Livros, Aço e Nada



“Ler é gestação. Esperar que se desvele o signo. Clarividência. Ver o mundo no texto, ver-se na inteireza do corpo. Ler é traduzir-se em palavra. Ir contra o barulho das televisões. Optar pelo silêncio. Quem lê compartilha a solidão de um escritor. Não o deixa abandonado.” Rubens da Cunha
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Enquanto o e-book surge planando olhares falconídeos sobre um dos países que mais consomem tecnologia do mundo, veio-me às mãos o exemplar da fina intimidade com o leitor: um livro, de Rubens da Cunha. Um sujeito tímido do sul que se escancara em letras soltas e ágeis numa repetida necessidade. A necessidade dos átomos procurando existência.

Um livro com página que às vezes era salmão, às vezes ácida, noutra hora escura ou úmida, mas sempre com autenticidade invejada. E nessa sublimação respirei lembranças, respostas, olhares, revoltas e espasmos de outrem mas, o que é a palavra escrita senão um seqüestro do outro?! E “Aço e Nada” se entrega, revela, conquista, completa, num universo com tanta gente tentando, inútil, “conseguir artificialmente algo que é absolutamente natural”: o singelo toque da letra que rouba seu tempo, sem rapapés.

Dividido em quatro momentos, com crônicas todas imersas em maturidade e leveza poética, estão lá “Os Animais Dentro” pra refletir o estar humano quanto menos pode se distanciar de ser animal: “naquilo que o termo traz de ingênuo e melancólico”. Impossível não se encantar já de cara com a primeira cena pitoresca em uma crônica, homófona a tantas outras do livro em relação à sensibilidade, quando o menino Miguel se vai embora, de carona com o vento. Pra quê aço?!

O li, quase que inteiramente, hipnotizado pela dedicatória, depois fui absorto no cheiro delicado da brisa no sul do país. E assim vai te roubando o tempo, sem pedir licença, nos textos de concreto armado em “Olho Vigiador”, um espaço dedicado à observação urbana da mais fina sensibilidade. Termino de ler e tenho vontade de ir correndo ao centro da cidade, num domingo pela manhã. Pra ver cimento... e aço!

Tentei uma leitura de “O Corpo da Gratidão”, terceiro momento do livro, sem ler os títulos das crônicas e descobri o livro todo, numa conexão só, forjando a fantástica descrição do real a ponto de fazê-lo duvidar quanto à veracidade. É um livro com o cheiro do papel Pólen Soft embriagando minha alma numa letra rápida e experimentando o vocabulário agradável. Um livro feito coletânea, mas tão intertextualizado que imperceptível mutação.

Até pode pipocar, aos sopros, o e-book, mas quando puder receber um livro em minha casa com dedicatória, temperatura, aroma, superfície e brochura, com certeza vão me dobrar pequeno, em minudência que afaga o ingênuo e destitui a arrogância. Afinal, assim como o leitor rouba a alma do escritor, esse não luta, pelo simples “poder de ser escritor. Apesar de fajuto, é um poder”. E assim “O Morador das Palavras”, embevecido em prosa, acaba se entregando prostituído na degustação do íntimo exposto com genialidade. Por quase nada!

Agora “Aço e Nada” vai parar numa prateleira de minha minibiblioteca, esquecido entre livros metódicos, de metodologia ou metafísicos. No entanto, a sedutora atmosfera sulista, as curvas concretas de Joinville, o vento glorificado, as escolhas e palavras resgatadas, tudo. Tudo vai ficar. Tudo perfeitamente petrificado em “olhares sobre o mundo” que, agora, também são meus.
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“Aço e Nada”, Rubens da Cunha – Design Editora, 14x21 cm, 176 páginas.
encomenda especial: [email protected]
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Rubens da Cunha, natural de Joinville (SC) e colunista no caderno Anexo do jornal A Notícia é autor de “Campo avesso” (Letra-d’água) e “Casa de paragens” (Editora da UFSC). Na web mantém o blog Casa de Paragens [http://casadeparagens.blogspot.com].
Autor: Alex Pinheiro


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