MS1480: detalhes de uma portaria desumana e intolerável



Não é novidade nenhuma que a postura histórica do Estado brasileiro em relação aos Direitos dos Animais é de ignorância, segregação e apoio à exploração. Tivemos até uma demonstração dessa infâmia recentemente com a aprovação da Lei Arouca na Câmara e a precedente virada total de costas para os defensores libertários dos animais por parte de todos os deputados – com a contraparte do apoio largo ao lado dos cientistas que clamavam pela regulamentação da exploração científica de animais. Não indo muito longe desse assunto, diversas portarias e resoluções, dos mais diferentes órgãos emissores, disponíveis no arquivo virtual de legislação da Anvisa, não só autorizam como freqüentemente normatizam, e até obrigam, testes visivelmente cruéis em animais. Abordo aqui particularmente o caso da portaria MS1480, de 31 de dezembro de 1990, que, além de isentar absorventes higiênicos (abrangendo absorventes femininos íntimos ou de leite materno e fraldas descartáveis) de registro em órgão sanitário, descreve testes medonhos dados como obrigatórios para os mesmos produtos. É algo que faz todo aquele que toma consciência sentir nojo e vergonha de não poder usar produtos não-testados por estes não serem permitidos no Brasil.

O Anexo 3 do Regulamento Técnico de controle desses produtos presente nessa portaria fornece com uma macabra riqueza de detalhes os passos de como fazer cinco testes, dos quais três infligem ferimentos – muitas vezes graves – em animais e dois são dependentes de tecidos celulares obtidos de bichos, deduza-se, confinados em biotérios. Os primeiros abrangem irritação cutânea primária, irritação cutânea cumulativa e sensibilização (também na pele). Os dois últimos são citotoxicidade e avaliação microbiológica. Ao ler a norma, será facilmente percebido que não é dada nenhuma abertura para alternativas de testes livres de exploração e sequer é citada a injeção de anestesia nos animais feridos pelos experimentos.

Abaixo, a análise dos pontos mais tocantes desse regulamento. Os parágrafos sem relevância suficiente para a problemática que abordo foram omitidos, mas não a ponto de haver omissão de contexto ou risco de descontinuidade na expressão dos detalhes relevantes da norma.

Só digo uma coisa previamente: é tudo muito terrível.

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1. Anexo 1:

“Requisitos de Qualidade

As matérias-primas presentes na composição desses produtos deverão ser de natureza atóxica, para confirmação da qual serão submetidas, obrigatoriamente, aos seguintes ensaios pré-clínicos: irritação cutânea primária e sensibilização. Esses ensaios serão efetuados para cada tipo de matéria-prima empregada na confecção desses produtos, e deverão ser repetidos toda vez que for(em) mudada(s) a(s) matéria(s)-prima(s) especificada(s) no processo de fabricação;
Os produtos acabados deverão ser submetidos aos seguintes ensaios pré-clínicos: irritação cutânea primária, irritação cutânea cumulativa e sensibilização. Esses ensaios deverão ser repetidos toda vez que for alterado o respectivo processo de fabricação.“

Esta parte explicita que tanto as matérias primas como os produtos prontos devem ser testados com os procedimentos tais, sem possibilidade de outros tipos de testes que tenham a mesma eficácia em aferir riscos de alergia de pele ou contaminação.


“Controle de Fabricação

Em todos os casos, serão empregados métodos de ensaios de reconhecida validade, descritos no Anexo 3, deste Regulamento.”

É a parte crucial da obrigatoriedade do absurdo nessa portaria. Ela especifica que devem ser executados os testes especificados no Anexo 3. Somente eles. Não há flexibilização permitindo métodos alternativos.

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2. Anexo 2:

As seções de Requisitos de Qualidade e Controle de Fabricação são similares às do anexo anterior, com informações idem para os produtos, com a exceção relevante de que o teste de citotoxicidade é requerido para matérias-primas.

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3. Anexo 3:

Essa é a parte de que todo brasileiro consciente precisa e deve tomar conhecimento. Nota-se nela a obrigatoriedade de se explorar e ferir animais para se aferir a qualidade e a inocuidade alérgica ou infecciosa dos produtos.


“[1.2.3] ANIMAIS”

Começa aqui o problema. Animais SÃO OBRIGATÓRIOS para os testes. O uso de procedimentos alternativos faz a empresa correr o risco de estar desobedecendo uma determinação governamental e sofrer sanções.


“Seis (6) coelhos albinos, machos ou fêmeas, e de peso corpóreo de 2 Kg a 3 Kg.
Os animais devem ser mantidos em gaiolas individuais, durante todo o período do ensaio, em sala de temperatura constante (22ºC ± 3ºC) e de umidade relativa entre 30% e 70%. “

As vítimas são coelhos e devem permanecer aprisionadas em gaiolas individuais, alheias a todos os direitos naturais ou atribuídos na relação humano/não-humano que mereceriam, como liberdade, dignidade e participação nos ciclos vitais da Natureza. E o pior, sofrerão de tal modo que a morte lhes parecerá uma promessa confortante.


“1.2.4 SELEÇÃO DOS ANIMAIS

O animal que apresentar reação positiva, em ensaio anterior de irritação cutânea, não deverá ser utilizado para um novo ensaio de irritação cutânea (vide critério para reação positiva, item 1.2.10.2).”

Entenda-se como “reação positiva” feridas infligidas em testes anteriores. Esses ferimentos vêm, como é visto mais adiante, em forma de edema (bolha com acúmulo de líquido por reação irritativa) ou eritema (vermelhidão que pode ser branda ou intensa).


“O animal que tenha apresentado reação negativa, em ensaio anterior de irritação cutânea, só poderá ser utilizado para um novo ensaio de irritação cutânea uma semana após o final do ensaio anterior (ver item 1.2.10.2, para a validade desta reutilização).“

Como “reação negativa”, entenda-se a ausência de ferimentos.


“Após a tricotomização dos animais, observar se a pele dos mesmos se encontra íntegra, isto é, sem nenhuma lesão. Rejeitar os portadores de problemas na pele.“

Tricotomizar é tosar uma determinada área dos pêlos do animal de modo a deixá-la “pelada” ou “raspada”.


“1.2.5 PREPARO DOS ANIMAIS

Tricotomizar cuidadosamente cada animal em 4 (quatro) áreas dorsais (duas superiores e duas inferiores), de 250 mm² cada uma, 6 h a 24 h antes do início do ensaio.“

As costas do coelho serão tosadas em quatro pequenos retângulos, em áreas que posso supor como 1,25x2cm.


“Fazer 2 (duas) ranhuras paralelas, com agulha de injeção esterilizada, evitando-se sangramento, nas áreas tricotomizadas, superior e inferior, do lado direito do animal (áreas 2 e 4 da Figura 1).”

Ranhura = arranhão. O “Dr. Victor Frankenstein” da ocasião irá arranhar o bichinho, um arranhão com certa profundidade, com o único cuidado de não causar sangramento. E o pior: sem anestesia.


“1.2.7 APLICAÇÃO DO PRODUTO

Segurar o animal delicadamente, até que se acalme.”

Não, você não tomou a imagem mental errada. A passagem nos induz a entender que o coelho está nervoso, frenético, desesperado, a ponto de o “Dr. Frankenstein” ter que segurá-lo para que se estabilize sua agitação.


“Aplicar o produto, através de massagens leves, sobre as 2 (duas) áreas tricotomizadas superiores, enquanto que as 2 (duas) áreas inferiores servirão como controle.”

A matéria-prima ou fragmento do produto acabado será inserida diretamente na pele já injuriada e fendida do coelho, pressionada por uma massagem leve, supostamente com os dedos do “Dr. Frankenstein”.


“1.2.8 COLOCAÇÃO DO PATCH OCLUSIVO

Após aplicação do produto, cobrir cada uma das 4 (quatro) áreas tricotomizadas com gaze estéril de 250 mm2, a qual deve se fixada, aos pêlos do animal, com esparadrapo.
Todas as áreas tricotomizadas devem ser conjuntamente cobertas com gaze estéril, a qual deve ser passada em torno do animal e fixada com fita adesiva hipo-alergênica.“

A matéria em teste, cujo efeito danoso na pele do bicho até tal ponto ainda não é conhecido, ficará lá presa por uma gaze fixada com esparadrapos. O bicho poderá ou não começar a sentir um ardor em sua pele dentro de algumas horas.


“1.2.9 LEITURA DAS REAÇÕES CUTÂNEAS

As reações cutâneas devem ser analisadas 24 h e 72 h após a aplicação do produto.
Retirar o patch oclusivo 24 h após a aplicação do produto, e efetuar a leitura.”

Por até 72 horas, caso haja a reação de ferimento, o bicho sentirá, em ardor incessante e possivelmente lancinante, como se parte dele estivesse queimando num inferno. Ou melhor, está sim. Queimando neste inferno de diabos humanos.


“A avaliação de edema deve ser procedida mediante mensuração através de paquímetro, e o cálculo do valor do edema é feito através da fórmula:
Lat/2 – Lac/2 = Edmm
Onde:
Lat = Leitura da área-teste (íntegra e com ranhura)
Lac = Leitura da área-controle (íntegra e com ranhura)
Edmm = Valor do Edema em milímetros”

Isso, o resultado esperado pelo “Dr. Victor Frankenstein” é que o bicho crie bolha(s) na pele.


“Obs.: LEITURA DAS REAÇÕES CUTÂNEAS QUE ALTERA A COR DA PELE

No caso de produtos corantes que alteram a cor da pele, dificultando a visualização, e eritema, a avaliação é feita da seguinte forma:
Na leitura de 24 h, é feita a biópsia das áreas-teste, em 3 (três) animais. O mesmo procedimento será realizado nos 3 (três) animais restantes, na leitura de 72 h.
É efetuado o exame macro e microscópio das biópsias (Métado de Coloração HE e Van Gienson).
A graduação microscópica das reações cutâneas encontra-se descrita na Tabela II.”

Aqui fala da vermelhidão (eritema) que poderá ser causada na pele. A análise do dano causado será feita nos seis bichos feridos.


“Tabela I
GRADUAÇÃO DAS REAÇÕES CUTÂNEAS”

É como a pele vai ficar. De normal a seriamente ferida. Os detalhes estão abaixo e são de desesperar.


“FORMAÇÃO DE ERITEMA
Grau 0 - Pele normal:
Geralmente, de cor branca, podendo apresentar-se rósea.
Grau 1 - Eritema leve:
A pele apresentar-se levemente avermelhada, em toda a área-teste.
Grau 2 - Eritema moderado:
A pele apresenta-se vermelha, geralmente em toda a área-teste.
Grau 3 - Eritema definido:
A pele apresenta-se com vermelhidão intensa e difusa, em toda a área-teste.
Grau 4 - Eritema severo:
A pele apresenta-se vermelho-escura, com leve formação de escaras (injúrias em profundidade).”

A pele do bicho, nos graus mais severos, está muito irritada, e com escaras! É de se perguntar já agora: que critério ético foi concebido na criação dessa portaria infernal?


“FORMAÇÃO DE EDEMA
Grau 0 - Nenhum edema:
O valor do edema (Edmm) é igual a 0 (zero).
Grau 1 - Edema leve:
O valor do edema (Edmm) deve estar compreendido entre 0,25 mm e 0,49 mm.
Grau 2 - Edema moderado:
O valor do edema (Edmm) deve estar compreendido entre 0,5 mm e 0,74 mm.
Grau 3 - Edema definido:
O valor do edema (Edmm) deve estar compreendido entre 0,75 mm e 1 mm.
Grau 4 - Edema severo:
O valor do edema (Edmm) é maior do que 1 mm, podendo às vezes ser maior do que a área de exposição.”

Essa é a medida do tamanho da bolha infligida pelo fragmento do produto ou matéria-prima na careca aberta na pele do animal explorado.


“Tabela II
GRADUAÇÃO MICROSCÓPICA DAS ALTERAÇÕES CUTÂNEAS DETERMINADAS POR PRODUTOS QUE ALTERAM A COR DA PELE”

É a visualização microscópica das injúrias causadas nos coelhos, como descritas abaixo.


“CONGESTÃO
Grau 0 - Normal:
Os vasos do tecido cutâneo apresentam-se normais.
Grau 1 - Discreta:
Os vasos mostram-se ligeiramente túrgidos em decorrência do aumento do afluxo sangüíneo.
Grau 2 - Intensa:
Há excessivo afluxo de sangue nos vasos.”

Esse afluxo de sangue é o que define a severidade da vermelhidão na pele do bicho.


“INFLAMAÇÃO
Grau 0 - Normal:
Não se percebe infiltrado inflamatório nos diversos planos do tecido cutâneo.
Grau 1 - Discreto:
O infiltrado inflamatório é caracterizado por um pequeno número de células inflamatórias dispersas (polimorfonucleares e/ou mononucleares), podendo estas serem observadas ou não nos diferentes planos do tecido cutâneo.
Grau 2 - Moderado:
Infiltrado inflamatório expressivo (polimorfonucleares e/ou mononucleares), o qual poderá ou não ser observado nos vários planos do tecido cutâneo.
Grau 3 - Intensa:
Neste caso, o número de células inflamatórias é de tal grandeza que, às vezes, prejudica a visualização da estrutura da pele.”

Chama muito nossa atenção o grau 3, em que se assume que a ferida pode estar tão grave que a estrutura da pele fica totalmente comprometida.


“EDEMA
Grau 0 - Ausência:
Não há presença de líquido nos espaços intersticiais.
Grau 1 - Presença:
Há acúmulo de líquido nos espaços intersticiais.”

É aqui que se responde a pergunta: o produto em teste criou bolha ou não no bichinho?


“1.2.10 RESULTADOS

1.2.10.1 CÁLCULO DO ÍNDICE DE IRRITAÇÃO CUTÂNEA PRIMÁRIA”

Daqui não são todas as linhas que nos interessam, visto que boa parte delas apenas repete o teor daquilo que a esta altura já deu em mim e em você uma indignação fervente. Vou mostrar abaixo os trechos que chamam mais ainda a atenção, aumentam mais o mau caráter da portaria.


“Cálculo do índice de irritação cutânea primária, para produtos que alteram a cor da pele

Obter a média aritmética das seguintes observações:
Congestão na pele íntegra e pele com ranhura dos 3 (três) animais 24 h
Inflamação na pele íntegra e pele com ranhura dos 3 (três) animais 24 h
Edema na pele íntegra e pele com ranhura dos 3 (três) animais 24 h
Congestão na pele íntegra e pele com ranhura dos 3 (três) animais 72 h
Inflamação na pele íntegra e pele com ranhura dos 3 (três) animais 72 h
Edema na pele íntegra e pele com ranhura dos 3 (três) animais 72 h

Obter o somatório dessas 6 (seis) médias aritméticas e dividi-lo por 3 (três). O valor encontrado é o ÍNDICE DE IRRITAÇÃO CUTÂNEA PRIMÁRIA do produto.”

Um trecho que demonstra quanta frieza o “Dr. Frankenstein” vê as feridas que ele causou nesse teste. Uma lista cheia de feridas que arrepiam nossa pele e causa náusea nas pessoas mais sensíveis é encerrada por um cálculo. Agressões óbvias contra animais são reduzidas no final de tudo a um mero índice matemático.


“1.2.10.2 CLASSIFICAÇÃO DE IRRITANTE CUTÂNEO PRIMÁRIO”

Essa parte não preciso expor aqui na íntegra, mas vale mostrar abaixo um pouquinho do conteúdo comum às duas tabelas que constam nela.


“CLASSIFICAÇÃO
Não irritante
Ligeralmente irritante
Moderadamente irritante
Severamente irritante”

Fixe os olhos na última expressão e leia: SEVERAMENTE IRRITANTE. Quer dizer que o teste causou uma irritação severa na pele do animal. Uma ferida muito séria. Imagine a dor insuportável que ele sofreu nesse caso, uma vez que não se fala em anestesia nessa portaria. E tudo dentro de uma gaiolinha miserável de biotério.


“Critério de animal positivo:
O animal será considerado positivo quando apresentar um ou mais das reações positivas, citadas a seguir, em qualquer período do ensaio.”

Um animal que sofreu horrores com ferimentos causados por um insensível “Dr. Frankenstein” é chamado por ele friamente de... “animal positivo”!


“1.2.10.4 DURAÇÃO DO ENSAIO

5 DIAS”

Já imagino a chamada desse filme de terror: “5 Dias No Inferno. Baseado em fatos reais. Em exibição na prateleira de supermercado mais próxima de você.”

***

“2. IRRITAÇÃO CUTÂNEA CUMULATIVA

OBJETIVO

O presente método visa à avaliação do potencial de irritação cutânea, após a administração repetida de substâncias a ser ensaiadas.”

É pior ainda do que o teste de irritação primária, pois a inflição de ferimentos e sofrimento é mais persistente ainda.


“2.2.7 APLICAÇÃO DO PRODUTO

(...)
A aplicação do produto deverá ser feita durante 10 (dez) dias consecutivos. Durante esse período, raspagem e escarificação das áreas tricotomizadas devem ser alteradas.“

Em vez de cinco dias, agora são dez dias de “inferno flamejante” para os coelhos. E houve frieza tamanha de modo que foi deixado explícito um termo como “escarificação”, que é a indução à aparição das já faladas e tão tenebrosas escaras cutâneas.

***

“3. ENSAIO DE SENSIBILIZAÇÃO”

Como diz o nome, é para se aferir a causação de sensibilidade na pele.


“3.3 ANIMAIS

20 cobaios albinos (10 fêmeas e 10 machos), com peso de 30g e 400 g, no início do ensaio.”

Os “cobaios” da ocasião são porquinhos-da-índia, se considerarmos a definição no Dicionário Aurélio para “cobaias”.


“3.4.1 FASE DE INDUÇÃO

3.4.1.1 Preparar a solução e injetar no grupo-ensaio e no grupo-controle:
0,1 ml de adjuvante completo de Freund (FCA)
0,1 ml de solução fisiológica estéril
3.4.1.2 Tritocomizar um área de 900 mm2, na região dorsal dos cobaios do grupo-ensaio e do grupo-controle.“

As cobaias terão raspada em suas costas uma forma retangular que suponho ser de 4,5x2cm.


“3.4.1.3 Aplicar, topicamente, a matéria-prima embebida em solução fisiológica estéril, usando patch oclusivo, e duas injeções intradérmicas de adjuvante completo de Freund, para o grupo-ensaio (10 animais). Realizar, para o grupo-controle, o mesmo procedimento anterior, porém, em lugar de aplicar a matéria-prima embebida em solução fisiológica estéril, aplicar, em 10 animais, gaze embebida em solução fisiológica estéril.
Na segunda-feira de cada semana, tricotomizar a região a tratar. Nos dias 1º e 10º, os animais recebem uma injeção intradérmica de adjuvante completo de Freund, diluído a 50%, em solução fisiológica estéril. Os dois locais de injeção devem estar o mais perto possível do centro da área tricotomizada. A substância de ensaio é aplicada 3 vezes por semana, com 2 dias de intervalo, durante 3 (três) semanas, e uma vez no começo da 4ª (quarta) semana. A amostra deve ser aplicada sobre o local da injeção.
Retirar o patch a cada 48 h.”

Alerto logo: adjuvante completo de Freund é uma solução de antígenos com micobactérias inativadas embebidas em óleo mineral com a função de excitar o sistema imunológico do local em que foi injetada, e injeções intradérmicas desse composto, como as requisitadas neste ponto, podem causar reações dolorosas no local afetado pela injeção, com possibilidades de causar úlcera e até necrose local da pele em animais. Os próprios mestres de vivissecção têm um pé atrás em sua utilização: há informações que desaconselham o uso desse composto no site http://research.uiowa.edu/animal/?get=adjuvant (página do setor de experimentação animal da Universidade de Iowa).


“3.4.1.4 SUSPENSÃO DO TRATAMENTO

Suspender o tratamento, a partir do 24º dia e até o 35º dia, inclusive. Esse é o tempo necessário para que o organismo produza a resposta imunológica.”

Essa suspensão de tratamento é na verdade a suspensão do pressionamento do produto nas costas “carecas” do porquinho-da-índia. Uma vez que, repito novamente, não se fala de anestesias por aqui, ele deverá sofrer dores ou ardores por dez dias até que...


“3.4.2 FASE DESAFIO

Tricotomizar, no 36º dia, a região abdominal (flanco esquerdo). Colocar um patch oclusivo, do material a ensaiar, por 48 h e remover no 38º dia.”

...agora o seu abdome seja incitado a ferir-se.


“3.5 AVALIAÇÃO

Realizar as leituras no local de desafio, em 1 h, 6 h, 24 h e 48 h depois de removido o patch oclusivo. Proceder à avaliação de acordo com a escala descrita no ensaio de irritação cutânea primária (Tabela I e II).
Realizar exame histológico da pele, quando houver lesão macroscópica ou quando a reação for duvidosa.”

Aqui é admitido que o porquinho-da-índia poderá sofrer uma lesão visível a olho nu na área agredida da pele.

***

“4. ENSAIO DE CITOTOXICIDADE (in vitro)”

A parte mais tenebrosa e desgraçada da portaria já passou, mas a exploração animal não, por causa desse ingrediente que consta na parte 4.1 (Aparelhagem e reagentes):

“Células ATCC, CCL 1, NCTC, Clone 929 de fibroblastos de camundongos ou outra linhagem sensível ao ensaio.”

***

“5. AVALIAÇÃO MICROBIOLÓGICA“

O mesmo que a parte 4 acima pode ser dito desta, pela presença desses ingredientes:

“Caldo tioglicolato 135 C ou Meio Cooked Meat, fervido por 10 min antes de sua utilização e esfriado imediatamente ou caldo de infusão de cérebro e coração pré-reduzido (BHI)” [5.4 Meio de culturas e soluções]

“Plasma liofilizado de coelho com EDTA, para prova de coagulase” [5.5 Reagentes]

O primeiro tem um requinte típico de filmes de terror trash de esquartejamento.

***

Reconheço que nem eu mesmo esperava ver tamanha desgraça na tal portaria MS1480. Repito a pergunta feita em alguma parte desta abordagem: que preceitos éticos foram utilizados para a sua criação? O que deu aos “Doutores Frankensteins” que a conceberam tanta frieza, insensibilidade e crueldade mais o “direito” de reservar uma vida tão infernal, indigna e dolorosa para os coelhos e porquinhos-da-índia explorados nesses testes? Comprovamos na leitura integral dessa norma que os “especialistas” que a criaram não tinham coração nem dignidade.

Chego num ponto muito perturbador aos veganos: uma vez que existe essa portaria obrigando testes tão cruéis para determinados produtos, as empresas que os produzem, sob pena de sanções vindas dos órgãos estatais (mais provavelmente Ministério da Saúde e Anvisa), simplesmente não podem escapar dessa sina trágica e estão simplesmente impedidos de ir atrás de procedimentos alternativos aos testes citados pela norma. Visto isso, nenhum boicote terá chance de dar certo se não visar também o Ministério da Saúde.

Percebido esse detalhe infeliz de ineficácia de boicotes perante uma obrigação vinda do Estado, o que nós defensores dos animais e pessoas intolerantes às crueldades da exploração animal podemos fazer neste momento é levantar nossos punhos não contra as empresas que não têm para onde correr, mas contra essa postura ignorante e anacronicamente cruel do Governo Federal em relação aos testes de produtos industrializados em animais. Uma vez cientes de tudo aquilo que a MS1480 diabolicamente proporciona a milhares de bichos todos os anos, devemos unir nossas forças como nunca para que ela seja tão logo revogada e substituída por uma portaria realmente compatível com a racionalidade, civilidade e dignidade humanas e com o valor da vida dos animais não-humanos que não se pode estimar.

Texto integral da portaria MS1480: http://e-legis.anvisa.gov.br/leisref/public/showAct.php?id=183&word=



P.S: Caso alguma autoridade governamental que tome conhecimento deste artigo venha desmentir alguma informação aqui descrita de modo que não sejam verdadeiras ou atualmente válidas a determinação de não-flexibilidade para alternativas aos testes descritos e a não-exigência da anestesia nos procedimentos, estarei apto a ouvir. Mas deixo claro que a única resposta realmente satisfatória seria a possibilidade garantida por lei de se recorrer a métodos alternativos para os testes desses produtos.
Autor: Robson Fernando


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