Para entender a crise.



Antes de tudo, peço desculpas aos especialistas do mercado de ações. Isto, se alguém tiver vontade de admitir esta expertise após os últimos – ou ainda não últimos – eventos. Fossem mais alguns meses, teria sido atropelado o aniversário de 80 anos da Segunda-feira Negra de 29, pela tsunami provocada pelo maremoto nas profundezas de Wall Street.
 
Já confessada minha ignorância não devo ir muito longe em análises técnicas, mas lembro da sigla lida numa revista de negócios: o tal de subprime era emprestar dinheiro aos N.I.N.J.A.s.

Longe de figuras de filmes japoneses ou de praticantes de artes marciais, a expressão se referia aos sem renda, sem emprego e sem patrimônio (em inglês Non Income, No Job, No Assets). Ou, para leigos como eu, os com apenas uma infinitesimal chance de pagar seus empréstimos.
 
Fossem bancos entidades filantrópicas, mesmo assim, fica difícil aceitar a tamanha disposição ao risco.
 
Mesmo uma entidade que pouco ou nenhum retorno financeiro espera do que empresta deverá ter sempre em mente sua responsabilidade de bem administrar os fundos a ela confiados.
 
Afinal se não os gera operacionalmente, em árvores não pode brotar o que gere. Resta, portanto, que receba de quem nela confia os recursos para gerir e investir. São elas, portanto, duplamente responsáveis: para com quem lhes confiou o que tem para investir e por garantir os melhores resultados de onde e como investem.
 
Calculassem essas entidades filantrópicas os riscos de emprestar aos NINJAs esperariam algo retorno financeiro em troca? Não teriam percebido estarem não emprestando, mas de fato doando esses recursos? Não teriam, por isto mesmo, considerado a possibilidade de doar para outros cujo retorno social pudesse ser maior?
 
Interessante notar a quantidade de dilemas enfrentados por quem, mesmo sem esperar retorno financeiro, deseja bem administrar recursos a si confiados e ser sábio o bastante para discernir como e onde melhor aplicá-los.
 
Mais interessante é notar que grandes e até então inquestionáveis instituições, inclusive agências de risco, tenham resolvido ignorar essa lição tão simples. Mesmo cercadas de todo ferramental para previsão de icebergs tenham preferido navegar sem instrumentos. Ignorar o óbvio. Acreditarem em suas próprias profecias, e, como se diz nos tribunais, defenderem a si mesmas e terem tolos como clientes.
 
Certamente para a presente crise não tem faltado nem faltarão explicações. Na maioria apresentadas com gráficos em slides coloridos. Devem estar dizendo ser fruto do aquecimento global, do desaquecimento cíclico da economia americana, na desritmia do bater das asas de uma borboleta da floresta tropical ou da degeneração da elasticidade do rabo da lagartixa.

Escolho, porém, ir por outro caminho, prefiro imitar o Superman e dirigir olhares de raio-x para o terreno arenoso de beira de praia onde insistiu-se construir arranha-céus com cartas de baralho. Edifícios enormes, cheios de soberba, com janelas e mentes cobertas de insulfilm para impedir que a luz do sol as penetrasse.
 
Muito mais importante do que chorarmos a queda de valor de nossas ações nas Bolsas de Valores deve ser as lágrimas que devemos derramar pela perda acelerada do valor moral das nossas ações cotidianas.
 
Nossas. Nossas ações, sim. De todo nós e em todo mundo, afinal, juntamos tudo e todos. Realizamos a esperança dos que criam no esperanto como uma língua universal. Hoje já falamos fluentemente o corporativês, enquanto esperamos o dia em que será comum entrar num fastfood que sirva empanadas feitas de hambúrguer de au-au.
 
Somos todos um. Estamos todos ligados. E não, não foi a internet quem conectou todo mundo. Foi o mundo todo quem conectou a internet. Estamos todos em rede, numa worldwideweb. toda junta, sem espaços, e no cyberspace, com um ponto no final. Eventualmente, final, mesmo.
 
Se há 80 anos uma quebra da safra de arroz na China era evento terrível para milhões de chineses, seus maiores efeitos ficavam atrás da Muralha. Hoje basta o espirro de uma galinha e o planeta se cobre de apreensão.
 
Criamos a Uma-Coisa-Só. Estamos re-irmanados na sociedade pré-Babel. Cada vez mais parecidos uns com os outros, certos de que se nossos netos não vão nascer parecidos com Brad Pitt e Angelina Jolie, nossos bisnetos serão provavelmente gêmeos dos deles.
 
A miscigenação não é inevitável, já é fato. Não há gaúchos jogando no Grêmio, e tem chinês na NBA e argentinos fazendo gols pelo Corinthians. Em breve, não haverá mais ninguém de lugar algum. Seremos todos cidadãos do mundo.
 
Assombra-me, entretanto, imaginar que esse novo Adão seja tão cheio de todas as culturas quanto vazio de todos os escrúpulos. Não tenha rosto mas cara de pau. Sujeito indeterminado escondido atrás de uma máscara de multidão que possa fazer xixi no carro do vizinho sem ser notado.
 
- Quem foi? Quem foi?
- Sei-não, senhor. Parecia o senhor. Não era não?
- Sei lá ?! Talvez tenha sido eu mesmo..
 
Perdemos infinitamente menos nas Bolsas de Valores, do que vimos perdendo na bolsa dos valores. Temos perdido identidade e com ela, responsabilidade. Num surfar cheio de pretensão na crista de grandes ondas sobre qualquer sentido de ética. Ondas que acabam pode acreditar num caldo que mata e arrasta para a praia.
 
Ingenuidade ou malícia de quem acredita na nova roupa de rei que usa, na desculpa esfarrapada para os atos mais condenáveis: já que todo mundo está fazendo é o certo.
 
Como se a unanimidade garantisse o que é correto. Como se a verdade fosse unânime. Que ela se submete à votação, à decisão democrática, à vox populis.
 
Verdade é preciso lembrar-lhes, não é o que nós achamos, nem o que decidimos que ela seja, verdade é o que é.
 
Mas como descobrí-la? - perguntarão agora os totalmente dispostos a comer verduras depois do laudo de tumor intestinal.
 
Facilmente, ela responde, já que nunca me escondi.

Se precisam descobri-la é porque a açodaram no fundo de suas consciências todos aqueles que sempre acharam um tapete para embaixo de onde empurrar a sujeira. Até descobrirem que a sujeira apodreceu o piso, que podre não suportou o peso dos seus cofres cheios de ganância.
 
Não empurremos a eles toda a culpa. Estamos todos iguais a eles. Nem mais nem menos. Bem menos e bem mais. Temos costurado bolsas furadas para nossos valores furados. Peneiras de furos tão grandes que deixam passar camelos. Comamo-los todos, então.

Se não apliquei meu dinheiro nas Bolsas de Valores, não deixo de ser por isto menos responsável pelo esvaziamento da bolsa dos valores. Fui conivente todas as vezes que não escrevi, todas as vezes que não ensinei, todas as vezes que me conformei com as injustiças, não briguei para que se respeitassem as filas, quando tive muita pressa para resolver os meus problemas e não esperei para pedir explicações ao deficiente moral estacionado na vaga azul. Sou responsável por todas as vezes que me calei.
 
Preciso então, ainda que tardiamente, expiar a minha culpa. Preciso afirmar claramente, se nestes dias vimos as Bolsa de Valores caindo, há anos estamos cegos e surdos para o vermelho gritante do nosso balanço moral.
 
E assim vamos nós, todos juntos, na irmandade dos valores elásticos, ladeira abaixo para o fosso escuro das toupeiras egocêntricas onde se confunde sucesso com saldo bancário, paz com previdência privada, felicidade com orgulho, respeito com expressões politicamente corretas, reputação com foto em jornal, amizade com quantidade de convidados, amor com pílulas, tranqüilidade com cerca elétrica.
 
Se a você também parece necessária a recuperação imediata da nossa bolsa dos valores, se quer evitar que amanhã seja mais uma segunda-feira negra, comece a faxina pelo seu tapete, procure onde estão aplicados os teus tesouros pois, com certeza, é ali também que está o teu coração.

Depois, se me permite, em bom corporativês, dá um forward nesta mensagem.
Autor: Eduardo Cupaiolo


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