Demitido nunca mais



Depois de trinta anos bem vividos no mundo profissional e com mais uns trinta pela frente, posso dizer que conheço um pouco dos meandros que permeiam o ambiente corporativo. Dominá-lo por inteiro é um desafio considerável e duvido que isso seja possível em menos de trinta ou quarenta anos, pois o ser humano é surpreendente em todos os sentidos e quando você imagina que sabe tudo a seu respeito, coisas incríveis e inesperadas acontecem.

Durante a minha inesquecível jornada como empregado, principalmente nas décadas de 1980 e 1990, eu ficava chocado com a enxurrada de demissões que ocorriam em todas as empresas por onde passava e, independentemente das razões apresentadas, isso sempre me deixava consternado, pois eu sabia que, nessa hora, o senso de justiça raramente prevalecia.

Algumas eram cômicas, outras dolorosas, porém a maioria tinha pouco a ver com a origem do problema. O fato é que as demissões eram inevitáveis e aos poucos eu fui aprendendo a conviver com elas e extraindo lições que ainda hoje se mostram muito úteis na profissão de consultor e palestrante. No mínimo a gente diverte o público contando histórias. Infelizmente isso não me livrou da convivência com profissionais completamente despreparados para a arte de demitir.

Nesse período, conheci alguns seres inescrupulosos, de sangue frio, cujo maior deleite era demitir sorrindo, e outros que se diziam incapazes de demitir sem antes passar por um período de tensão involuntária. Outros nunca tiveram coragem de demitir alguém e muitos ainda preferiam transferir o problema para a turma do RH a fim de evitar o confronto com o profissional para o qual ele nunca foi capaz de prestar feedback, por medo, insegurança ou falta de liderança.

Demitir alguém e absorver a demissão é um processo delicado que exige equilíbrio e maturidade, tanto para quem demite quanto para quem é demitido. E, geralmente, essas virtudes nunca estão presentes quando mais precisamos delas, razão pela qual as demissões são verdadeiros desastres que destroem a auto-estima das pessoas em vez de projetá-las para um futuro melhor.

No início de 2000 eu vivi o período mais difícil da minha vida profissional quando, por determinação da matriz, recebi a triste notícia de que a área que eu coordenava seria transferida para outro estado. Em menos de três meses eu me vi obrigado a demitir quase toda a equipe que eu havia dado um duro danado para consolidar. Éramos praticamente uma família de vinte e uma pessoas - conceito equivocado e mais tarde reformulado - que se desmantelou da noite para o dia, onde eu, o paizão, pouco pude fazer pelos meus filhos, porém, graças ao talento natural e à incrível capacidade de adaptação do ser humano, todos sobreviveram.

Como dizia a inesquecível mestra Maria Schirato, autora de O Feitiço das Organizações, “empresa não é mãe”. Você conhece alguma mãe que reúne os filhos no fim do expediente de sexta-feira para o seguinte comunicado: - meus filhos, a situação está muito complicada, os custos subiram assustadoramente e, por decisão da diretoria, vamos fazer uma reestruturação na família com redução de 20% do efetivo? Zezinho e Luizinho, vocês não fazem mais parte do quadro familiar.

De uma vez por todas, não existe esse negócio de empresa-mãe. Cada vez que alguém arrisca proferir uma barbaridade dessas na minha presença eu espremo a pessoa. Caso ela ainda não saiba, vai saber a diferença entre empresa e sua verdadeira mãe no dia do desligamento quando perder o crachá, o plano de saúde, o auxílio-combustível, o vale-refeição e aquela bendita cadeira onde ela acomodou confortavelmente o seu delicado traseiro durante mais de dez anos.

Parafraseando a mestra, mãe é aquela que divide o bife, põe mais água no feijão, tira da boca para dar aos filhos, salta no lago para salvar o filho mesmo sem saber nadar, se atira no rio para livrar o filho da voracidade do jacaré, protege o filho das atitudes violentas do pai e enfrenta três dias de fila para conseguir uma vaga na escola pública. Isso é mãe. O restante sofre de uma vontade danada de ser mãe de verdade, portanto, nenhuma empresa pode ser comparada a uma mãe ou a uma família.

Complicado mesmo é a vida do alienado, aquele que desconhece o limite entre o lado pessoal e o profissional feito o indivíduo que depois de vinte e poucos anos de bons serviços prestados na empresa, foi demitido. No dia seguinte lá estava ele na portaria, no horário de sempre, implorando para retornar ao local. Depois de muita conversa, ele foi autorizado a entrar por alguns minutos para atender suas necessidades, literalmente. Acreditem que o sujeito simplesmente não conseguia evacuar em casa, é mole?

Durante uma semana ele voltou ao local de trabalho, mais precisamente ao banheiro, para realizar a proeza de evacuar e ainda matar as saudades da tampa macia do vaso sanitário, acompanhado pelo segurança, é óbvio, o qual aguardava pacientemente o sujeito na porta do banheiro até que num determinado momento alguém decidiu que era hora de encerrar definitivamente o processo de simbiose do infeliz com a organização.

Quanta humilhação! Não é necessário chegar a tanto. Cá entre nós, o ser humano vale muito mais do que isso. Você conhece alguém que foi demitido e hoje se encontra na rua da amargura, passando fome ou mendigando? Fico feliz em saber que todos os meus ex-colaboradores, hoje grandes amigos, estão muito bem, obrigado, alguns até melhores do que eu, graças ao seu talento, esforço, um pouco de sorte e, é claro, uma pitada dos meus ensinamentos. Digo isso com orgulho e quando me lembro dá até um nó na garganta.

Com o tempo eu aprendi que toda demissão tem o seu lado estimulante e doce. Se você tiver consciência do que é capaz e acreditar piamente na volta por cima, infinitas possibilidades se abrem. Muitos profissionais confundem a relação e se entregam fervorosamente a uma convivência que eles insistem em chamar de família. Quando os laços familiares se rompem, o sujeito fica perdido e não sabe se vai para casa ou para o bar da esquina mais próximo. Eu chorei um tacho de lágrimas e voltei para casa o mais rápido possível quando ocorreu comigo. Graças a Deus fui muito bem recebido e ainda ganhei o melhor dos presentes, carinho e abraços, uma das razões pela qual sou fã da minha família.

Se algum dia você vivenciar algo parecido, quer na posição de demitido, quer na posição de cumpridor dessa difícil tarefa, lembre-se das minhas palavras. Por experiência própria, digo que você vai sobreviver tranqüilamente e ainda sair fortalecido para o próximo desafio. Pense nos amigos que passaram por situação semelhante e avalie o quanto eles evoluíram em todos os sentidos. A vida voltará ao normal muito antes do que você imagina.

Eis aqui algumas lições que me foram extremamente úteis nesse sentido e espero que sejam úteis se algum dia precisar delas ou quando tiver que socorrer um amigo. Torço para que você cresça profissionalmente, onde quer que esteja, porém tenha em mente que a concorrência no mercado de trabalho é acirrada e, muitas vezes, desleal, portanto, lembre-se:

1. Jamais lamente um fato como esse. Lamentar ou falar mal da empresa serve apenas para provocar insegurança nas pessoas que você ama e distanciamento dos admiradores do seu trabalho; o que você menos precisa nesse momento é de pensamentos e atitudes negativas;

2. Em momentos de crise, o importante é manter a lucidez e o equilíbrio; pare de se demitir mentalmente e sofrer por antecipação; se a demissão for inevitável, considere-a como uma nova oportunidade de apresentar seu talento e energia para quem realmente precisa deles, seja como patrão, seja como empregado;

3. Pense que sempre haverá espaço para pessoas que demonstram otimismo diante das adversidades, para quem cultiva o sorriso nos lábios e, principalmente, para quem sabe dizer “bom-dia”, “por favor” e “obrigado”;

4. Todas as empresas são carentes de bons profissionais, portanto, seja humilde e ousado ao mesmo tempo, mantenha contato com os amigos e conhecidos e não tenha vergonha de pedir, afinal, pedir não ofende; não mande o currículo para o RH, mande o currículo para um amigo que conhece alguém do RH; utilize a sua rede de contatos e pare de gastar com Xerox e papel;

5. Segundo Jack Welch, o executivo que revitalizou a GE, “até um pé no traseiro te empurra para frente”, portanto, mãos à obra, currículo na mão esquerda, celular na mão direita, carro ou o vale-transporte que ainda sobrou, sua melhor roupa e muitos contatos, quantos forem possíveis e necessários;

6. Mantenha a fé, a esperança e o foco. Sem isso, não há currículo nem padrinho que dê jeito. Muito otimismo, pois como dizia a avó de um amigo meu, “é no andar da carruagem que as abóboras se ajeitam”. Se você não acredita em si mesmo, por que alguém haveria de acreditar?

Penso que todos nascem para cumprir uma missão, seja ela qual for, portanto, é melhor que seja num lugar onde tenhamos o mínimo de dignidade e respeito. Pare de ser demitido, demita-se antes, não apenas da empresa, mas das coisas que você não tem a mínima vocação para desempenhar. Para Albert Camus, não existe dignidade no trabalho quando nosso trabalho não é aceito livremente. Pense nisso e seja feliz!
Autor: Jeronimo Mendes


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