O povo não consegue dizer NÃO às imposições e traições públicas



Até o presente momento (madrugada de 23 de fevereiro de 2008), não há nenhuma perspectiva de que o Governo de Pernambuco e a EMTU voltem atrás e a tarifa dos ônibus no Grande Recife recue. Pelo visto, as pessoas já resignaram e se conformaram em pagar mais caro por um direito que já custou três vezes menos há uma década. Duas fraquezas viciosas de um lado e uma sórdida qualidade do outro marcam esse processo de vitória da opressão do governo e de relaxamento e desistência das lutas contra a imposição e traição trazidas: conformismo e alienação, do povo; esperteza, do governo.

A despeito dessa ordem, vou começar de baixo para cima. Reparem que, assim como outros governos estaduais pelo Brasil, o daqui tomou a iniciativa de aumentar as passagens no meio das férias escolares/acadêmicas e pouco antes do carnaval, num momento em que a folia já estava começando a crescer. Acertou meados de janeiro como início da vigência do aumento sabendo que, em férias, poucos estudantes voltam suas atenções para a volta da necessidade de pegar ônibus todo dia, uma vez que nas férias a demanda juvenil por transporte coletivo cai bastante. E, como já citei, a folia estava crescendo desde as prévias carnavalescas na segunda semana de janeiro e o povo, como uma criança com seu kit novinho de brinquedos nas mãos, não quer saber de mais nada ao redor e só pensa na diversão, na efemeridade da oportunidade anual de extravasar hedonismo. A indignação foi rapidamente diluída pela curtição carnavalesca. Até mesmo a dos menos de 200 estudantes que foram para a rua protestar. Os empresários de ônibus, a EMTU e o governo foram realmente espertos.

É essa propensão a esquecer os problemas coletivos quando se está distraído que é a alienação. E não se dá somente no carnaval, ela é constante para grande parte da população. Certos meios de diversão caseira e farra, em vez de apenas e simplesmente divertir, distrair, entreter, descontrair a pessoa, tratam de desvinculá-la direta ou indiretamente da responsabilidade social através da veiculação de um modelo de comportamento egoísta, materialista e às vezes até destrutivo. A pessoa passa a ter idéias distorcidas como a de que é mais importante ela ter um carro sedan potente do que lutar para ver seu bairro contar com ônibus confortáveis, modernos, pontuais e baratos, a de que agrada mais ver o show raro daquela banda internacional do que ver os habitantes da Favela dos Ogros (hipotética) ganharem educação graças a uma renomada ONG mexicana e a de que os “paredões” do bebebê são muito mais relevantes do que a trama do livro 1984. Assim, ninguém que se submete a esse comportamento tem aptidão cidadã e social para reagir contra os desmandos e imposições arbitrárias dos governos ao longo dos anos. Aumentam impostos e tarifas, absolvem corruptos evidentes, não dão andamento a leis de grande interesse popular, aprovam aumentos cavalares nos próprios salários, subsidiam grandes latifúndios desmatadores, enfim, fazem o que bem querem enquanto o povo está mais ligado na nova novela das oito/nove e nas peripécias quase-suicidas de Britney Spears. A alienação, no caso do aumento nos ônibus, foi pesada no carnaval e na volta ao trabalho e foi o trunfo dos espertinhos empresários do transporte urbano. Sem falar no Campeonato Pernambucano de futebol, outro fator que desvirtua as pessoas e as hipnotiza. Entre os jogos de Sport, Santa Cruz e Náutico em casa e o protesto marcado no centro do Recife, a divisão da preferência popular entre o primeiro e o segundo se compara à discrepância entre o tamanho do Sol e o da Terra, respectivamente.

Gêmeo siamês da alienação, o conformismo é outro fator gravíssimo que dá a “chave da cidade” para a opressão. Imagine um forte império expansionista invadindo um reino de tamanho médio e os habitantes deste último, “sabendo” que não adiantaria nada reagir porque o império era muito mais forte, não resistindo à invasão. Com direito a massacre contra as mesmas pessoas que não foram à guerra. Vitória óbvia do império e subjugo total do reino dos conformistas. Assim é o Brasil e, mais localizado, também o Grande Recife. Os agressores dotados de poder político e econômico não pensam duas vezes, tome incursões contra o povo, contra seu bolso, contra seus próprios direitos. E nada de resistência generalizada. As poucas e nobres exceções, compostas por leitores de mídia independente e sonhadores de um mundo, um país, uma cidade, mais justos e estudantes comandados por grêmios, vão lá para a rua e, sendo tão poucos, pouco ou nada conseguem. Esse fracasso das magras iniciativas de ativismo social e o estado de alienação da população fazem muitos desistirem de qualquer esboço de atitude contra os aumentos. Desistentes de reação, as pessoas se conformam em pagar mais caro, em pagar mais impostos, em ver aqueles cinco deputados corruptos absolvidos. Aplicando essa irmandade gêmea entre conformismo e alienação, remeto ao momento em que a pessoa, depois de ver o noticiário falar do banco do bairro assaltado e passagens de ônibus sofrendo mais uma alta, começa a proferir “Chega! Basta! Até quando?! Alguém tem que fazer alguma coisa!” e, logo quando o telejornal termina e começa a novela, seguida pelo jogo e pelo filme, volta ao normal de preocupação e conformação com a situação coletiva. Em questão de poucas horas, um estado insuportável de calamidade se torna algo com que se pode conviver. Isso é o conformismo aliado à alienação.

Felizes são, entretanto, os momentos em que os protestos são insistentes e bem coordenados e conseguem o apoio presencial das pessoas das proximidades que, como super-heróis, descobrem seu traje heróico de cidadãos e aderem aos protestos, tornando-os mais massivos. Foi o que aconteceu em 2005, quando, numa histórica vitória do ativismo social pernambucano, o governo do estado aceitou negociar e cedeu várias conquistas aos estudantes e ao próprio povo, com destaque ao primeiro reajuste para baixo do preço dos ônibus da história recente de Pernambuco, ainda que de apenas cinco centavos. Infelizmente tudo indica que isso não vai ser repetir esse ano, porque o povo, como diz o jovem, “morgou”, aceitou tudo depois de se extasiar com o carnaval e voltar às suas atividades laborais ou escolares.

E uma informação importante que é paralela aos aumentos tarifários do transporte urbano no Brasil: lembram-se do pacote que compensava as perdas de arrecadação com o fim da CPMF e suas medidas opressoras, como aumento em alguns impostos e arrocho salarial contra os servidores públicos federais? Seguiu o mesmo esquema. Meados de janeiro, época pré-carnavalesca, férias (ou fim de semestre letivo nas universidades), letargia de início de ano pela espera da folia e do começo efetivo das atividades do ano... o período preferido para anunciar a bomba. Antes do carnaval, ameaças de greve, incluindo geral, pipocaram por todo o país, por quase todos os setores do serviço público federal. Foi só o encanto do carnaval nublar o país que a palavra GREVE sumiu até mesmo dos sites de sindicatos de professores federais, esses que tanto adoram repetir essa palavra o ano inteiro amedrontando os alunos.

É uma sequência de fatores e fraquezas que tem tudo para fazer os governos tirarem proveito dela e, caso não seja mudada a atitude de jogar a consciência social na câmara criogênica durante as férias e o carnaval, vai ficar tudo como está, ou então vai piorar cada vez mais. Sem oposição popular, os poderosos vão fazer o que bem entenderem com o povo, tungando seus ganhos cada vez mais, impondo aumentos atrás de aumentos e traindo suas esperanças (lembrem-se que os gestores de Pernambuco - e talvez de outros estados - prometeram no começo do ano passado negociar a queda no preço das passagens de ônibus, inclusive com o acerto de uma política de subsídio do transporte urbano, e isso fez o povo tolamente sorrir de esperança). E, para coroar o êxito da opressão, impondo os aumentos sempre nas férias e antes do carnaval. Como essa atitude pode mudar? Isso é um tema para vários debates entre os próprios movimentos populares de reação e estudantis, que tradicionalmente são os redutos da resistência mas até o momento também estão rendidos.
Autor: Robson Fernando


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