Por Um Louvor Consciente



Mas o que significa louvar? Sem entrar em detalhes de caráter semântico, tenho percebido que o louvor é muito mais complexo e extrapola o simples ato de abrir a boca e cantar. Baseado nessa minha teseproponho uma reflexão sobre um texto que eu considero um clássico no que diz respeito ao Louvor. O texto de Atos 16: 16-40 pode nos ajudar a compreender como o louvor não é apenas uma questão de cantar, mas é na verdade, inerente há uma realidade de vida que às vezes nos impulsiona a murmurar ao invés de louvar.

No texto acima, Paulo, o apóstolo e seu companheiro Silas, em meio a uma viagem missionária, estavam na cidade de Filipos, uma colônia romana situada na Macedônia, região que geograficamente se localiza ao norte da Grécia. Nesse momento da História, o Império Romano dominava todas as regiões que circundavam o Mar Mediterrâneo, tanto politicamente quanto em nível cultural. Entretanto, no que diz respeito a religiosidade das colônias romanas, havia uma certa liberdade de culto, desde que tais seitas como assim eram chamadas, não interferissem na dinâmica do supremo Imperador, considerado um deus. Bem, é nesse contexto em que se inserem, Paulo, Silas e o Cristianismo, visto pelo império romano como uma seita do Judaísmo.

Em decorrência de um confronto entre Paulo e uma mulher com espírito de adivinhação em que o apóstolo ao expulsar o demônio que a escravizava, provocou um problema de ordem não apenas religiosa, mas que se estendeu ao terreno da questão econômica, pois a mulher adivinhava e cobrava por suas consultas; entretanto o dinheiro era repassado para seus agenciadores. Em decorrência disso, os patrões da adivinhadora se viram em prejuízo. Paulo e Silas são levados perante as autoridades e julgados, são condenados ao cárcere e como se não bastasse, levaram uma grande surra e tiveram de se sujeitar a permanecer àquela noite, acorrentados. O texto diz nos versículos 25 e 26: "Por volta da meia-noite, Paulo e Silas, em oração, cantavam os louvores de Deus, e os outros presos os escutavam. De repente houve um tremor de terra tão violento que abalou os alicerces do edifício. Todas as portas se abriram no mesmo instante e os grilhões de todos os prisioneiros arrebentaram." Isso é maravilhoso. Pois se pensarmos a fundo, o motivo que os levou a serem chicoteados e aprisionados, do ponto de vista romano, seria pelo prejuízo causado aos aliciadores daquela mulher, ou seja, quando Paulo e Silas interferem na sociedade, mesmo que seja fora do contexto judaico, como alegam os patrões da mulher, conforme o versículo 20: "Esses homens lançam a perturbação em nossa cidade: são judeus e pregam norma de comportamento que não é permitido a nós, romanos, nem admitir nem seguir". È claro que o sistema escravista era uma realidade naquela época, mas Paulo e Silas, quando expulsam o demônio da mulher, estão indiretamente interferindo nas relações sociais vigentes e que além de escrava era uma mulher, o que agrava a sentença, justamente em uma sociedade em que a mulher não tinha algum valor.

Com isto, quero então discutir algumas coisas: primeiro, o que vemos no texto supracitado de que à meia-noite os missionários cantavam, está intimamente ligado a sua vida como um todo, pois o louvor ou a atitude de abrir os lábios em oração em louvor em conformidade com a postura na promoção de libertação pela qual se demonstrou quando Paulo e Silas oraram pela mulher. Não podemos ver coisas separadas. Era inerente a forma e o conteúdo, a ética e a estética. Paulo e Silas tinham as ferramentas, as pernas e o balde, só faltava chutá-lo como se diz na gíria e que na realidade qualquer um de nós faria e nem precisaríamos ser açoitados, é só algo não sair como planejamos e já estamos murmurando. Ou será que Paulo e Silas acordaram naquela manhã e um disse para o outro: "acho que o dia está bom para sermos chicoteados e acorrentados..." é claro que não, mas se isso acontecesse e aconteceu, a atitude de ambos foi de dar continuidade ao processo libertador começado, em primeiro lugar nas suas vidas e depois pela dos outros com quem iam "topando" em suas viagens, que diga-se de passagem, não era um cruzeiro pelo mar Mediterrâneo, mas com a finalidade de anunciar a salvação por meio de Cristo Jesus.

Outra questão é sobre o louvor consciente como proponho no título. Com isto quero chamar a atenção para o caráter reflexivo do louvor e não o efêmero, o passageiro. Refletir significa também analisar. Para Paulo e Silas, a prisão proporcionava isto, mas devemos cuidar para ao tentar espiritualizarmos demais as coisas, e romantizá-las esquecermos do que realmente possa ter acontecido, afinal, ambos estavam com as costas cortadas, sem nenhum tipo de curativo, sem um colchão macio, mais provavelmente uma sela úmida, fedida, com insetos, em um total desconforto. Muito diferente de nós que vamos ao culto para louvar, sentamos numa cadeira confortável, ás vezes temos ar condicionado, podemos ler no telão as músicas, se quisermos cantamos, se quisermos só fingimos hipocritamente, temos equipamentos de última geração e outras comodidades iguais a de Paulo e Silas, não é?

Eis a questão, tempo para reflexão também temos, Paulo e Silas decidiram que cantar era algo que acontecia como extensão das suas práticas cotidianas; E isso independente das condições serem favoráveis ou ideiais (e estas muitas vezes temos) provocou libertação, pois as cadeias de outros presos (VS. 26) que não tinham diretamente nada haver com a prisão dos cristãos, se romperam. Mas onde estavam os instrumentos? O louvor Hi-tech de Paulo e Silas?

Para encerrar volto á questão das antíteses entre a forma e o conteúdo, o ético e o estético, ou seja, não sou contra alta tecnologia, pelo contrário, acho um absurdo, com as facilidades que temos, relegar ao louvor o resto, penso que o louvor deve ter os melhores equipamentos assim como as pessoas mais habilitadas seja tecnicamente quanto no que diz respeito a espiritualidade(posso discutir isto com mais propriedade em outro artigo), mas quero dizer que um louvor que liberta vai além das aparências e é resultado de uma atitude que está inerente ao viver daquele que louva, ou seja, não apenas confinada ao Ministério de Louvor, mas estendida a todos os cristãos. O problema do ético e do estético também diz respeito ao que já foi falado, porém, com o agravante de que o louvor, antes de ser um momento de trinta minutos ou uma hora, parte da liturgia, com algumas pessoas cantando, deve ser comprometido comquestão social. Vivemos em sociedade e muitos desconhecem o caráter de Cristo, muitos já ouviram que Jesus salva, mas estão carentes de ver indivíduos e grupos que vivam de forma coerente com esse Jesus que dizemos que salva. Eis a função ética do louvor. Paulo e Silas foram parar na prisão não porque estavam cantando em praça pública, mas porque efetivamente interferiram em uma prática de injustiça, isso os levou ao cárcere e lá cantaram.

Peço a Deus que possamos, a começar por mim a rever nossas práticas a fim de que o louvor seja libertador e não haja empecilhos para a ação de Deus e antes de abrirmos nossas bocas para cantar, nosso louvor seja fruto de um processo de reflexão, sobretudo, consciente.


Autor: David Camilo


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