Ao Código de Defesa do Consumidor, nossa cafona e singela homenagem!



Lembro-me de uma música da banda Kid Abelha que dizia assim: “depois de você, os outros são os outros e só”, uma letra que, certamente, descreve a importância de algo ou alguém, deixando explicito que, em que pese ter havido outros, sua presença fez com que “os outros” se tornassem insignificantes perto de tamanha magnitude. Muito poético.
Poético e apropriado para a ocasião.
Hoje comemoramos os 18 anos de uma Lei que tornou “as outras” só “as outras”: o Código de Defesa do Consumidor. Soa cafona falar assim? Talvez. Talvez eu simplesmente esteja sendo tendenciosa, mas o que não se pode negar é que, depois dele, as outras poucas leis que abordavam a proteção as relações de consumo, tornaram-se quase que insignificantes (digo “quase” para não desmerece-las por completo). O Código ultrapassou barreiras culturais, morais, políticas e físicas, chegou onde nenhuma lei havia chegado antes.
Sim, cafona! Mas já dizia Álvaro de Campos (Fernando Pessoa) “Todas as cartas de amor são ridículas, não seriam cartas de amor se não fossem ridículas”.
Por isso, atrevo-me a fazer um breve comparativo com um trecho da música citada acima, afinal, merecida é a homenagem (para não dizer declaração de amor) ao Estatuto que tornou possível a aproximação do CIDADÃO ao mundo jurídico. Depois do CDC, as leis deixaram os gabinetes legislativos, saltaram das academias de Direito, dos calhamaços de livros, dos abstrusos códigos e deixaram de ser privilégio dos operadores da Justiça, para pertencer quem deveria: ao POVO.
Em uma parte da canção, ela diz: “já conheci muita gente”, que podemos interpretar como “já conheci muitas leis”, é evidente que houveram outras leis, não só houveram, como há, muitas e intermináveis leis que regulam direitos de um cidadão, normas que zelam pelo bem estar, pela segurança, pela qualidade de vida e pela dignidade da pessoa humana (a exemplo da própria Carta Maior), entretanto, durante séculos um abismo infinito separou a lei e o homem, que, em sua grande maioria, considerava a lei apenas um instrumento necessário a quem estivesse envolvido em um litígio. O “pré-conceito” de que “homens de bem” não precisariam recorrer as leis, muito menos conhecê-las.
E a música segue: “gostei de alguns garotos”, com o passar dos anos, e a insistência de que ninguém poderia alegar desconhecimento da lei, alguns (poucos) cidadãos a buscaram conhecê-las. Assim, algumas, por sua boa aplicabilidade e eficácia em defender o interesse da sociedade, despertara a simpatia do povo (um grande exemplo é a CLT). Mas, infelizmente, foram poucas. Por mais que sua importância fosse reconhecida, era difícil vivenciá-las no dia a dia, e quase impossível, não separá-las por classes sociais. Nada era palpável. Nada era, a todos, aplicável, ainda que, em tese, devesse ser (ressalto que isso ainda não mudou por completo). Porém, em 1990, surge o Código de defesa do Consumidor, uma lei que sintetizava direitos e deveres nunca antes previstos na legislação brasileira.
“Mas depois de você, os outros são os outros”, com o CDC, outras normativas, quase que insignificantes, acerca da proteção a relação de consumo perderam o sentido. Além disso, não se pode ignorar que ela foi responsável por um salto legislativo para a proteção de direitos básicos do cidadão, não que a Constituição não o fizesse, assim como também as outras leis ordinárias, mas, o Código de Defesa do Consumidor construiu uma ponte larga, sólida e real, entre o direito material e o fato, em outras palavras, entre a justiça e o povo.
Depois dela, as outras leis se tornaram “só” as outras leis. O Código não era mais um simples aglomerado de soluções para celeumas fáticos de diversas espécies como os outros Códigos, mas sim um precursor de uma nova maneira de legislar.
”Ninguém pode acreditar na gente separado”, não há mais como viver sem CDC. Não se pode mais retroceder. O Código chegou, demonstrou sua importância (ainda menino) na evolução da proteção aos direitos do cidadão e na necessidade de que o povo se engajasse na luta pela aplicabilidade de uma lei, se impôs (ainda que por vezes lacunoso) contra todas as forças políticas e econômicas que o rejeitavam (como alguns ainda o fazem), lutou (ainda jovem) em embates jurídicos (contra bancos, órgãos públicos, empresas monstruosas e etc.) para se fazer cumprir como “lei ordinária especial” e principiológica, fez jurisprudência, afirmou e reafirmou o que já estava expresso, derrubou paradigmas, invadiu os lares brasileiros, não dividiu classes (mesmo os fornecedor, em algum momento serão consumidores) e mostrou ao povo que a lei é parte da vida diária, é presente, e está em tudo e todos.
Assim, concluímos que, “Eu tenho mil amigos mas você foi, o meu melhor namorado”..., em que pese todas as leis, algumas muito bem elaboradas e de estrema significância (como o Estatuto do Idoso, o ECA e etc.) para a sociedade, o CDC foi a porta, o princípio, o avanço para essa nova realidade. Hoje ele está em toda parte, em todas as bocas dos cidadãos brasileiros, nas mais longínquas cidades, nos mais acanhados vilarejos, ainda que tímido e retraído, ele aparece nos argumentos de um ou outro cidadão mais exigente.
Não há dúvidas que “depois de você, os outros são os outros e só”, o país inteiro tem muito a homenagear e comemorar nesse dia 11 de setembro de 2008, mesmo aqueles que não corroboram da mesma simpatia que eu, são obrigados a reconhecer a importância cultural (legislativa, social, política e econômica) que o CDC proporcionou e vem proporcionando ao país, principalmente, nas atitudes dos cidadãos (consumidores e fornecedores), a verdadeira essência do ordenamento jurídico. Brindamos então aos 18 anos bem vividos do Código de Defesa do Consumidor, a lei que fez das outras, só as outras!

Aline de Freitas Queiroz Louzich, graduada em Direito pela Universidade de Cuiabá, atualmente é Professora das Disciplinas de Direito Constitucional e Direito do Consumidor, para o curso de Direito na Faculdade de Colíder – FACIDER.
Autor: Aline de Freitas Queiroz Louzich


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