Faculdades: muita bitolagem capitalista, pouca formação humana e científica



Foi assustadora a intensidade de frases mercantilistas que vi em propagandas de faculdades, até o mês passado – fim da época de vestibulares – do tipo “Venha para a faculdade tal e conquiste seu lugar no mercado de trabalho! Tchaaaan!” e expondo aquelas gatas e aqueles caras, todos aparentando ser bem-sucedidos financeiramente. Sendo isso assustador, é decepcionante e indignante na mesma intensidade o fato de que nenhuma faculdade, nem mesmo as próprias universidades públicas, propaga frases como “Venha para cá e garanta sua formação científico-intelectual!” ou “Na faculdade tal, você sairá preparado para construir um mundo melhor!”. Depois das escolas de ensino básico sobre as quais eu já escrevi um artigo, as faculdades compulsivamente mercantilistas aparecem como agentes que, completando a não-formação crítico-intelectual dos alunos, terminam o “serviço” do capitalismo selvagem pondo o Chip da Bitolagem Capitalista nos diplomados. E isso é catastrófico para a formação cultural e intelectual crítica do povo.

Explicando melhor a coisa: o Chip da Bitolagem Capitalista é uma metáfora da doutrinação capitalista-consumista trazida por essas faculdades. Os concluintes recebem todo um aparato psicológico, desde a leitura do anúncio do vestibular até a obtenção do diploma, para que sirvam ao “Deus Mercado” e orientem a vida inteira em torno dele. Leia-se neste último: viver nos objetivos únicos de ganhar dinheiro e comprar sua “felicidade” e “dignidade” através de bens de consumo muito desejados. E as faculdades mostram-se valorosos laboratórios de implante desses chips.

Vejam só os cursos de Administração, Ciências Contábeis, Turismo, Ciência da Computação e Publicidade & Propaganda, os exemplos mais célebres de cursos oferecidos com orientação radicalmente capitalista e com alta exaltação salarial. Procure quantas faculdades particulares os têm. Você achará dezenas! E quando você procura por bacharelados de Ciências Sociais, Filosofia, Física, Química, Artes (plásticas ou cênicas), Arqueologia, Geografia e Geologia – só para dar os exemplos mais fortes – que exaltam por natureza a intelectualidade, o pensamento profundo, o senso crítico sócio-político e as pesquisas científicas... Uma, duas, no máximo três. Com o agravante de que alguns desses nenhuma ou quase nenhuma faculdade particular oferece. Uma comprovação de que o ensino superior está orientado em sua maior parte para a implantação de Chips da Bitolagem Capitalista, com muito preparo mercadológico e pouca orientação intelectual, científica e crítica.

Em suma, a maioria das pessoas não procura mais conhecimento científico humano ou exato, os quais têm poder legítimo de mexer com a essência do ser humano e com a sua evolução, mas sim quase que somente conhecimento estritamente profissional para chegarem ao mercado e levarem muito dinheiro para casa, sendo esta última opção perpetuadora do instante evolutivo atual e séria limitadora de nosso progresso como seres pensantes e ávidos por harmonia global.

Juntando os cacos dessa catastrófica situação de escanteio da intelectualidade, notamos a formação de um horrível ciclo vicioso: como as pessoas se influenciam pelo capitalismo onipresente, elas recorrem muito a cursos mercantilistas e muito pouco para cursos intelectualistas. Como poucos escolhem cursos intelectualistas, não é lucrativo uma faculdade neles investir. A formação mercantilizada dos diplomados e a prosperidade dos cursos mercantilistas enchem de ar a atmo$fera capitalista, o que influencia as pessoas a escolherem cursos mercantilistas em detrimento dos intelectualistas, estimulando o crescimento dos cursos capitalistas e o desprezo à outra categoria, e assim por diante. Notando que, abastecendo esse ciclo vicioso, há o duto de entrada de novos jovens, oriundos daquelas mesmas escolas que, com sua didática majoritariamente tosca, não estimulam a procura por conhecimento intelectual e científico.

E para piorar a coisa, essas pessoas “chipadas” têm sua capacidade de mudança social e de pensamento crítico levada ao mínimo, se não a zero. É aquela turminha das classes A, B e C que não quer nem chegar perto de favelas e embriaga-se de novelas, bebebês, shows, etc. como sua diversão alienante, em vez de lerem livros de conteúdo construtivo. Os pobres, à exceção dos felizardos que fazem um bom ENEM e ganham uma vaguinha nas faculdades via Prouni, ficam à margem desse círculo em que gira a sociedade que teoricamente teria mais condições de investir-se na universalização da harmonia social mas na prática só investe em si mesma. Nem ganham dinheiro, nem são exortados a pensar mais. Resultado: mobilidade social desprezível e estagnação do estado existencial (conjunto de intelecto, pensamento e desenvolvimento científico) da humanidade.

A solução disso é uma reforma educacional generalizada, com a mudança nos padrões de qualidade didática do ensino básico público e privado, incluindo a promulgação de diretrizes que obriguem as escolas a valorizarem as ciências humanas de intelecto e o estudo científico e a desenvolverem estratégias educacionais que mitiguem a má reputação dos métodos padrão de ensino existentes aqui. Com uma educação básica decentemente formativa, virão mais jovens pensadores e aptos a serem cientistas humanos ou exatos. Assim, a vazão do duto de jovens a receberem o Chip da Bitolagem Capitalista vai diminuir e as próprias faculdades particulares começarão a abrir gradualmente cursos intelectualistas e científicos. Só assim o país abandona a estagnação intelectual e científica e começa a se encher de pensadores, cientistas valorosos e agentes que trabalham em prol da sociedade. Então o desenvolvimento humano universalizado irá nos levar a um novo patamar de humanidade, pelo menos no Brasil, que se tornaria um país mais ético, harmonioso e de sociedade evoluída. A atmo$fera de dinheiro, que limita nosso desenvolvimento como pessoas, seria suplantada pela atmosfera de conhecimento científico-intelectual universalizado. Em outra frente, pararíamos o detrimento do Ser em relação ao Ter.

E tenho um apelo às universidades públicas: uma vez que elas, até onde percebemos, não têm essa compulsão de “chiparem” seus alunos para torná-los servos do “Deus Mercado”, seria de bom grado se começassem a divulgar seus vestibulares como portas para o desenvolvimento do conhecimento, das ciências e da humanidade. O que inclui lançar mão das frases ideais que eu citei bem acima.

Só assim a sociedade média daqui irá declarar apostasia da “religião” do “Deus Mercado”, parar de excluir as pessoas mais humildes de sua vivência e cuidar do interesse global de nos tornarmos seres humanos melhores e mais evoluídos e sábios. Pararemos de pedir bênçãos em dinheiro do “Deus Mercado” e pediremos sabedoria da “Deusa Evolução”. E com certeza as faculdades particulares e públicas estarão envolvidas nessa mudança, uma vez devidamente estimuladas. A humanidade não quer “vantagem no mercado de trabalho” para evoluir, e sim conhecimento intelectual e científico.
Autor: Robson Fernando


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