Algema seu uso histórico, sua ilegalidade sendo modificada no Brasil



A palavra algema deriva do vocábulo árabe “al-djamia” e seu significado é “a pulseira”; o dicionário eletrônico Houaiss define “instrumento de ferro, constituído basicamente por duas argolas interligadas, para prender alguém pelos pulsos ou pelos tornozelos”. Desde as ordenações Filipinas no Século XVII passando pelos primados de Don Pedro onde o Decreto de 23 de maio de 1821, ordenou o afastamento do seu uso em pessoas não julgadas até sentença final. Óbvio, que posteriormente a esse emano várias reformas foram realizadas e as que merecem ênfase em meu pensar são a do Código de Processo Criminal e nova reestruturação do processo penal brasileiro em 1871, estabelecendo até aqui, que o preso não seria conduzido com o uso de algema, salvo caso extremo de segurança, devendo ser justificado pelo condutor, senão, penalizado com pena e multa.
Passados vinte anos, a Constituição de 1891 proporciona às unidades federativas competência para legislar sobre o processo penal, sendo que algumas delas limitaram adoção a legislação do Império e as demais exerceram competência legislativa. Com advento da Carta Maior de 1934 restabeleceu a competência privativa da União sobre a legislação penal, em data de 15 de agosto de 1935 o então Ministro da Justiça e Negócios Interiores, Vicente Ráo, apresentou o Projeto de Código de Processo Penal e precisamente o artigo 32 vedava o emprego de algema, infelizmente tal projeto não vingou, motivado pela Constituição de 1937 promulgada com o golpe de Estado.
O Decreto-Lei nº 3.689 datado de 03 de outubro de 1941 (Código de Processo Penal) e vigente, com entrança a partir de 1º de janeiro de 1942, trouxe a seguinte redação no artigo 284 “Não será permitido o emprego de força, salvo a indispensável no caso de resistência ou de tentativa de fuga do preso.”, apesar não expor objetivamente ao uso de algema sinaliza referência extrema a sua aplicação; e combinado com artigo 292 “Se houver...resistência à prisão em flagrante ou à determinada por autoridade competente, o executor e as pessoas que o auxiliarem poderão usar dos meios necessários para defender-se ou para vencer a resistência...”: com simples análise aos dispositivos do CPP, percebemos que apenas em casos de exceções, em termos de resistência ou tentativa de fuga é admitido o uso de algema.
Conveniente o Código de Processo Penal Militar de 1969, que prevê que o emprego de algema deve ser evitado, desde que não haja perigo de fuga ou agressão da parte do preso, preservando espírito elitista das Ordenações Filipinas. Tal legislação proíbe categoricamente no artigo 242 a utilização de algemas em presos especiais, quais são ministros de Estado, governadores, parlamentares, juízes de direito, oficiais das Forças Armadas (entre eles os da reserva) e da Marinha Mercante, portadores de diplomas de nível superior e demais “amigos do governo”, ficam presos, mas serão conduzidos sem algema, porventura tenham praticado crime militar.
A necessidade regulamentar ao uso de algema em nosso país veio com advento da Lei 7.210/84 (Lei de Execução Penal), que pontua no artigo 199 “O emprego de algemas será disciplinado por decreto federal”. A aniversariante do ano, então Constituição Federal de 1988, que fora promulgada após a edição da LEP, ampliou a proteção da precitada norma infraconstitucional, limitando a assegurar a prévia oitiva do condenado antes de regredi-lo, ao lado do contraditório, a garantia da ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes, aos litigantes em processo judicial ou administrativo e aos acusados em geral, onde agora houve manifestação no legislador.
Merece licença e analogia a Lei 9.537/97, matéria de segurança de tráfego aquaviário em água de jurisdição nacional, onde seu artigo 10 escreve “O Comandante, no exercício de suas funções e para garantia da segurança das pessoas, da embarcação e da carga transportada, pode: I - impor sanções disciplinares previstas na legislação pertinente; II - ordenar o desembarque de qualquer pessoa; III - ordenar a detenção de pessoa em camarote ou alojamento, se necessário com algemas, quando imprescindível para a manutenção da integridade física de terceiros, da embarcação ou da carga.”; direcionado as palavras “necessidade e imprescindível” invocando o último recurso, no caso em tela.
Visualizamos no cenário presente, que vivemos em um sistema da “civil law”, onde todo o Direito deveria ser expresso com leis escritas, notável essa insegurança de privação em relação a esta matéria, portanto, ao pesquisar todo o direito positivado, confrontaremos com vários ditames acerca do assunto.
As regras da Organização das Nações Unidas para tratamento de prisioneiros estabeleceu que o emprego de algema jamais, seja aplicado como medida de punição. Evidente semelhança com artigo 180 do Código de Processo Criminal do Império, que o uso desse objeto é fora do comum e deverá ocorrer somente em casos que à vista da necessidade impedindo ou evitando a fuga do preso ou quando se cogitar confirmação de prisioneiro perigoso.
Diante do que vem ocorrendo, mesmo com a redação do artigo 284 CPP, estava passando da hora do Supremo Tribunal Federal (STF) emitir entendimento da matéria com a finalidade de inibir abusos de toda sorte, divulgados pelos meios de comunicação, pessoas algemadas e a ostensiva exposição dos detidos à mídia apesar de claro o baixo potencial ofensivo, até mesmo detentores de cargos importantes no Brasil, submetendo um acusado a humilhação psicológica e física de ser algemado por horas, sendo atitude com reflexos vexatórios, adotados pelas autoridades, como um tipo de espetáculo, sendo totalmente humilhante e sem qualquer justificativa moralmente aceitável. Comportamento que fere drasticamente princípios fundamentais da dignidade humana, presunção de inocência elencados na Constituição Cidadã, cerceando as liberdades individuais ainda apenadas sem o devido processo legal.
Apesar da anarquia que vem ocorrendo na legislação por séculos e séculos, notórios à aplicação de desigualdade quanto à matéria em tela, mesmo após a Carta de República vigente, como operador do Direito fiquei muito feliz e tenho certeza que muitos brasileiros também, com a recente decisão histórica de cidadania, datada de 07 de agosto de 2008 do Supremo Tribunal Federal (STF). Em decorrência da falta de regulamentação material, restringindo o uso abusivo de algemas em todo o país, devendo ser aplicada somente em casos excepcionalíssimos, com aqueles que incluam ameaças concretas à segurança alheia. Ademais, a decisão deve ser transformada em breve, quando a Corte editará uma súmula vinculante estabelecendo limites ao uso de algemas em ações policiais, transporte de presos ou julgamentos.
Não querendo prolongar, diante de toda essa contextualização, devemos trazer a tona o genitor do utilitarismo filosófico Jeremy Bentham, que sem dúvida exerceu enorme influência sobre os preceitos do Direito Penal, necessitando agora uma profunda reflexão perguntando “O que é mais importante?”, ou útil, necessário, “O que é mais útil, justo e eficaz?”. Atitude fundamental do STF, para o Estado Democrático de Direito no restabelecimento do equilíbrio e das mudanças do procedimento que precisamente estava passando da hora. Não devo deixar de comentar a relação ao nível de alerta de todos os policiais agora, sejam de qual instituição forem, e devem estar perpetuamente como o professor inglês que desenvolveu a idéia do escotismo, Robert Stephenson Smyth Baden-Powell, “Sempre Alerta”. Espero no momento, que as autoridades competentes atuem com bom senso, razoabilidade, equilíbrio, respeito, moderação, sensatez e parcimônia e naturalmente guiadas pelas bênçãos da divindade.

Dr. André Marques de Oliveira Costa é advogado no Estado de Goiás, contato pelo e-mail: [email protected]
Autor: André Marques de Oliveira Costa


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