Ah, os reacionários...



Reacionário. A definição dessa palavra, de acordo com os costumes que tenho observado empiricamente, é: pessoa que, quando surpreendida por consciência(s) avançada(s) de forte teor crítico ao lado errado de seus paradigmas tradicionais de vida, reage defendendo a todo custo seu modo convencional de viver, inclusive negando possíveis perniciosidades pertencentes a esse modo, ainda que ignorando as evidências delas. Mas também pode se aplicar a pessoas que defendem sua ideologia, mesmo que ela seja muito defeituosa, contra investidas de debate que almejam a mudança ou a superposição dela, ignorando ou não as evidências de seus defeitos.

O reacionarismo, no caso da reação às conscientizações, se torna algo engraçado porque as mesmas pessoas que aceitaram sem questionamento os dogmas a elas impostos ao longo da vida se tornam céticas e questionadoras quando se deparam com idéias exóticas e conscientizantes, ainda que estas venham para abrir seus olhos diante de absurdos cometidos na vida do reacionário, mesmo que esses sejam tão evidentes. Reacionários nesse caso tornam-se inibidores dos processos de mudança de paradigmas. Ao mesmo tempo em que dizem desejar um mundo melhor, não se deixam conscientizar com propostas válidas de ajuste de comportamento e atitude para que o mundo melhore. E, mesmo teoricamente ávidas por mudanças que transformem a desarmonia da ordem funcional da humanidade em harmonia, são as que mais resistem justamente a mudanças de consciência que procuram essa mesma harmonia.

Em minha trajetória de debatedor online, iniciada em 2005, meus focos de debate principais que despertaram forte reacionarismo foram os absurdos do cristianismo (não é verdade que o foco foi a “propagação do ateísmo” porque eu não estava ali para tornar as pessoas atéias, e sim mais racionais em sua consciência) e a defesa animal, desde o repúdio aos casacos de pele até a pregação vegetariana. Ora era respondido com fragílimos argumentos de fé cristã, ora as pessoas me mandavam “pensar nas crianças com fome” (como se elas fizessem isso e eu não) e, insinuantemente, esquecer os animais. Alguns reacionários mais robustos debatiam mais longamente. Cá para nós, é mais difícil do que parece mostrar que, por exemplo, as matanças divinas narradas na Bíblia e a crueldade do extermínio de animais “de corte” estão óbvias e escancaradas para todos verem e são coisas erradas. Vale lembrar que o meio que lancei mão de transmitir os ensinamentos “exóticos” não foi imposição de idéia, mas a mera conscientização por intervenção panfletária - com as diferenças básicas de que há mais possibilidade de explicação de detalhes na panfletagem virtual do que na entrega de folhetos na rua e que a primeira é dezenas de vezes mais suscetível a sofrer réplicas reacionárias e mesmo manifestações de hostilidade adversa, o famoso “achar ruim” -, usada predominantemente quando há envolvimento das pessoas ou do local que são temas de certa comunidade virtual com maldades infligidas contra animais, e a abertura de debates. Nesses dois procedimentos, não há espaço válido para coação, característica marcante do método impositivo, visto que se trata de um delito legal e uma transgressão à ética da conscientização.

Apesar de todos os reacionários dessa “amostra” almejarem o mesmo ponto de não aceitar a conscientização e deixar tudo como está, como se estivesse tudo bem e certo, essa gente pode ser dividida em cinco categorias:

- Reacionários ignorantes: a única coisa que acham da conscientização é que ela é uma ameaça aos seus paradigmas de vida, não conhecendo nada ou quase nada dos motivos das idéias do conscientizador. Sendo assim, revidam com contra-argumentos quase sempre muito frágeis e infundados, recorrendo a chavões e ao senso comum. Os exemplos mais clássicos são os cristãos menos lúcidos, que usam réplicas sustentadas em emoções religiosas e visões subjetivas da realidade, e os alienados em relação à defesa animal, que sempre expõem lugares-comuns para tentarem se blindar contra a argumentação da pessoa (por exemplo, o Argumento das Crianças e frases como “rodeio não maltrata animais” e “vaquejada é esporte”). É como se, de um ponto de vista crítico, mal soubessem o que estão defendendo ao rejeitarem a conscientização.

- Reacionários preparados: possuem um conhecimento de causa mais apurado dos ideais do conscientizador e sustentam-se em falhas, lacunas e pontos mal-explicados das teorias que sustentam a consciência deste para que rejeitem com veemência a conscientização. Na maioria das vezes, são ou mostram ser pessoas direta ou indiretamente interessadas em que os absurdos repudiados pelo debatedor continuem como estão, seja por interesses pessoais ou econômicos ou por um estado intransigente de acomodação. Citando meus debates, dou o exemplo de peões de rodeio, churrasqueiros, apologistas religiosos e defensores do criacionismo. Sua contra-argumentação é até competitiva e consegue se manter quase em pé de igualdade com o conscientizador, deixando-o às vezes até pensativo na elaboração de uma tréplica forte para refutar o reacionário, apesar de que o debatedor sempre consegue refutar as idéias deste. No entanto, a intransigência dessa classe de reacionários é tanta que o debate ou se estende por semanas sem que nenhum lado ceda ou é encerrado, em certo tempo, por intervenção superior (por exemplo, da moderação da comunidade do orkut em que o conscientizador abriu seu tópico).

- Reacionários ofensores: Revidam a conscientização com xingamentos e ofensas, os famosos “ad hominem”. O conscientizador normalmente os ignora ou comunica a ofensa à moderação da comunidade ou site. Alguns “reacionários ignorantes”, quando vêem que suas fracas réplicas não funcionaram, aderem a essa categoria num ato infeliz. O que quer essa gentalha que, em vez de debater racionalmente com o conscientizador e mostrar por que a vida tem que continuar do jeito que está, vem agredi-lo gratuitamente?

- Reacionários mistos: Estão num nível intermediário entre a primeira e a segunda categoria aqui listadas. Têm um pequeno conhecimento da causa do conscientizador, mas já acima do nível dos “reacionários ignorantes”. Num nível menos “troglodita” de réplicas, lançam mão de contra-argumentos prontos, copiados de especialistas nos assuntos antagônicos à conscientização ou de “reacionários preparados”. É o exemplo de religiosos que conhecem a Bíblia e seguem criacionistas “renomados” - usando inclusive seus argumentos e “estudos” para contra-argumentar - e de onívoros que lançam mão de argumentos (já refutados por outras pessoas, na verdade) medicinais e bem-estaristas que favorecem o consumo de carne, leite e ovos. Porém, podem também lançar alguns chavões às vezes ou mesmo recorrer a leves “ad hominem”.

- Contra-conscientizadores: penetram em comunidades de pessoas conscientizadas e postam besteiras tentando desqualificar a consciência delas. Geralmente sua intenção é só “causar” e atrair a irritação da comunidade, não pensam em “desconscientizar” verdadeiramente os adeptos da nova consciência. Quase sempre lançam mão da tática “posta-e-foge” e são os alvos de banimento preferidos de moderadores das comunidades. São mais que ignorantes, mostram-se “idiotas convictos” já.

É de se relevar, obviamente, que religião e defesa animal não são os únicos temas passíveis de reacionarismo. Há muitos outros (obedeço nos próximos exemplos à lógica proporcional “idealistas avançados X reacionários”) - alguns inclusive não tendo necessariamente um conscientizador, mas um debatedor que quer mudar mentalidades inconvenientes - como alternativos X capitalistas, alternativos X marxistas, defensores da intervenção sócio-econômica pelo Estado X neoliberais, defensores do direito ao ensino superior gratuito X defensores da imposição do ensino pago (aquele em que o estudante precisa pagar a faculdade quando estiver com um emprego), Democratas X Republicanos (nos EUA), reformistas X conservadores (em muitos países, com destaque aos não-laicos), etc. Notemos também que nem sempre o lado que traz a idéia pode ser um conscientizador verdadeiro, mas apenas um defensor de ideologia exótica, e em nem todas as ocasiões os reacionários estão absolutamente errados, tanto que o investidor argumentativo revê e ajusta algumas “peças” de seu pensamento quando o reacionário consegue tocar em alguma falha da argumentação dele. Sem falar que mesmo o bem comum é objeto de debates e investidas de indução ao ajuste de consciência por parte de defensores de mudanças radicais em cima de defensores de mudanças graduais ou vice-versa, ainda que ambos os lados desejem o mesmo bem comum e lutem pela mesma causa - só não se entendem sobre quais são os melhores métodos, os abruptos ou os graduais.

Alguns males, como o obscurantismo cristão e a exploração animal, podem até acabar algum dia graças ao ativismo e à conscientização, mostrando que os reacionários dessas ocasiões foram derrotados, mas pelo visto o reacionarismo em alguns temas vai perdurar por muito tempo. E, por incrível que pareça, é com os reacionários que nós aprimoramos as idéias que temos, melhoramos os argumentos, procuramos a firmação de nossos ideais como virtualmente irrefutáveis meios de propagação do bem comum sobre paradigmas opressores. E, cá para nós, seria até sem graça a vida de um adepto de Ciências Humanas sem os reacionários ali para enfrentar e assim fortalecer sua “musculatura” intelectual. Não dou razão, no entanto, àqueles que insistem em defender coisas indefensáveis, como a obediência cega a sacerdotes e a perpetuação da violenta exploração animal. Esses e outros são casos em que se precisa, com racionalidade, jogo de cintura, habilidade argumentativa e muita base teórica, vencer os reacionários, ou pelo menos induzi-los a um momento de séria reflexão sobre os paradigmas que vivenciam, fazendo-os desistirem de obstruir o caminho da propagação da consciência do bem comum e consertarem a (falta de) lógica das suas (proto)idéias de almejo por um mundo melhor.

E com um detalhe: um conscientizador convicto em certo assunto pode ser um forte reacionário em outro.
Autor: Robson Fernando


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