COMO ENTENDER OS PERÍODOS LITERÁRIOS



1 – INTRODUÇÃO

A periodização é uma área de interesse não apenas da historiografia literária mas das artes, comunicações, estética e sociologia. No caso específico da Literatura Brasileira, a periodização é tema sempre polêmico, sugestivo e atual para a história literária. Dificilmente se encontra consenso entre críticos e historiadores literários quando se levanta a problemática periodológica na Literatura Brasileira.
Em torno da questão, tem-se procurado solução simplista como a tentativa de reduzir a periodização a um esquema cronológico, se pela via tradicional, ou a um esquema de estilos de época, na perspectiva estilística. Seja como for, a presença da obra crítica de Sílvio Romero é obrigatória, especialmente História da Literatura Brasileira, como referencial importante para a história literária brasileira e, em especial, para a abordagem periodológica.
A crítica periodológica já não tende a encarar o HLB, de Sílvio Romero, como uma compilação ou um compêndio da história cultural do Brasil. O que fez o crítico sergipano, na sua obra monumental, se aproxima muito da historiografia literária concebida por Erich Auerbach, que assim vê a história literária:

“(...) Para nós, a História é uma tentativa de reconstrução dos fenômenos no seu desenvolvimento, no próprio espírito que os anima, e desejamos que o historiador da literatura explique como determinado fenômeno literário pode nascer, seja por influências antecedentes, seja pela situação social, histórico e política de onde se originou, seja pelo gênio peculiar de seu autor; e neste último caso, exigimos que nos faça sentir as raízes biográficas e psicológicas desse gênio peculiar.”(1)

História da Literatura Brasileira é, na perspectiva auerbachiana, a reconstrução do desenvolvimento cultural, especialmente nas letras, do Brasil. Mas é acima de tudo uma História Literária que assume caráter científico, apoiando-se nas idéias positivistas.
O HBL traduz o vínculo entre o social e a literatura pátria. A grandeza de História da Literatura Brasileira é o seu tom polêmico, atual que provocou reações de seus contemporâneos e que, ainda hoje, repercute nos meios acadêmicos. O tom vigoroso de HBL bem como de sua obra crítica não é nada mais do que a manifestação de uma personalidade complexa e vigorosa, que deu uma reviravolta na historiografia literária no final do século XIX.
Por conta de seu temperamento polêmico e que está refletida na sua monumental obra crítica e linguagem própria para o gênero historiográfico. Não obstante, não há dúvida de que Sílvio Romero, em seu HLB, conseguiu um grande feito: isolar-se do misticismo e espiritualismo da crítica romântica.
A história, de Sílvio Romero, pode, enfim, ser sintetizado como essa rejeição à crítica romântica, desenvolvendo, para isso, um exaustivo e ousado estudo da cultura literária brasileira. Utilizar-se-á, para esse fim, do método histórico, fundamentando-se essencialmente na doutrina evolucionista e positivista de Taine.
No presente estudo não desenvolveremos a análise em cima dessa totalidade e complexa contribuição romeriana. Vamos nos prender a uma faceta significativa da historiografia ainda não desenvolveu um estudo mais profundo sobre esse lado do Sílvio Romero, um historiador que, em pleno século XIX, ousou apresentar quatro classificações e diversas divisões para a literatura brasileira, quando os historiadores literários e a crítica romântica remanescente ainda eram presas aos modelos históricos de Ferdinand Dinis, Ferdinand Wolf, Fernandes Pinheiro e Sotero dos Reis.
A ousadia trouxe repercussões negativas e positivas para Sílvio Romero. Entre as negativas, o estigma de que não estava levando a sério a História Literária quando propôs diversas divisões periodológicas para a Literatura Brasileira e mesmo assim, não se contentar com nenhuma delas e defender a submissão dos fatos literários a circunstâncias extraliterárias como a raça e o meio social.
Entre as positivas, a consolidação do conceito de que a realidade brasileira deve ser o fundamento literário e a confirmação dos postulados tradicionais do nacionalismo brasileiro. Nesse tocante, a lição de Sílvio Romero, em HLB, é de que o Brasil tinha condição de desenvolver uma literatura diferente da portuguesa a partir de sua cultura mestiça e de sua expressão social. È a sua luta por uma literatura autônoma que lhe garante o respeito por parte da crítica mais severa e muitas vezes injusta. Mas como derrubar um homem que negou a metafísica?
Nesta incursão na obra romeriana, ficamos sempre vislumbrados com sua inteligência e mais do que isso, com sua atualidade crítica. De modo que para não cairmos no risco de uma dispersão, optamos por desvelar sua contribuição específica no campo da periodologia literária. Para isso, vamos nos apoiar, inicialmente nos pressupostos periodológicos, partindo da visão predominante da literatura no século XIX até chegarmos à concepção historiográfica de Silvio Romero enquanto naturalista.
No segundo momento, aprofundamos os paradoxos da periodização literária, tendo como principal ponto de discussão a questão de cronologia na história literária. É aqui que vamos mostrar que há uma verdadeira balbúrdia (expressão de Coutinho) na terminologia periodológica, o que acaba por confundir os críticos e os próprios historiadores literário no que se refere ao conceito de período literária. Aproveitamos a oportunidade da matéria e procuramos oferecer uma tentativa de sistematização no campo periodológico, especificamente a nível de uma conceituação dos termos que são circunscritos à periodologia literária.
Na terceira parte, a mais fecunda, mostramos que desde Wolf a Romero e deste à crítica contemporânea, a periodização literária é uma esquematização sempre experimental, empírica, daí sua inconsistência e que, certamente, tem uma repercussão negativa para o ensino da literatura brasileira. Os períodos literários se interpenetram não apenas a nível de estilo de época mas a nível histórico-literário. Foi um desafio para Romero. Será um desafio permanente para a historiografia literária porque mexe com questões de ordem não apenas históricas mas ideológicas, o que conduz sempre a impasse intelectual.
Esperamos, com esse trabalho, contribuir de alguma forma para a revisão da obra de Sílvio Romero no que diz respeito à periodização literária. O estudo não está acabado, mas também não está tão incompleto a ponto de ser invalidado Servirá de base para um trabalho mais fecundo no futuro. Aprendemos muito. Avaliamos a obra crítica de Romero sem olhos tendenciosos. A descoberto é fascinante: a história literária brasileira pode ser dividida em antes e depois de Sílvio Romero. Antes, uma mera erudição historiográfica. Depois, o rigor cientifico que nos garante hoje uma visão simultaneamente culturalista e estática de Literatura Brasileira.
A partir desta introdução, vamos adotar a sigla HLB para substituir História da Literatura Brasileira, de Sílvio Romero.



2 – CRITÉRIO DE PERIODIZAÇÃO LITERÁRIA

2.1 – Literatura com expressão de um povo

A segunda metade do século XIX foi marcada pela consolidação do poder político de burguesia. Isso acarretou a expansão capitalista e o conseqüente desaparecimento do poder político-econômico de aristocracia européia. A consolidação burguesa representava o progresso social para os ricos e crescimento da pobreza para a classe operária, que era a massa produtora, mas marginalizada dos bens de produção.
Esse quadro contrastante aliado às manifestações de insatisfações dos trabalhadores conduziram Mar e Engels, em 1848, a denunciar a situação do proletariado no Manifesto Comunista, onde propuseram soluções políticas e socialistas para os problemas sociais e econômicos.
Nesse contexto, o Naturalismo assimilou o novo tempo. Envolveu-se na doutrina evolucionista e estava refletido nas principais teorias de Darwin, Spencer, Comte, Buckle e Taine.
A literatura, por ser uma das manifestações significativas do homem e de grande repercussão social no século XIX, não ficou de fora das influências ideológicas da época e os naturalistas assumiram a arte como produção do meio social, biológico e geográfico.
Nesta fase, especialmente na Europa, o que passou a caracterizar, de forma acentuada, o Naturalismo não são suas bases científicas e filosóficas, mas a introdução da ciência na arte literária, tornando-a, por vez, um meio de demonstração de teses científicas.
No Brasil, não faltaram adeptos às doutrinas de Spencer, Comte e Taine, as mais receptivas e expressivas na meio literário. O contexto sócio-econômico também oferecia condições para a influência do cienticismo, especialmente o de Spencer, na intelectualidade brasileira.
A partir de 1870, a ideologia positivista contou com a simpatia de nomes como Rocha Lima, Capistrano de Abreu, Araripe Júnior e da famosa “ Escola de Recife”, considerada como “porta de entrada” da nova escola cujos expoentes mais ilustres eram Tobias Barreto e Sílvio Romero.
O positivismo de Comte, o biologismo de Darwin, o evolucionismo de Spencer, o determinismo de Taine, e concepção histórica de Buckle, juntos, influenciaram não apenas as letras mas chegaram à política e tiveram influência preponderante no processo republicano, na derrubada do sistema monárquico brasileiro.
O naturalismo brasileiro passou a ser o projeto ideológico e a direção estética predominante nessa época. Sua ação, de caráter reformista, caracterizou-se pela tentativa de adequação ou conciliação do país aos padrões estéticos. A literatura deixou de ser uma produção romântico-confessional-convencional e converteu-se em um documento racional-interpretativo-responsável da sociedade brasileira.
O rigor naturalista não estava, no entanto, no caráter do povo. Quanto mais identificada com o caráter racial e moral do povo brasileiro, mais original e nacional. A obra era julgada, assim, a partir dos critérios de observação da realidade e de seu comprometimento com o social.
Com muita prosperidade, Abdala Junior, em seus Tempos de Literatura Brasileira, afirma que o realismo-Naturalismo foi uma “arte inovadora e voltada para interesses populares”. A distinção significativa do Realismo-Naturalismo com as correntes anteriores era o de perspectivas um engajamento da arte com o social, ainda que lá fora, se propagasse a observação passiva da realidade.
Entre os naturalistas mais afinados com a nova concepção literária estavam os críticos, especialmente os formados na “Escola de Recife”, na década de 70. Eles colocaram sua atividade crítica a serviço de propaganda naturalista e procuraram a todo custo sepultar os resquícios românticos ainda persistentes no final do século XIX. Propuserem a submissão do texto artístico à realidade, centralizada na doutrina estética de Emile Zola (1819-1877).
Muitos naturalistas, no entanto, não absorveram automaticamente à nova ideologia. Houve receptividade mas não submissão automáticamente à nova ideologia. Sílvio Romero, por exemplo, já em 1878 mostrava-se contra a ortodoxia positivista, não aceitando o positivismo defendido pelos naturalistas dogmáticos no qual a literatura não poderia ser uma arte engajada. Influenciado por Tobias Barreto, a arte formulada no pensamento crítico de Sílvio Romero foi a de atualizar-se à ideologia de Émile Zola e de ser intervenção e transformação social.
Silvio Romero, enquanto poeta de Cantos do Fim do Século não adotou o positivismo alheio ao pensamento crítico de Émile Zola, ou seja, sem a intervenção e transformação do social. Mais tarde, como crítico, voltou sua reflexão para a questão nacional e documentou no seu História da Literatura Brasileira (1888) a contribuição sócio-cultural literária para o país.
Essa postura de Sílvio Romero, no entanto, não o afastou de doutrina naturalista. Pelo contrário, sua afinidade com a nova ideologia à explicita nos capítulos de História da Literatura Braileira ao determinismo de Hippolyte Taine (1826-1883); evolucionismo de Charles Darwin (1809-1882); positivismo de Augusto Comte (1798-1859). Uma idelogia decorrente do ideal cientificista da época que deu fundamento à literatura naturalista.
As posições divergentes da época conduziram à crítica a distinções do estilo realista do estilo naturalista. A ideologia, no fundo, a mesma. Mesmo quando vistas como direções estéticas diferentes, apenas se interpenetam. O Realismo, mais ideológico, desprezou a imaginação romântica com sua contemporaneidade, interpretação do caráter humano e com a denúncia das injustiças sociais.
O Naturalismo, mais estético, acentua as caracteristicas realistas e volta-se para a visão determinista e mecaniscista do homem. Analisa-o cientificamente e denuncia o drama existencial com a crítica social e reformista, procurando desta maneira, alterar o quadro patolófico da realidade social.
Assim, o Naturalismo concebido por Sílvio Romero, incorporou de forma radical a ideologia determinante da época, adotando do cientificismo à crença de que o homem estava condicionado às leis orgânicas do meio social, biológico e geográfico. Nisso ele foi ortodoxo. Não abriu mãos das abstrações sociológicas, patológicas e de análises pseudocientíficas e empíricas para observação da realidade exterior, o que significou uma apreensão deformada da realidade. A construção da obra ficcional ou documental passou a ser resultante de probabilidades científicas e experimentais.

2.2 – Orientação naturalista

Antes de chegarmos à compreensão de história literária em HLB, de Sílvio Romero, é necessário que tenhamos bem clara sua perspectiva de literatura. Para ele, literatura é tomada como a expressão de um povo. Essa expressão, no entanto, tem a amplitude dos historiadores germânicos, ou seja, é a manifestação da inteligência popular.
Dentro dessa visão sociológica da literatura, Sílvio Romero não privilegia os fatos literários. Para a divisão periodológica da literatura brasileira, guia-se por fatores extrínsecos, periféricos. Como veremos, é aqui que, embora sem apega a divisão acabadas, mostra sua coerência e seriedade no trato da periodização literária:

“cumpre declarar, por último, que a divisão proposta não se guia exclusivamente pelos fatos literários. Porque para mim a expressão literatura tem a amplitude que dão aos críticos e historiadores alemãs. Compreende todas as manifestações da inteligência de um povo: - política, economia, arte, criações populares, ciências ...e não, como era de costume supor-se no Brasil, somente as inntituladas bellas-letras, que afinal cifravam-se quase exclusivamente na poesia...”

Essa literatura expressional tinha, para o crítico naturalista, o valor documental, daí ser tão abrangente e manifestante em todas as áreas de criações espirituais. Esse caráter documental da literatura não se limita a um registro histórico do tempo literário, mas exprime o angajamento da arte na vida social.
No prefácio de Cantos do Fim do Século (1878), portanto, anterior a publicação de História, Sílvio Romero já anunciava sua tendência por uma literatura culturalmente abrangente, documental e engajada, uma vez que essa visão já se impusera na Europa.

“A época de Darwin, Moleschott e Buchnner, de Lyeel, Vogt e Virchow, é naturalmente a de Comte, Mill e Spencer, de Buckle, Draper e Bagehot. Estes nomes exprimem a grande transformação das ciências da natureza, invadindo a esfera das ciências do homem. Todos sabem que a religião, a linguagem e a história, o direito, a política e a literatura são agora tratados por métodos bem diversos daquele por que o eram, há trinta anos. Esta nova maneira de sentir e de pensar de sábios e filósofos, num tempo como o nosso, não fica incógnita e misteriosa sem ação sobre a massa dos leitores”.

Sílvio Romero deixou claro que, por sua ligação com o Naturalismo, não conseguiu separar literatura, que é um fato complexo para o naturalista, das situações críticas, filosóficas, cientistas e até religiosas. É o conceito de literatura como documento que o conduzirá, no plano crítico, a focalizar as obras do ponto de vista do ambiente social e, histórico e racial, por meio do qual interpretará o passado nacional.
A teoria da mestiçagem já formulada no 1º volume da História da Literatura Brasileira é um fato de cultura e de literatura, o que o leva a estabelecer a correlação com um autor posto em julgamento literário. É por essa razão que um autor é considerado nacional quando tem a capacidade de pôr sua literatura a serviço da expressão da realidade social e cultural que o cerca.

“A literatura brasileira, como todas as literaturas do mundo, deve ser a expressão positiva do estado emocional e intelectual, das idéias e dos sentimentos de um povo. Ora, nosso povo não é o índio, não é o negro, não é o português; é antes a soma de todas estas parcelas aturadas ao cadinho do Novo Mundo”.

O fato novo proposto por Sílvio Romero é acrescentar à concepção de literatura a expressão de visão de mestiçagem. È por essa visão que a literatura tem a sua função diferenciadora na sociedade brasileira. Quanto mais próxima da reflexão dessa realidade mestiça, mais a literatura bem como todas as demais forças produtivas da cultura são importantes e reveladoras das determinações naturais que regem o povo.
Como “expressão positiva do estado emocional e intelectual” , a literatura não deve traduzir apenas uma mestiçagem física como tentou José de Anchieta, mas uma mestiçagem moral como conseguiu Gregório de Matos Guerra, no movimento literário do Brasil no século XVII.
È por conta dessa mestiçagem moral, ideologizada, que Anchieta na visão de Sílvio Romero, é um precursor mas não um fundador nem criador da literatura nacional. Ao contrário, Matos Guerra reflete sintonia com o seu meio através de sua prática desabusada e mundana tal a mestiçagem moral que caracterizou o século XVII.

“Uma literatura tem uma base, tem elementos e tem órgãos. A base da nossa é o sentimento do brasileiro, como noção à parte, como produto étnico determinado; os elementos são as tradições das três raças sem predomínio de uma sobre as outras; os órgãos são nossos mais notáveis talentos, todos aqueles que sentiram como brasileiros”.

A literatura, enquanto expressão da sociedade, não era uma visão isolada de Sílvio Romero. A Geração de 70, que contava com nomes como Capistrano de Abreu, Rocha Lima, Araripe Junior e José Veríssimo, sofreram influências de Taine, que estabeleceu as bases do naturalismo crítico, colocando a perspectiva de reconstrução do social e do natural a partir do literário.

“(...) Para Taine, o trabalho do crítico de literatura seria semelhante ao do historiador. Ambos seriam como objeto, não o mundo dos fatos, mas as causas que estariam na própria origem destes. É este mundo subterrâneo que é o segundo objeto, o objeto próprio do historiador. Segundo Hippolyte Taine, três fatores contribuíram para a produção do estado moral elementar, devendo ser investigados pelo estudioso de literatura como determinantes das atividades espirituais; a raça, disposição inatas e hereditárias que o homem traz consigo à luz, o meio ambiente físico e geográficoi em que vive determinada raça ou povo, e o momento, a obra já realizada pelas duas primeiras causas ou fatores. As obras literárias seriam tomadas, portanto, como documento que revelariam a psicologia de uma alma, de um século ou até de uma raça. Sua beleza artística seria diretamente proporcional ao seu grau de representatividade do contexto social em que forem produzidas.

Essa literatura documental a ser resgatada pelo crítico na sua obra monumental também deveria refletir a ideologia dominante da época, especialmente àquela contra “o velho romantismo transcendental e metafísico” ou seja, o transcendentalismo espiritual que marcou a primeira metade do século XIX.

“O positivismo filosófico francês, o naturalismo literário da mesma proced~encia, a crítica realista alemã, e transformismo darwiniano e o evolucionismo de Spencer começaram a espalhar-se em alguns círculos acadêmicos, e uma certa mutação foi-se operando na intuição corrente. Todos os anos crescia o número dos combatentes; foram eles os primeiros que no Brasil promoveram a reação seguida e forte contra o velho romantismo transcendental e metafísico”.

O significado da história literária na obra romeriana passa necessariamente por sua concepção de literatura. Desvelada a conceopção literária, avaliamos o critério historiográfico em História da Literatura Brasileira.
No decorrer deste estudo, buscaremos deixar claro a relação entre literatura e história literária e destas, com a crítica literária. Essas concepções se complementam, se interpenetram de tal forma que, em certo momento, apenas sutilezas ideológicas ou, ainda, escolásticas, podem especificar, no naturalismo, as diferenças entre elas e suas respectivas funções na historiografia literária.
Por conta dessa simbiose, a crítica estética tem procurado tornar a história literária, especial e especificamente uma filosofia da história e não uma crítica literária. Acrescenta-se à problemática um novo impasse quando confrontamos a história literária e a crítica periodológica. Seus objetos se confundem. Seus fins, ainda não delimitados pela crítica, são o desafio para a contemporaneidade.
Se na contemporaneidade essa imbricação da história literária com a crítica periodológica é uma problematização desafiadora, no Naturalismo fica difícil para o historiador ou crítico estético ou tradicional, dizer onde começa a literatura e onde termina a história literária ou vice-versa.
A história literária, concebida por Romero, é a descrição dos esforços diversos do povo para a transformação do social. É por ela, que se indicam os elementos de uma história natural-naturalista da literatura, estudando-se as considerações do determinismo literário e aplicando-se fatores geológicos e biológicos às criações do espírito.
No primeiro capítulo de História a Literatura Brasiliera, Sílvio Romero revela sua concepção de história literária como uma incursão descritiva e documental das manifestações do espírito. Nessa incursão, na verdade uma excursão histórico-documental, tenciona contemplar os escritores e obras e “forças vivas” que contribuíram de alguma forma para a nacionalidade brasileira, vivendo em função da consciência pátria. Traçando esse itinerário, Romero procura realizar um trabalho naturalista, voltado para a formação do “gênio nacional”.

“Pretendo escrever um trabalho naturalista sobre a história da literatura brasileira. Munido do critério popular e étnico para explicar o nosso caráter nacional, não esquecerei o critério positivo e evolucionista da nova filosofia social, quando tratar de notas as relações do Brasil com a humanidade em geral”

A história literária na obra romeriana não se prende a fatos extrínsecos presentes na “vida intelectual” brasileira, conforme constatamos em História da Literatura Brasileira:
“Para tanto é antes de tudo mister mostrar as relações de nossa vida intelectual com a história política, social e econômica da nação; será preciso deixar ver como o descobridor, o colonizador, e implantador da nova ordem de cousas, o português em suma, foi-se transformando ao contacto do índio, do negro, da natureza americana, e como, ajudado por tudo isso, e pelo concurso de idéias estrangeiras, se foi aparelhando o brasileiro, tal qual ele desde já e ainda mais característico se tornará no futuro”.

A crítica contemporânea tem confirmado esse análgama profundo da história literária e, no sentido lato, da própria literatura naturalista, com fatores sociais, econômicos, políticos, enfim, culturais. O crítico Roberto ventura, no belo ensaio que enfoca a influência da geração de 70 nas transformações sociais do país no final do século passado, avalia que o livro História da Literatura Brasileira, de Romero, é indiscutivelmente uma obra de interpretação histórica e sociológica das atividades intelectuais no Brasil do que um compêndio de história literária, no sentido que temos agora da expressão.
Ainda que em História da Literatura Brasileira encontramos um Sílvio Romero com descrições enfadonhas de autores, num biografismo por demais exaustivo, avaliamos que sua visão de história literária não é de um catálogo de escritores, obras e gêneros literários sem valor artístico. Sua obra reflete a sua época. O que a historiografia germânica e européia, como um todo, ofereceu o Ocidente, Sílvio Romero não deixou a desejar, no Brasil, com seu documental História da Licenciatura Brasileira.
Como constata Ventura, a obra monumental de Sílvio Romero, distribuída agora em cinco substanciosos volumes, é uma ampla investigação dos fatores, é uma ampla investigação dos fatores dominantes da produção cultural brasileira, da era colonial ao crepúsculo do século XIX. Em História, são discutidos, com riqueza descritiva, as raças fornecedoras da nacionalidade, os efeitos dos cruzamentos étnicos, a influência do meio tropical cobre a cultura, a relação, enfim, entre os ciclos econômicos e as escola poéticas.
Essa orientação naturalista empreendida na obra de Sílvio Romero predominou na crítica brasileira no último quartel do século XIX, de modo que o crítico sergipano apenas reproduziu na sua obra essa ideologia de abertura de literatura à sociedade e à história. Há quem aponte, no entanto, a ostentação de erudição e eloquência como ponto negativo na obra de Sílvio, mas sua análise naturalista da história literária brasileira é profunda e rigorosa e os nomes que lá estão descritos tem significação literária.
Enquanto em Sílvio Romero a crítica pode constatar um compromisso do crítico e historiador com sua época literária, tantos outros, no passado, como Joaquim Caetano Fernandes Pinheiro e Francisco Sotero dos Reis sempre foram tendenciosos e presos à historiografia lusitana, de modo a conceber a história literária como catálogos e enumerações de períodos e nomes sem significação literária, apenas para encher seus trabalhos de monografias e erudição.
Claro que, aos olhos da crítica esteticista naturalistas, especialmente Sílvio Romero e José Veríssimo, chegam ao exagero de dependência literária com relação ao meio social que é, por questão de convicção ideológica, permeado pelo determinismo positivista.
No naturalismo adotado por Sílvio Romero, a história literária é a história cultural do povo, da inteligência de um povo, o que corresponde a uma fidedignidade à concepção historiográfica da escola germânica, de uma visão de Herder, dos irmãos Shelegel e dos irmãos Grim.
A história literária em Sílvio Romero se desenvolve a partir de uma reflexão sobre vida interna da nação, enfocando a economia e o movimento artístico-cultural. Nesse sentido, a história literária é encarada como um problema de ordem biológica que, por sua vez, passa de psicológico a sociológico.
Essa concepção de Sílvio Romero leva em conta as origens históricas do gênio popular. Mas Romero não vai esgotar o científicismo positivista, mas apoiar-se nas ciências para estabelecer o método de pesquisa literária, que é o de levar em conta o fator mestiçagem, esperando, assim, explicar, pelas leis gerais a evolução histórica humana, da gênese sociológica e das características psicológicas, acentuando a herança biológica no dimensionamento dos fatos literários.
Em função dessa busca naturalista, a História da Literatura Brasileira, aos olhos de Sílvio Romero, não privilegiará os fatos literários assim como fizeram os críticos românticos, mas os fatos extrínsecos, o método da mestiçagem, do biologismo, do meio, para oferecer uma abordagem literário-histórico-sociológico. Para ele, a biografia é referencial dos fatos históricos e não o intrínseco, ou melhor, a textura e o estilo literário.
Na História da Literatura Brasileira, observamos que a distribuição do livro obedeceu a método histórico. Há a tentativa da explicação histórica dos fatos literários e culturais dos diversos documentos de literatura nacional. Essa era a orientação geral do métodos histórico predominante na Europa. Estava sentado nas direções propostas por Van Tiechem.
A evidência do método histórico em História da Literatura Brasileira, de Sílvio Romero, está na própria estruturação da obra. No primeiro volume, Sílvio Romero inicia o estudo pelos fatores literários do Brasil social e nos demais volumes que encerram sua obra monumental aponta direções comparativas, gerais, sociológicas, geracionais e periódicas dos fatos literários.
É no plano estrutural da obra, pretensiosamente pronta e acabada, que Sílvio Romero aproxima sua historiografia da periodologia literária. Fica claro pelo esquema do livro que o crítico naturalista deixou-se influenciar mais por uma direção geracional e periodológica da história literária brasileira, conforme podemos constatar a partir do segundo tomo de sua obra.
Eis a distribuição dos títulos do primeiro volume em perfeita coincidência com a divisão periodológica que o autor faz da literatura brasileira:
a) Primeira época ou período de formação (1500-1750)
b) Segunda época ou período de desenvolvimento autonômico (1750-1830)
c) Transição
d) Terceira época ou período da transformação romântica-poesia (1830-1870)
e) Reações anti-Românticas na poesia – Evolução do lirismo.
Essas divisões possuem, no interior da obra, fases e subfases que são classificadas, conforme a geração predominante na época ou, por força da cronologia do nascimento e morte dos escritores. Atesta Afrânio Coutinho que a história literária geracional, tal qual exposta por Sílvio Romero, é responsável pela divisão da evolução da literatura em períodos, mais especificamente, em “gerações”, com o fito de explicar as sucessões e alternâncias de que é feita a história literária.














3 – O IMPASSE DA PERIODIZAÇÃO LITERÁRIA

3.1 – A terminologia e seus paradoxas

A incursão na Crítica Periodológica nos leva a desvelar, na historiografia literária, a noção de tempo literário. Sua noção fundamental está no conceito de história literária. Há uma estreita relação entre tempo literário e história literária. Esta, entendemos como a organização do panorama histórico estilístico da literatura. Àquele, unidade desta.
Essa organização histórica da literatura foi uma das preocupações dos historiadores literários do século XIX. Não é que nos séculos anteriores não tenha se ensaiado uma história literária, mas sem a intenção de sistematização e ordenação histórico-literária.
Na antigüidade clássica, o escritor romano ou grego não tinha a preocupação de organizar a produção artística com o fito de uma historiografia literária. Quando houve prenúncio nesse sentido foi por uma questão puramente pragmática e visando, em muitos casos, salvar as obras da destruição dos bárbaros.
A configuração da história literária foi, no entanto, uma obra de séculos. Precisou passar por bibliografias e biografias enfadonhas até chegar à transformação destas em narração sistemática e cronológica dos casos literários. Com isso, a noção de tempo adquire novo sentido histórico, significando o resgate do passado em evolução. A partir dessa nova acepção, houve a ligação entre história e crítica literária, da qual Herder foi um dos precursores no século XVIII.
As Idéias para a filosofia da história da humanidade influenciou os historiadores do século XIX. O conceito de “literatura nacional”, como a expressão de evolução espiritual de uma noção, surgiu de Herder. Friedrich Schlegal, discípulo de Herder, apreendeu as relações entre literatura e a história, ou seja, o paralelismo histórico na evolução de todas as artes e ainda da existência de uma “lei da evolução espiritual” e pôs a categoria tempo como “veículo da história literária”.
Na História da Literatura Antiga e Moderna (1815), de Friedrich Schlegal, o tempo, como veículo da história, é o fator determinante dos acontecimentos históricos. Esta noção de tempo está intimamente ligado ao chamado
“passadinho” dos românticas e que, portanto, de grande relevo para a crítica romântica. Nessa perspectiva, “nada do que o tempo criou perde jamais valor; continua a agir de nós, de modo que o fio cronológico dos fatos é, ao mesmo tempo, a árvore geneológica das obras do Espírito”.
Mais tarde, Hippoyte Taine, imbuído da influência herderiana, retoma questão do “tempo” e afirma no seu História de la litteratura anglaise (1864) que o tempo não tem lugar nas criações do espírito. Assim, segundo ele, o tempo nada determina. Conforme assinala Carpeaux, o tempo, em Taine, é esquema de exposição historiográfica:

“... É verdade que a consideração dada ao “moment historique” resguarda os direitos da cronologia; mas a cronologia, na obra de Taine, já não é o fato real que fora nos românticos. É mero esquema de exposição. Pouco a pouco, a cronologia degenerá em instrumento didático, útil para a apresentação ordenada dos fatos literários”.

Essa noção de tempo, em Taine, influenciou sobremodo o Realismo-Naturalismo o historiador Otto Maria Carpeaux, com grande poder de síntese, batizou de “Herder do século XIX”. A concepção de tempo na história literária, na fase naturalista, descendeu fortemente das concepções de Taine.
Wilhelm Sherer, discípulo alemão de Taine, no seu História da Literatura Alemã (1883) foi ainda mais positivista do Taine, chegando a dar importância a verificação de datas de publicação ou de pormenores biográficos na história literária. No naturalismo, em especial a crítica naturalista, também enfatizou as datas bibliográficas e biografias, sem, no entanto, chegar a rigidez cronológica.
Outro discípulo de Taine, na França, Ferdinand Brunetière, também acentuou o positivismo tainiano no seu A História de la Littérature Française (1904/1907) chegando a criar a “evolução dos gêneros”, que foi assimilada no Brasil, por Sílvio Romero. O estudo da evolução dos gêneros na literatura brasileira foi incluído em História da Literatura Brasileira depois da morte de Romero.
Na frança, com Brunetière e mais tarde, com Gustavo Lanson, em História de la Littérature Française (1894) e no Brasil, com Silvio Romero, em seu História da Literatura Brasileira, poder-se-á constatar a reprodução, a seu estilo próprio, do cientificismo de Taine e de seguidores.
A história literária, na perspectiva tainiana, passou a encarar a literatura como uma “instituição” da nação. Isso resultouy em obras monumentais que tomaram do positivismo de Taine a disposição cronológica e o estudo dos gêneros literários dentro dos período delineados. Essas obras delimitam as épocas literárias segundo um esquema cronológico mais ou menos arbitrário; e, no interior da periodização literária estabelecida, realizanm monografias sobre os escritores mais significativos. A cronologia passou, a partir da unidade tempo literário, a garntir a ordem da exposição para os historiadores naturalistas.
No final do século XIX, ficou mais evidente o desgaste não só semântico mas ideológico que sofreu a categoria tempo literário durante a transição do século XVIII para o seguinte. Enquanto para os românticos, o tempo era uma simples categoria histórica, para os positivistas indicava a hora exata do acontecimento histórico. Essa docotomia temporal registrada no século dos românticos e no século dos naturalistas, veio deixar ainda mais claro o tempo, para os positivistas, ser um esquema artificial, útil para classificação cronológica dos fatos literários verificados e historiografados “passadinho” dos românticas e que, portanto, de grande relevo para a crítica romântica. Nessa perspectiva, “nada do que o tempo criou perde jamais valor; continua a agir de nós, de modo que o fio cronológico dos fatos é, ao mesmo tempo, a árvore geneológica das obras do Espírito”.
Mais tarde, Hippoyte Taine, imbuído da influência herderiana, retoma questão do “tempo” e afirma no seu História de la litteratura anglaise (1864) que o tempo não tem lugar nas criações do espírito. Assim, segundo ele, o tempo nada determina. Conforme assinala Carpeaux, o tempo, em Taine, é esquema de exposição historiográfica:

“... É verdade que a consideração dada ao “moment historique” resguarda os direitos da cronologia; mas a cronologia, na obra de Taine, já não é o fato real que fora nos românticos. É mero esquema de exposição. Pouco a pouco, a cronologia degenera em instrumento didático, útil para a apresentação ordenada dos fatos literários”.

Essa noção de tempo, em Taine, influenciou sobremodo o Realismo-Naturalismo o historiador Otto Maria Carpeaux, com grande poder de síntese, batizou de “Herder do século XIX”. A concepção de tempo na história literária, na fase naturalista, descendeu fortemente das concepções de Taine.
Wilhelm Sherer, discípulo alemão de Taine, no seu História da Literatura Alemã (1883) foi ainda mais positivista do Taine, chegando a dar importância a verificação de datas de publicação ou de pormenores biográficos na história literária. No naturalismo, em especial a crítica naturalista, também enfatizou as datas bibliográficas e biografias, sem, no entanto, chegar a rigidez cronológica.
Outro discípulo de Taine, na França, Ferdinand Brunetière, também acentuou o positivismo tainiano no seu A História de la Littérature Française (1904/1907) chegando a criar a “evolução dos gêneros”, que foi assimilada no Brasil, por Sílvio Romero. O estudo da evolução dos gêneros na literatura brasileira foi incluído em História da Literatura Brasileira depois da morte de Romero.
Na frança, com Brunetière e mais tarde, com Gustavo Lanson, em História de la Littérature Française (1894) e no Brasil, com Silvio Romero, em seu História da Literatura Brasileira, poder-se-á constatar a reprodução, a seu estilo próprio, do cientificismo de Taine e de seguidores.
A história literária, na perspectiva tainiana, passou a encarar a literatura como uma “instituição” da nação. Isso resultou em obras monumentais que tomaram do positivismo de Taine a disposição cronológica e o estudo dos gêneros literários dentro dos período delineados. Essas obras delimitam as épocas literárias segundo um esquema cronológico mais ou menos arbitrário; e, no interior da periodização literária estabelecida, realizam monografias sobre os escritores mais significativos. A cronologia passou, a partir da unidade tempo literário, a garantir a ordem da exposição para os historiadores naturalistas.
No final do século XIX, ficou mais evidente o desgaste não só semântico mas ideológico que sofreu a categoria tempo literário durante a transição do século XVIII para o seguinte. Enquanto para os românticos, o tempo era uma simples categoria histórica, para os positivistas indicava a hora exata do acontecimento histórico. Essa dicotomia temporal registrada no século dos românticos e no século dos naturalistas, veio deixar ainda mais claro o tempo, para os positivistas, ser um esquema artificial, útil para classificação cronológica dos fatos literários verificados e historiografados.
Essa concepção precária de tempo é pouca compreendida pelos críticos naturalistas e até pelos contemporâneos. José Veríssimo, Otto Maria Carpeaux e Afrânio Coutinho ao analisarem a obra romariana, especialmente o prólogo de História da Literatura Brasileira, criticam-no por propor quatro classificações e divisões diversas para os períodos literários. Nas quatro propostas de Sílvio Romero, as datas são meros indicativos cronológicos, por isso não coincidirem, Isso não resulta de “Flutuações e incoerência de classificações”, como percebeu José Veríssimo, mas da visão romeriana e de sua assimilação do tempo e do positivismo tainiano.
O crítico Silvio Romero, ao traçar a periodização da literatura brasileira, propõe, em dado momento, que o período de formação está no intervalo cronológico de 1592 a 1768 e, em outro momento, altera para 1500 a 1750 e assim acontece nos demais períodos.
Essas “flutuações”, na verdade, confirmam sua apreensão da doutrina de Taine, ou seja, o tempo, para os positivistas, não exerce influência sobre a evolução histórica. Para os naturalistas, há uma oposição irredutível entre o fluxo cronológico dos acontecimentos e os fatores raça e o ambiente.
Os fatores raça e ambiente ou meio são constantes na análise das criações artísticas. Já o terceiro, ou seja, o momento histórico, que completa a trindade tainiana, não exerce influência sobre a produção literária. Isso porque momento histórico tem acepção de tempo literário.
Por conta desse fator, o período de formação, que é o período das origens da literatura brasileira, receber, em Silvio Romero, diversas terminologias nas classificações subsequentes como período clássico, período puramente clássico, da mesma forma o período de desenvolvimento autonômico, passa a ser, na segunda proposta periodológica, apresentada por Romero, em História da Literatura Brasileira, período romântico e assim por diante.

“A impossibilidade de reconciliar a cronologia com os fatores reais de Taine levou os historiadores da literatura a uma separação dos conceitos: o capítulo sobre determinada época abre com descrição sucinta das transformações políticas e sociais – “milieu” e “moment historique” – para serem abandonados esses conceitos a se confiar só na cronologia; os fatores reais de Taine sobrevivem apenas como uma espécie de pórtico decorativo. Mas isso também não adianta muito. Não é possível escrever a história literária em forma de anais; os acontecimentos mais diversos se misturariam de maneira mais confusa. Por isso, classificam-se os acontecimentos literários dentro de determinada época, conforme os gêneros, abrindo-se exceção unicamente para os escritores mais importantes, que são estudados em pequenos ensaios monográficos. A conseqüência é a ruína completa da cronologia, daquela mesma cronologia que serve de pretexto para conservar os esquemas da rotina”.

A estrutura narrativa de História da Literatura Brasileira, de Silvio Romero, reserva para o “âmago” da obra o desenvolvimento de cada um dos períodos literários, deixando para o final do livro os “artigos esparsos”, monografias sobre escritores como João ribeiro, Lopes Trovão, Tito Lívio de Castro, Joaquim Nabuco, Farias Brito, Euclides da Cunha e outros. Encerra a História com o quadro sintético da evolução dos gêneros da literatura brasileira, periodizando a poesia, teatro, romance e conto, história, crítico, entre outros gêneros.
O crítico Silvio Romero ao fazer a periodização da literatura brasileira, a partir da “divisão natural” da história literária brasileira, deparou-se com a questão das datas, marcos divisórios que resultaram em objeção por parte da crítica, conforme coloca ao leiotr no prólon da 2ª edição de história:

“Se é certo que as fases de uma literatura não se determinam com a mesma segurança com que os velhos cronistas marcavam o nascimento e a morte dos reis – seu protestores, e se é verdade que as datas aqui indicadas não tem esse mesquinho, servem para indicar os grandes marcos de nossa evolução mental. Os anos de 1500 e 1750, que encerram o primeiro período, justificam-se, aquele, porque daí partiu o conhecimento do país; o outro, porque na última metade do século XVIII, alterando-se o nosso sistema colonial e econômico, preparou-se a grande escola mineira, talvez o período mais brilhante e original de nossa poesia.
A data de 1830, se não marca uma época literária no estreito sentido, designa-a no lato, porque determina a invasão completa do romantismo na política e seu trasbordamento na literatura.
A professora Lígia Cademartori, no livro Períodos Literários (1985), chama a atenção para a diversidade de termos encontrados na periodologia literária. A circulação freqüente de termos como período, movimento, época, fase, era são, na sua opinião, a “tentativa de ordenação dos fenômenos literários no tempo”.

Até se prove o contrário, fica difícil se acreditar numa “ordenação dos fenômenos literários” sem que haja, primeiramente, uma “ordem terminológica”, de modo a estabelecer a hierarquização entre os termos mais frequentes na periodização. É possível que a partir de uma ordenação dos matizes terminológicos para termos básicos como período e época literários possamos atingir uma unidade terminológica.
Claro que, em sentido lato, por extensão semântica, época e fase sejam sinônimos de período. Mas periodizar um estilo de época requer um rigor por demais científico, seguro, de modo a tentar conciliar os critérios de tempo e os critérios estéticos. Essa problemática, vale dizer, não é exclusiva da historiografia literária, mas é nele que se emerge permanentes questões periodológicas, pelo menos, no plano didático e nas delimitações das escolas literárias.
A crítica contemporânea ainda não chegou a um consenso, ou, pelo menos, à tentativa de sistematização da terminologia periodológica. O que está claro hoje, é que, em qualquer momento da literatura, seja brasileira ou não, período rigorosamente não quer dizer era ou idade literária. Um período romântico na literatura brasileira pode não corresponder a uma época romântica espanhola e vice-versa.
Período rigorosamente é período quando se toma o termo cientificamente, ou seja, na crítica ou na história literária. Período, em sentido estreito, não é mesma coisa de época. Esta, por sua vez, difere, semanticamente, de fase. São signos lingüísticos diversos e diversamente semânticos. Portanto, os termos periodológicos têm significado e significante também distintos.
O crítico Domício Proença Filho, em seu Estilos de Época na Literatura (1969) abre o capítulo IV, destinado a periodização de estilos de época, citando o conceito de período em René Wellek. Para Wellek é uma seção de tempo sistêmico, padronizado e convencionado dentro do desenvolvimento universal. O que, em síntese, quer dizer que o período não é uma “etiqueta lingüística arbitrária”, mas um nome que designa um sistema de normas dominantes na história literária.
A semântica, que é a ciência das significações lingüísticas, pode contribuir para a solução da problemática. Na verdade, um impasse mal resolvido da historiografia literária. A questão, todavia, não é resolvida e esgotada através de uma consulta a um pequeno, médio ou grande dicionário. O glossário pode até esclarecer, por via lingüística, o uso adequado do termo, conforme a exigência sincrônica, diacrônica ou, por que não dizer, ideológica e crítica de quem faz a história literária.
O dicionário, por mais completo que seja, oferece definições que determinam apenas a extensão semântica dos termos, mas a formulação de um conceito de período, época, entre outros, só a crítica periodológica, com mais exatidão, pode formular. É ela que pode traduzir a idéia de período literário e circunscrevê-lo na periodologia tradicional ou estilística.
Assim, acabamos por concluir que a formulação do conceito dos termos periodológicos é um problema de ordem ideológica. Ou seja, depende dos críticos ou da crítica dominantes na época. Ou ainda, depende de posições, de idéias a respeito não só da periodologia e da crítica, mas da literatura, da história literária e da historiografia literária ocidental.
Ora, se até hoje, não chegamos a um consenso sobre o conceito de literatura ou mesmo de história literária dificilmente chegaremos, pela via consensual ou da tradição historiográfica, ao conceito exato, científico e universalizante de período literário e dos demais termos que o circulam na periodologia.
Essa problemática tem enculcado críticos como Afrânio Coutinho. Para ele, a “periodologia exige boa formulação” e, sua ausência na história literária, pode significar um fluxo caótico e indistinto na periodização. René Wellek, antecipando-se à preocupação de Coutinho, sugere que a concepção de período literário esteja ligada a concepção do processo histórico e da teoria da evolução e desenvolvimento da história.
O mais grave, no entanto, é que, embora caminhamos para um maior esclarecimento do que seja a função da literatura na sociedade ou o papel da história literária na interpretação da literatura e da sociedade, no que toca à periodologia, ainda não foi delimitada o âmbito da atividade periodológica nem se distinguiu o seu objeto entre a obra e as circunstâncias de sua formulação, o que justifica uma variedade de modos de concepção da periodização literária.
No século XIX, concedendo a literatura como todo documento escrito pela sociedade, a terminologia utilizada por Sílvio Romero para a divisão dos períodos literários obedeceu a suas concepções ideológicas de Naturalismo. Daí, as divisões literárias serem divisões políticas porque ele concebia a literatura e a história como instituições, como grandes monumentos culturais e políticos da nação.
O crítico José Veríssimo, que chegou a combater as divisões propostas por Romero, por questões mais pessoais do que literárias, também propôs divisões políticas. As suas, mais pretensiosamente didáticas. Enquanto Romero batizava a produção literária de 1500 – 1750 de período de formação, José Veríssimo, batizava-a de período colonial. Por que de formação? Por que colonial? Porque ambos são arbitrários. Mas José Veríssimo levantou a seguinte que vale a pena transcrever:

“(...) No primeiro período, o colonial, toda a divisão que não seja apenas didática ou meramente cronológica, isto é, toda a divisão sistemática, parece-me arbitrária. Nenhum fato literário autoriza, por exemplo, a descobrir nela mais que algum levíssimo indício de “desenvolvimento automático”, insuficiente em todo caso para assentar uma divisão metódica. Ao contrário, ela é em todo esse período inteira e estritamente conjunta à portuguesa. Nas condições de evolução da sociedade que aqui se formava, seria milagre que assim não fosse. De desenvolvimento e portanto de formação, pois que desenvolvimento implica formação e vice-versa, é todo período colonial de nossa literatura, porém, apenas de desenvolvimento em quantidade e extensão, e não de atributos que a diferençassem.

Na crítica naturalista, especialmente em Sílvio Romero e José Veríssimo que escrevem, com o mesmo título, uma História da Literatura Brasileira, podemos observar a inconsistência semântica na utilização de alguns termos periodológicos. Embora eles tenham bem definidos, politicamente, o que venha a ser um período de formação ou um período colonial, fica difícil depreender, com toda segurança, o que eles entendam por período literário, momento literário, fase literária, entre outras expressões utilizadas em suas obras.
Ocorre com o crítico Silvio Romero, no prólogo da 2ª Edição de seu História da Literatura Brasileira, exemplos claros de falta de consistência terminológica da periodologia tradicional por ele proposta. Quando se refere à demarcação das criações dos espíritos em períodos literários chega a falar, como simultaneamente, em época ou momento, sem que haja, a rigor, uma correspondência de designações ideológicas.
Sílvio Romero, no capítulo dedicado a Fatores da Literatura Brasileira, em História da Literatura Brasileira, fala em “quatro grandes fases de nossa literatura”. Mais adiante fala em época e fase, conforme lemos e sublinhamos a seguir:
Nos demais livros faz-se a traços largos o resumo histórico das quatros grandes fases de nossa literatura: período de formação (1500-1750), período de desenvolvimento autonômico (1750-1830), período de transformação romântica (1830-1870) e período de reação crítica (de 1870 em diante). Período de desenvolvimento autonômico (1750-1830), período de transformação romântica (1830-1870) e período de reação crítica (de 1870 em diante).
A primeira época inicia-se com a descoberta do país, pela invasão holandesa, pelos Palmares, pelos Emboabas, e Mascates e chega aos meados do século XVIII. A segunda, com a descoberta das minas, mostra certo impulso autonômico do país dentro do limite de suas forças e tradições étnicas. A terceira, que principia com romantismo político de Constante no tempo de nossa Independência, acentua-se mais a datar da retirada do primeiro imperador, e, através de muita imitação, máxime de franceses, teve o mérito de afastar-nos da esterilidade do lusitanismo literário. A quarta fase é a de ração crítica e naturalista, em que buscamos de novo nossas tradições á luz das idéias realistas, procurando harmonizar uma das outras.
Até aqui pode-se ia argumentar que, pelo contexto, período, época e fase são sinônimos. Assim, teríamos como solução simplista para a questão da diversidade de termos o argumento de que o contexto é a solução do impasse e que, portanto, a utilização de um termo por outro é um apelo á sinonímia. O que se questiona, no entanto, é da validade da sinonímia na comunicação científica e mais ainda, na crítica periodológica.
A Periodologia deve levar em conta que, na contemporaneidade, os termos utilizados no século passado para periodização literária não correspondem necessariamente aos de hoje. Podem ser homônimos, mas podem ser rigorosamente sinônimos. Há necessidade, assim, de um estudo diacrônico da terminologia de modo a explicar o seu matiz semântico - literário.
Em efeito, a Periodologia Estilística deve utilizar-se da diacronia da terminologia periodológica para mostrar a eliminação de sinônimos, quando há coincidência perfeita na denotação e na conotação ou quando a falta de interesse pela área semântica a que eles se referem faz com que ponham de lado os matizes denotativos e conotativos e um só termo é considerado suficiente para representar toda a área.
Voltando a Sílvio Romero, observamos que o crítico no final do capítulo ora em estudo, afirma que as datas, que não tem "rigor mesquinho" na periodização literária, "servem bem para indicar os grandes marcos da nossa evolução mental ". Marco é um termo que não corresponde rigorosamente a período.
O sentido de marco, em literatura, sem, dúvida deve ser o de assinalar um local ou um acontecimento de um fato literário, estabelecendo fronteira ou limite com demais períodos literários. Mas fica a indagação: qual o sinônimo de marco na obra naturalista? Marco quer dizer época ou fase? Ou tem o mesmo sentido de era?
Quanto se reporta á evolução dos gêneros na Literatura Brasileira, no final do 5° e último volume de História da Literatura Brasileira, Sílvio Romero subdivide o período em momento e não em época. Já nas "notações indispensáveis" para esclarecer o que propôs, não fala em primeiro momento ou segundo momento, mas em primeiro ou segundo período, o que torna, por força de sinonímia, período equivalente a momento.
Afrânio Coutinho, atento a problemática, levanta a questão no seu Literatura no Brasil, mostrando-se preocupado com as designações diversas para os períodos literários:
A confusão e a impropriedade tornam-se ainda mais evidentes em fase da variedade de designações para as divisões: era, época, período, fase, idade. Reina a maior balbúrdia entre os autores no uso desses termos, encontrando-se indiscriminadamente empregado, ora com sentido diferente, ora como sinônimos.
Parece que "era" é o termo mais geral, seguindo-se - lhe "época" e " período " Fidelino de Filgueiredo, em sua periodização da literatura portuguesa, adota "era " como divisão mais vasta (era medieval, era clássica, era moderna ) e, " época ", para as subdivisões, marcadas cronologicamente. De qualquer modo, a terminologia literária oscila quanto ao uso quanto ao uso desses termos, como a respeito de movimento e escola.
Por não levar em conta um rigor semântico- científico na terminologia literária, cada crítico ou historiador literário utiliza termos como período, época, era, fase, na perspectiva da sinonímia, esvaziando de cada um dos vocábulos a diacronia, ou seja, o significado interno e histórico dos signos da periodização literária.
A falta de critério científico no estabelecimentos dos períodos acarreta o cetecismo de muitos, que julgam o problema destituído de rigor, propugnando a tese de que o período é um simples nome, neutro, sem significado, uma etiqueta igual á qualquer outra, e sem a menor ligação com o seu conteúdo e, desta maneira, reduz o período, arbitrariamente, a uma seção de tempo, de conveniência puramente mecânica e didática, marcadas por datas de importância política ou social. A esse extremado mominalismo corresponde, como acentua Wellek, o oposto sistema metafísico da Cysars e outros, que encaram os períodos como verdadeiras entidades metafísicas, superiores, anteriores e independentes em relação aos indivíduos que as representam. A noção de período, diz categoricamente Wellek, não pode ser abandona ao nominalismo ou ceticismo. O seu uso é necessário e os termos periodológicos têm uma função científica." Devemos concebê-los não como etiqueta lingüistica arbitrárias, nem como entidade metafísicas, mas como nomes que designam um sistema de normas que dominam a literatura num momento específico do processo histórico- Wellek".
A periodização, na literatura literária, como vimos e veremos no decorrer deste estudo, traduz as divisões políticas de diferentes concepções de literatura e da própria história literária.
Até mesmo em grupo literário com projeto ideológico bem definido, como foi o Naturalismo, traz nos principais portas- vozes diferentes visões das criações literária, do que é literatura, bastante, para exemplificar, os polemistas Sílvio Romero e José Veríssimo.
O que é literatura é uma indagação que persistiu no passado em diferentes correntes literárias. Continua sendo questionada no presente e certamente persistirá pelos séculos.
Marisa Lajolo, em seu O que è Literatura ( 1986 ) dedica cem páginas do pequeno livro para tentar responder a questão. Constata, de início, que " é uma pergunta que tem várias respostas. E não se trata de respostas que, paulatinamente, Vão se aproximando cada vez mais de uma grande, da verdade verdadeira. Não é nada disso. Não existe uma resposta correta, por que cada tempo, cada grupo social tem sua resposta, sua definição para literatura. Resposta e definições- vê-se logo- para uso interno.
Por essa exposição de Lajolo, fica clara a dificuldade de chegarmos a um conceito consensual de literatura. Pelo menos, até que os historiadores literários encontrem uma definição que transcendam os séculos. Da mesma forma, terá a historiografia literária de definir com mais precisão e propriedade o que é uma época literária, uma era literária, uma fase literária, uma idade literário, um ciclo literário e um momento literário.
A solução pode ser imediata e dizer-se que expressões são equivalentes, e se distinta semanticamente, os somatórios de seus matizes quer dizer tempo literário. Mas como explicar que muitos períodos são subdivididos em épocas e outros em fases e fases em épocas e épocas em fases?
Cremos que os " cortes" dos períodos literários devem receber nomes precisos de modo a compartibilizar, como tentar os historiadores, os grandes políticos e econômicos da sociedade como os períodos literários.
Assim, é fundamental que a historiografia literária defina os termos da periodização estritamente literária, de modo a evitar a polessemia ou a sinonímia desnecessárias.
Com esse fito, propomos abaixo, dentro de uma pretensão meramente didática, definições básicas de era, período, época, fase, momento, ciclo e idade, na perspectiva de serem conceituados por críticos e historiadores da literatura. De forma a ordená-los, outrossim, dentro de diferentes tendência e correntes literárias já documentadas pela historiografia literária brasileira. Ei- las dentro da "hierarquização periodológica".
Era- Termo de origem latina (aera) é, na literatura o período literário geralmente longo, que principia com fato estético marcante e que dá origem a um novo modelo e projeto ideológico- literário. A determinação de uma era não pode ser arbitrária deve ter por base a contagem dos anos que formam o ciclo evolutivo da literatura. No Naturalismo, o termo era tem o mesmo caráter geológico, que é uma divisão básica do tempo. É a divisão mais vasta da literatura. É o termo utilizado por Fidelino de Filgueiredo.
Período- È uma subdivisão de era. Vem do grego períodos, quer dizer circuito. Por essa acepção, período deve ser uma "linha que limita qualquer área fechada", ou seja, um espaço de tempo que limita a era. É , na literatura, o tempo transcorrido entre dois fatos literários mais ou menos marcantes. O período só pode receber delimitações cronológica se o movimento literário determinado por fato características específicas. O período não pode ser determinado quando as características forem gerais, o que ocorre, por exemplo, com os autores e obras de transição entre uma escola e outra. É termo utilizado fartamente pela crítica tradicional e esteticista, mas sempre com valor polissêmico ou circunscrito por sinônimos com época, fase e momento.
Época- Termo que vem do grego "epoché ". Embora sempre confundido com período, época é a faixa cronológica do período para qual se toma por base um movimento literário. Daí, nas subdivisões dos períodos literários ou históricos, os historiadores dele se utilizar. Uma época é um acontecimento caracterizado pelo social, histórico, cultural e literário. Enquanto o período pode ou não ser determinado cronologicamente, a época tem necessariamente uma seqüência cronológica de mudanças, sejam através de datas ou em nomenclaturas e designações coerentes com a terminologia do período do estudo. O termo é utilizado por Sílvio Romero para abrir os capítulos de sua História da Literatura Brasileira. Na geologia, como assimilou o naturalismo, é a subdivisão dos períodos cronológicos de características e duração decrescente. Como subdivisão do período, a época tem características definidas e sempre ligadas a um grupo, a um projeto estético- ideológico do movimento ou escola literária. Antes de se determinar o período, determine-se a época literária, que se sobressai pela predominância de um fato literário.
Fase- O termo vem do grego Phasi, é constantemente confundido com época ou período. Na verdade, é o que mais se aproxima do sentido de período, com a diferença que é menos abrangente. Seu sentido é transitório, efêmero. Mais estrito e menos lato do que época. É uma etapa ou estágio da evolução literária que abrange vários períodos. Ou seja, a fase de certa forma, " periodiza" o período , com objetivo de reconhecer-lhes as características definidas, acabadas, mas não chega a subdividir o período em época. A fase, portanto, é um corte circunstancial e meramente didático dos períodos, de a estabelecer etapas para que os mesmos sejam divididos em épocas. Quando se refere as criações literárias individuais, recebe o nome de ciclo.
Momento- è um espaço pequeníssimo de uma época literária. Tem um aspecto essencialmente sincrônico e não diacrônico com os demais termos da periodização literária. Em geral, é indeterminado de tempo, não possui faixa cronológica, tendo a data apenas como indicativo, referencial. O momento serve de certa forma para delimitar a fase do período.
Ciclo- Do grego kiklos e do latim cyclo, o ter denota a série de fenômenos que se sucedem numa ordem determinada, Talvez seja o termo mais bem utilizado na historiografia literária, sendo mais aplicada na história literária mais remota, especialmente quando se catalogava um conjunto de poemas em que se celebravam feitos de certo herói ou de certa época. Em geral, por seu caráter épico, ou ciclo se destina a se determinar o " "conjunto de obras de ficção de um autor que versam o mesmo assunto". No sentido mais genérico pode ser utilizado na literatura como indicador de repetição de situações culturais ou sociais reversíveis ou irreversíveis ligadas entre si.
Idade- Menos aplicada á literatura específica de uma nação, é um período histórico da civilização que apresenta determinadas características sociais e culturais.

AS SOLUÇÕES DE SILVIO ROMERO

A despeito de certa inconsistência de ordem terminológica, em História da Literatura Brasileira, Silvio Romero nos dá a idéia de que período literário corresponde a um ciclo evolutivo, representado por uma " extensa linha de curva, cheia de altos e baixos".
Como ciclo evolutivo, o período literário, para o crítico sergipano, é uma série de fatos literários que se sucedem numa ordem determinada e progressiva, tal qual um ciclo biológico no qual temos um ciclo como a " Seqüência de fenômenos que se renovam periodicamente."
Essa noção conceitual de período literário esbarra-se hoje na Periologia Estilística, que já propõe uma distinção entre período literário e estilo de época. Enquanto período e época, em dado contexto , podem, por força de sinonímia, ser palavras sinônimas, as expressões período literário e estilo de épocas só podem conceituadas em prisma diferentes.
A periodologia estilística, na busca de conceituar o período literário fora de critérios cronológicos geracionais ou escolásticos, fundamentos de periodologia tradicional, especialmente as dos historiadores literários naturalistas, toma expressão "estilo literário de época", ou, simplismente estilo de época.
Estilo de época para, para os esteticistas, passa a ser um período liter´rio que se fundamenta na conjugação intrínseca das categorias psicológicas da criação com as categorias estilísticas que a expressam.
A substituição de período literário por estilo de época também perspectiva, na periodologia esteticista, uma enquadração esquemática das fases e épocas literária de forma mais consentânea com natureza específica do fato literário.
Enquanto a periodologia vê no período literário uma função determinante do caso literário, a periodologia estilística vê no período literário uma função essencialmente funcional, sem rigor cronológico, sem confirnamento das Escolas Literárias, de modo que período literário é um sistema de normas literárias que expressam um estilo de época.
A periodização é uma questão problemática e sempre atual uma vez que a cada
nova pesquisa na área historiográfica se busca uma revisão dos velhos quadros da literatura brasileira. Período literário passou a ser, na periodologia estilística, um sistema vivo de interpenetrações de estilos de época. A idéia de interpenetração de estilos requer mais apreciação estética e menos “controle de vistas alheias” próprio da crítica naturalista.
Embora a concepção de período literário para os críticos naturalistas fosse a de um ciclo evolutivo, em Sílvio Romero, há maior profundidade nas periodização literária, não se limitando o crítico a uma ordenação biológica e evolucionista dos períodos literários. O crítico e historiador literário José Paulo Paes constata esse avanço na obra romeriana:
“(...) Silvio Romero não se contentou com ordenar cronologicamente autores e estimar-lhes os méritos em função de critérios retóricos ou de “bom gosto”. Foi além; procurou, dentro de uma orientação confessadamente nacionalista, firmar um conceito orgânico da literatura brasileira, que ele concebia como a expressão diferencial do “gênio, do caráter, do espírito” de nosso povo. Antecipando-se a Gilberto Freyre, Silvio Romero considerava tal caráter próprio como resultado daquele processo de “mestiçamento moral” por cujo intermédio logramos amalgar, numa cultura nacional, o contributo negro europeu e indígena. Essa, a linha mestra de seu pensamento no primeiro, e mais importante, volume de história no qual se propõe a estudar os “fatores da literatura brasileira”: o meio físico, a formação racional, as tradições populares, as instituições políticas e sociais e as influências estrangeiras. Fá-lo dentro dos esquemas deterministas de Taine e Buckle, mas sem obedecer-lhes ortodoxamente e superando-os inclusive na medida em que, com minimizar o determinismo geográfico ou racial, cuida de estabelecer – são suas próprias palavras “as relações de nossa vida intelectual com a história política, social e econômica da nação”.
Período literário, para Silvio Romero, não chegava a ser um sistema de interpenetração de estilos de épocas literárias, mas caminha na direção de relações, vinculações e comparações de fatos literários com a sociedade.
Um dos maiores críticos contemporâneos, Antônio Cândido, também opta por essa linha sociológica, ao contrário de Afrânio Coutinho, outro expoente da crítica brasileira, que é rigoroso em ver no período o sistema de estilos de época.
Seja encarando o período literário dentro da visão naturalista ou estilo de época na perspectiva dos esteticistas ortodoxos, há, em ambos, uma autonomia relativa, ou que os tornam interpenetrativos e interdependentes.
Está claro que é um equívoco da periodologia puramente estilística a tentativa de dissociar o período literário das relações sociais e históricas, uma vez que, como defende Antônio Cândido, a concepção de obra literária deve ser regida por uma autonomia relativa que considere as correlações entre autores, obras, teorias, quanto entre obras, sociedade, leitores, mundo, vida. Daí resulta algo que embora aceito por muitos, teoricamente, poucos conseguem desenvolver na prática, a capacidade de articular, dinamicamente, a forma literária com a estrutura social, com a história”.
Por mais que se critique a formação ou ideologia de Sílvio Romero, ou seja, por ser exposta da “Escola de Recife” e por isso, ser embebido positivismo, um sistema ideológico a serviço da “direita, não há como julgar, na obra romeriana, o método literário, que é o histórico, subordinado a um reducionismo, seja biográfico, sociológico, estético, formalista ou meramente histórico.
A proposta periodológica apresentada por Silvio Romero, decerto, possui um pouco de biografismo, historicismo e sociologismo, mas não a ponto de cair na dicotomia positivista ortodoxa que arrola, na literatura, fatos sociais de um lado e fatos literários de outro.
O que comprova a assertiva acima é que, passados mais de cem anos, História da Literatura Brasileira continua sendo ponto de referência para a historiografia barsielria e ocidental. Não há como discutir que, no Romantismo, por exemplo, haja, pelo menos subfases a serem estudadas em qualquer periodização literária, entre as que a crítica literária e especialistas de literatura são unânimes apontar o subjetivismo de Álvares Azevedo, o indianismo de Gonçalves Dias ou o condoreirismo de Castro Alves e seguidores.
Mudam os rótulos, mas a essência dessa classificação é irrefutável, porque são rigorosamente legitimas, porque são essencialmente literárias. Estes “ismos” estão na obra romeriana.
O mais curioso é que períodos literários, para muitos críticos, passou a ser uma expressão pejorativa e que traduz uma certa ligação com a crítica tradicional. O que está na voga é se estabelecer “estilos de época”, mal sabendo, boa parte, as suas diferenças de sentido ou de avaliação literária. Claro que a inconsistência periodológica, por muito tempo, vai ser o grande “vilão” da crítica periodológica, sob o argumento de que enquanto, na história literária não se delimitar o objeto de periodização, não se chegará a um consenso.
O Mais impressionante é que a crítica literária ainda não teve alternativa para encarar a questão periodológica com o rigor científico que ela merece. O assunto nunca deixa de ser abordado em cada livro que trate de história literária brasileira e há até quem ofereça, no apêndice da obra, um “vocabulário crítico” para evitar interpretações livres do sentido de período e outros no estudo enfocado.
O crítico Antônio Cândido, que é um aliado confesso da periodologia sociológica de Sílvio Romero, mas com as devidas proporções e restrições ideológicas, levanta a questão no seu Formação de Literatura Brasileira (1975). Mas como a evasiva peculiar à crítica brasileira.
“Embora reconheça a importância da noção de período, utilizei-a aqui incidentemente e atendendo à evidência estética e histórica, sem preocupar-me com distinções rigorosas. Isso, porque o intuito foi sugerir tanto quanto possível, a idéia de movimento, passagem, comunicação, - entre fases, grupos e obras; sugerir uma certa labilidade que permitisse ao leitor sentir, por exemplo, que a separação evidente, do ponto de vista estético, entre as fases neoclássica e romântica, é contrabalançada, do ponto de vista histórico, pela sua unidade profunda. À diferença entre estas fases, procuro somar a idéia de sua continuidade, no sentido da tomada de consciência literária e tentativa de construir uma literatura.
Do mesmo modo, embora os escritores se disponham quase naturalmente por gerações, não interessou aqui utilizar esse conceito com rigor nem exclusividade. Apesar de facundo, pode facilmente levar a uma visão mecânica, impondo cortes transversais numa realidade que se quer apreender em sentido sobretudo longitudinal. Por isso, sobrepus ao conceito de geração e de tema, procurando apontar não apenas a sua ocorrência, num dado momento, mas a sua tomada pelas gerações sucessivas, através do tempo”.
Mais adiante, o autor de Formação de Literatura Brasileira mostra que o sentido de período repercute de forma evidente no “problema das influências” ou seja, as relações e interrelações de escritores e obras no tempo literário:
“Isso conduz ao problema das influências que vinculam os escritores uma aos outros, contribuindo para formar a continuidade no tempo e definir a fisionomia própria de cada momento. Embora a tenha utilizado largamente e sem dogmatismo, como técnica auxiliar, é preciso reconhecer que talvez seja o instrumento mais delicado, falível e perigoso de toda a crítica, pela dificuldade em distinguir coincidência, influência e plágio, bem como a impossibilidade de averiguar a parte da deliberação e do insconsciente. Além disso, nunca se sabe se as influências apontadas são significativas ou principais, pois há sempre as que não se manifestam visivelmente sem contar as possíveis fontes ignoradas (autores desconhecidos, sugestões fugazes), que por vezes sobrelevam as mais evidentes.
Ainda mais sério é o caso da influência poder assumir sentidos variáveis, requerendo tratamento igualmente diverso. Pode, por exemplo, aparecer como transposição direta mal assimilada, permanecendo na obra ao modo de um corpo estranho de interesse crítico secundário. Pode, doutro lado, ser de tal caráter de empréstimo, toma-la então, como influência, importa em prejuízo do seu caráter atual, e mais verdadeiro, de elemento próprio de um conjunto orgânico”.
Como ficou claro acima, a distinção, por mais básica e elementar entre período literário e estilo de época revela uma série de questionamentos e de abordagens nas relações de fases, grupos e obras literárias. Afrânio Coutinho, no seu Literatura no Brasil, procura saídas para o impasse estabelecendo que “período é um sistema de normas literárias expressas num estilo”, enquanto que “os estilos são a força dinâmica dos períodos”.
O conceito periodológico em Afrânio Coutinho está dentro de uma perspectiva estilística, e como tal, vai prevalecer sua preferência por estilo ao invés de período na sistematização da literatura brasileira.
“(...) Os conceitos de estilo, na análise de obras de arte, prestam-se como critério crítico muito mais exato, tanto no estudo das obras-primas, como das obras menores. E, como força dinâmica dos períodos literários, há necessidade de relevar-lhe “ a essência, que é, em sentido maior, a penetração da própria natureza da época”.
































4 – A PERIODIZAÇÃO CRÍTICA DE SÍLVIO ROMERO

Fórmulas empíricas para solucionar problemas da periodologia literária foram sempre à saída encontrada pelos historiadores brasileiros.
Influenciados pela “obsessão histórica” dos portugueses, os brasileiros que se dedicaram à historiografia literária pouco avançaram nos critérios de divisões dos períodos literários.
Muitos críticos e historiadores literários, no Brasil, apelaram para divisões meramente experimentais e cronológicas ou, quando muito, no naturalismo não foram além do que propunha a sociologia, o cientificismo e o historicismo.
Os precursores da história literária brasileira cedo despertaram à crítica para essa questão. Mas, chegamos ao final do século XIX bastante defasados com relação a periodologia e, o mais grave, sem um estudo que pudesse, realmente subsidiar os historiadores do presente século.
No primeiro volume de História da Literatura Brasileira, exatamente na abertura do capitulo que trata dos “Fatores da Literatura Brasileira”, o crítico Sílvio Romero constata a fragilidade brasileira no que toca à historiografia literária da época.
“As pátrias letras, entre outras lacunas, mostram bem claramente a grande falha causada pela ausência de trabalhos históricos. Se não existe uma história universal escrita por um brasileiro, se a nossa história política, social e econômica tem sido apenas esboçada e foi mister que estrangeiros no-la ensinassem a escrever, no terreno da literatura propriamente dita e pobreza nacional ostenta-se ainda maior.
Autor: Vicente Martins


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