PEDAÇO DE MIM



PEDAÇO DE MIM


Sonia das Graças Oliveira Silva


Você estava quentinho aí, quietinho aí. Ouvia tudo. Sentia tudo. Tudo via, através destas paredes macias, quentes, aconchegantes...
E esperava... Esperava por algo que não conhecia algo de que apenas ouvira falar. Ouvira comentários, risadas, choros, gritos. Seria isto o mundo lá fora? Seria esta a luz à qual depois de algum tempo teria que ficar exposto? Vir à luz... Ver a luz. Sentir seu calor, ver sua cor, concordar se ela é bela ou não. Piscar os olhos para tudo. Resmungar, chorar, gritar...
Tudo isto você queria fazer, tudo isto você queria sentir. Mas era tão pequenino, tão frágil. E as paredes de sua casa viviam tremendo, arrepiando-se a todo o momento.
Essa pele macia e branca que te cobria como um lençol acetinado se faz sentir tão misteriosa! Às vezes tão feliz, sorridente, te chacoalhava, aos pulos. Isto durava pouco. Estes momentos que você gostava tanto, não duravam muito. Aí vinha a melancolia e você sentia uma mão te alisando, te fazendo carinho. Era bom, apesar de sentir as paredes da casa tremerem e o seu quartinho, o seu ninho, se encolher, se enrijecer...
Ouvia barulhos diferentes. Lamentos que doíam até seu pequeno coraçãozinho. Choro, mágoa... Já, há alguns dias que sua casinha tremia e ficava fria. Não estava mais tão quentinha e aconchegante.
E você nunca se sentiu tão sozinho! Tão pequenino e insignificante. Alguma coisa estava errada. Era possível sentir! E você sabia que todos te queriam. Não era esse o problema.
E a sua morada começa a desmoronar. E você quer sair de dentro dela. Mas, para sair precisa muito trabalho, causa muita dor, muito sofrimento... E você sabia que aqui, na luz, ainda não conseguiria sobreviver.
Era frágil, pobre o pequenino. Mas, um vulcão, vindo não se sabe de onde, através de uma grande tristeza invade sua residência e você tem que sair de lá. As paredes choram, lamentam, tremem, se debatem e se fecham, tentando segurá-lo do lado de dentro.
Inútil, você se perde, é arrancado para fora de seu ninho tão quentinho e macio! E fica só a dor, a revolta e a falta de explicação. Talvez falte fé... Esperança...
Talvez você volte... Um dia, quem sabe...

Obs.: Trecho escrito por mim, uma semana após sofrer um aborto espontâneo, sem causa aparente. Uma amiga leu e mandou publicar no jornal da cidade, em 14 de novembro 1989.
Muitas pessoas que leram foram até minha casa e perguntaram como foi que aconteceu, não sabiam de minha gravidez. Nunca pensei que um texto, que para mim estava até confuso, que foi escrito de uma vez só, com os olhos cheios de lágrimas, poderia mexer com a cabeça de tanta gente!
Autor: SONIA DAS GRAÇAS OLIVEIRA SILVA


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