milhões de deslocados, infra-estruturas sociais e produtivas destruídas.

Em cinco anos de Paz Angola defronta-se com desafios incomensuráveis caracterizados pela complexidade dos eventos históricos sucedidos neste país e sua relação com a recente conjuntura económica e política. A ascensão económica através da economia do petróleo, sendo Angola o segundo maior produtor da África Subsaariana, vem a impulsionar um crescimento económico de 35% ao ano segundo dados do FMI para 2007, abrindo espaços para grandes investimentos estrangeiros e financiamento do processo de reconstrução nacional. Até o Brasil tem se beneficiado com crescimento de Angola, através de diversas parcerias para a construção de obras de grande envergadura através da Oderbrecht e outras grandes empreiteiras de médio e grande porte que fazem a reabilitação de estradas, exportação de produtos e now how. Além disto outros países beneficiam-se com este processo de crescimento como a China que é o maior parceiro de Angola através de uma Acordo em troca de petróleo para a reconstrução das principais infra-estruturas sociais e produtivas do país. Entretanto, os desafios ainda são muitos, entre eles a finalização do processo de desmobilização e reintegração sócio de ex-militares e rebeldes, melhoria das condições das populações vítimas do conflito armado e reassentadas, reconstrução e manutenção das infra-estruturas sociais e económicas, e principalmente estabelecimento de uma cultura democrática através de outorgação de autarquias locais e eleições democráticas, e sobretudo um desenvolvimento com sustentabilidade.

O actual contexto revela uma crescente dinâmica do Governo que vem á sinalizar respostas aos desafios actuais e históricos de Angola e principalmente superar a insegurança sobre uma possível instabilidade sóciopolítica e assegurar as condições mínimas à população. Além disto a presença da comunidade internacional, mesmo sendo muitas vezes contraditória pela transição da cultura de emergência com a pressão sofrida pelo discurso de desenvolvimento adotado oficialmente pelo governo, tem contribuído para apontar caminhos que venham a assegurar a prestação de serviços básicos a população, na medida em as acções promovidas por estas instituições tornam-se políticas públicas.

Embora o actual Governo da Unidade e Reconciliação venha a manifestar uma certa timidez ao se expressar sobre o tema da consolidação da paz e democracia em Angola, devido á diferenças internas e hegemonia política do MPLA é de se perceber avanços significativos que estão sendo levados à cabo, entre eles: reconstrução das rodovias principais do país(Luanda-Benguela; Benguela-Huambo, por exemplo); a outorgação da Lei de Desconcentração Administrativa; Instalação de Mecanismos de Micro-Crédito para empreendimentos urbanos e rurais; a Lei de Terras regulamentada; melhoria da oferta de serviços entre outros. E o anúncio dado pelo Presidente José Eduardo dos Santos no último dia 27 de Dezembro de 2007 que as eleições presidenciais serão realizadas em 5 e 6 de Setembro de 2008 revel enquanto a grande “prova de fogo” que este país haverá de enfrentar para iniciar um processo de superação de traumas históricos com a descolonização, a guerra-civil e alavancar o enfrentamento de novos desafios como a democratização, fortalecimento da liberdade de imprensa e expressão, a consolidação de um Estado – Moderno contextualmente africano, em meio uma globalização ainda excludente tratando-se de África.


Huambo, 04 de Novembro de 2008



Fontes:

http://pt.wikipedia.org/wiki/Hist%C3%B3ria_de_Angola
http://www.enciclopedia.com.pt/print.php?type=A&item_id=32
Autor: Betânia Ramos Schröder


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