O desafio de educar em meio a violência.



Como terapeuta e reeducadora posso afirmar com certeza que o diálogo e a reflexão sobre o cotidiano podem e devem ser utilizados na educação.

Como mãe me percebo aflita quando vejo meus filhos, educados com valores de não-violência, voltarem para casa agredidos por algum colega. Quantas vezes não me questiono sobre minha postura de incentivá--los a respeitar o outro e resolver os conflitos de forma pacífica.

A divulgação pela imprensa de casos recentes de violência tem abalado a sociedade e, em busca de soluções, vemo-nos novamente confrontados com o papel da educação e o questionamento das intervenções da família e da escola nesse tipo de problema .

Muitos não se importarão, julgando que, como não aconteceu com sua família, não há problema algum a ser resolvido. Alguns dirão: “Não tenho nada com isso, eu trago meus filhos na rédea curta, se sair dos trilhos apanha mesmo!” Outros dirão: “Liberdade é para ser usufruída, quanto antes melhor! Essa história de dizer não para a criança traumatiza e no fundo é bom para os filhos dos outros quando mexem com os nossos.” Há ainda aqueles que preferem se abster de ações julgando que o tempo é remédio para tudo.

Vários diálogos depois, voltaremos à dúvida cruel sobre como proceder, já que em educação não existe manual permanente de instrução e a vida está aí, cheia de perigos e desafios para todos nós, crianças, jovens e adultos.

A resposta absoluta não existe, com certeza cada situação deve ser analisada, cada criança é única e cada grupo familiar tem o seu modo peculiar de transmitir valores. Aliás essa transmissão é papel irrevogável da família, sendo atualmente bem difícil de realizar, concorrendo com tantas informações e influências que as crianças e jovens recebem de vários meios.

Contudo, a melhor forma de compreender e trabalhar as dificuldades é estar verdadeiramente junto aos filhos e aos alunos – sim, a escola tem um papel importantíssimo nesse aspecto - é estabelecer uma comunicação autêntica não só de palavras como também de sentimentos.

Abrir um canal de comunicação que ajude a explorar soluções para os desafios cotidianos é uma forma eficaz de lidar com os problemas e, melhor ainda, de ajudar crianças e jovens a lidar com eles, aprendendo a trabalhar as próprias emoções. Atitudes comunicativas desse tipo alimentam sua inteligência emocional, gerando dentre outras características desejáveis, autoconfiança e autonomia que, sendo significativamente aprendidas, tendem a ser utilizadas nas diversas situações da vida.

Parece simples, não é? Mas será que em nossa rotina diária temos aberto espaço para ouvir nosso filhos e alunos? Será que, quando abrimos esse espaço, os ouvimos realmente, com empatia, procurando abster-nos de julgamentos e colocando-nos em seu lugar, nem sempre para concordar, mas para compreender e orientar sobre o que consideramos ser melhor para eles e não para a satisfação de nossos desejos e expectativas?

Ouvir com empatia é o primeiro passo de uma comunicação verdadeira e um desafio em qualquer relacionamento. Muitas vezes quando conversamos com crianças e jovens, acreditamos que, devido à pouca idade, suas necessidades não têm tanta importância, pois afinal, eles não têm contas para pagar, choram de barriga cheia, não é mesmo?
È importante estar atento a essas crenças transmitidas através de nossas palavras ou atitudes que invariavelmente geram bloqueios na comunicação.

Uma outra questão muito presente na relação entre pais e filhos, professores e alunos é o fato de o adulto muitas vezes utilizar-se de “mentiras inofensivas” e queixar-se posteriormente que a criança mente , ou ainda usar meios violentos de lidar com a violência da criança ou do jovem, sem perceber que acaba reforçando ainda mais os comportamentos que quer extinguir .

A sabedoria popular já dizia: “um exemplo vale mais do que mil palavras” e é a melhor forma de promover uma aprendizagem significativa, que perdura por gerações.

As atitudes ensinam muito. Leia o relato que se segue:

O Dr. Arun Gandhi, neto de Mahatma Gandhi (que libertou a Índia da Inglaterra aplicando e ensinando a seu povo a política da não-violência) e fundador do Instituto M.K. Gandhi para a Vida Sem Violência, em sua palestra de 9 de junho, na Universidade de Porto Rico, compartilhou a seguinte história como exemplo da vida sem violência exemplificada por seus pais:
"Eu tinha 16 anos e estava vivendo com meus pais no instituto que meu avô havia fundado, a 18 milhas da cidade de Durban, na África do Sul, em meio a plantações de cana-de-açúcar.
Estávamos bem no interior do país e não tínhamos vizinhos. Assim, sempre nos entusiasmava, às duas irmãs e a mim, poder ir à cidade visitar amigos ou ir ao cinema.
Certo dia, meu pai me pediu que o levasse à cidade para assistir a uma conferência que duraria o dia inteiro, e eu me apressei de imediato diante da oportunidade.
Como iria à cidade, minha mãe deu-me uma lista de coisas do supermercado, as quais necessitava, e, como iria passar todo o dia na cidade, meu pai me pediu que me encarregasse de algumas tarefas pendentes, como levar o carro à oficina. Quando me despedi de meu pai, ele me disse:
"Nós nos veremos neste local às 5 horas da tarde e retornaremos à casa juntos".
Após, muito rapidamente, completar todas as tarefas, fui ao cinema mais próximo. Estava tão concentrado no filme, um filme duplo de John Wayne, que me esqueci do tempo. Eram 5:30 horas da tarde, quando me lembrei.
Corri à oficina, peguei o carro e corri até onde meu pai estava me esperando. Já eram quase 6 horas da tarde.
Ele me perguntou com ansiedade: "Por que chegaste tarde"?
Eu me sentia mal com o fato e não lhe podia dizer que estava assistindo um filme de John Wayne. Então, eu lhe disse que o carro não estava pronto e que tive que esperar... isto eu disse sem saber que meu pai já havia ligado para a oficina.
Quando ele se deu conta de que eu havia mentido, disse-me:
- "Algo não anda bem na maneira pela qual te tenho educado, que não te tem proporcionado confiança em dizer-me a verdade. Vou refletir sobre o que fiz de errado contigo. Vou caminhar as 18 milhas até em casa e pensar sobre isto".
Assim, vestido com seu traje e seus sapatos elegantes, começou a caminhar até à casa, por caminhos que nem estavam asfaltados nem iluminados. Não podia deixá-lo só. Assim, dirigi por 5 horas e meia atrás dele... vendo meu pai sofrer a agonia de uma mentira estúpida que eu havia dito.
Decidi, desde aquele momento, que nunca mais iria mentir.
Muitas vezes me recordo desse episódio e penso.....Se ele me tivesse castigado do modo que castigamos nossos filhos, teria eu aprendido a lição? Não acredito...
Se tivesse sofrido o castigo, continuaria fazendo o mesmo...
Mas, tal ação de não-violência foi tão forte que a tenho impressa na memória como se fosse ontem...
Este é o poder da vida sem violência."

E esse é o poder do exemplo...

Tânia Bello
Psicopedagoga
Fonoaudióloga
CRFa. 2542/SP
Especialista em Linguagem
CFFa. 2440/04
Autor: Tânia Regina Bello


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