Os Calangos



Num dos Natais da minha infância, eu escrevi uma cartinha p'ro Papai Noel pedindo um espingarda "de verdade" , de ar comprimido, para eu treinar tiro ao alvo ...

E especifiquei até a marca: eu queria que fosse uma Stella ... 

O bom velhinho me atendeu e hoje eu posso avaliar com que sacrifício êle o fez, porque o meu pai era um simples professor secundário de um colégio particular e, assim, ganhava muito pouco ... 

Eu ganhei a espingarda e ela veio com uma caixa de chumbinhos, mas eu só a recebi depois de uma longa preleção sôbre todos os cuidados que eu deveria ter com ela e só então é que eu pude usá-la ... no quintal ... para trinar tiro ao alvo ... 

Foi uma festa e em pouco tempo acabaram-se os chumbinhos, mas eu ganhei outra caixa e continuei treinando a minha pontaria até que me sentisse seguro para poder sair na rua com a espingarda e  "caçar jacarés na saibreira da Imbuca" ...  

Na minha ingenuidade, eu achava que os camaleões da saibreira da Praia da Imbuca, chamados também de calangos, eram filhotes de jacarés e que eu seria um grande caçador se conseguisse caçá-los ... 

E era isso o que fazia com os pobres dos calangos, sem desconfiar nem um pouquinho de que isso era uma bruta de uma maldade ! ... 

Era uma espécie de sadismo inconsciente que, numa outra vez, se manifestou também num pato "de verdade" que eu pedi num outro Natal e que eu também acabei o matando porque montei nele para andar a cavalo ! ...  

E a mesma coisa acontecia com as galinhas e com os pintos do galinheiro lá de casa, que eu afogava também fazendo com que eles mergulhassem na água enquanto eu os ficava segurando no fundo do tanque para ver se eles tinham bastante fôlego ... 

Os camaleões eram jacarés ...  O pato era um cavalo ...  As galinhas não tinham fôlego nenhum ... e eu ... era um gurí sádico e desmiolado ... 


Autor: Marcelo Cardoso


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