Comunicação: uma análise filosófica dos mecanismos de alienação das massas



O avanço tecnológico experimentado pelo homem contemporâneo contribuiu significativamente para a transmissão mais rápida e em tempo real de informações. Multiplicaram-se os espaços. A distância e o tempo deixaram de ser imponentes obstáculos ao processo de comunicação. Tornou-se comum viver em meio a um bombardeio contínuo de vozes, imperativos, propagandas, notícias. A dinâmica da mensagem é tanta que aquilo que foi dito há pouco se torna desatualizado em instantes.

Elaborar um estudo cujo objeto apresenta tamanha dinâmica e inconsistência não é tarefa fácil. A comunicação permeia todos os campos sociais, indo do simples ao abstrato, do imaginário ao real, do exclusivo ao universal. Julgando ser esta a maneira mais viável para esboçar a análise que pretendo fazer acerca da Comunicação , optei por, primeiramente, conceituá-la, para posteriormente realizar uma breve panorâmica do seu surgimento enquanto objeto de estudo e as dificuldades para a elaboração de teorias que tentassem explicá-la. Ao longo deste artigo apresentarei mais detalhes da metodologia que foi utilizada, assim como os demais tópicos que foram escritos com o objetivo de apresentar uma análise filosófica dos mecanismos de alienação das massas.

O que é comunicação?

Eis uma pergunta instigante, de aparência indefesa e grande complexidade. De modo simplório, podemos conceituá-la como o processo básico de produção e compartilhamento de informações através da integração social, baseada na materialização de signos. Analisando sua origem etimológica, Pedro Gilberto Gomes, atesta que:

“o termo comunicação vem do latim comunis e significa pôr em comum, partilhar, comunhão. Significa o inter-relacionamento entre pessoas e supõe o diálogo. [...] Assim, como fenômeno predominantemente humano, já que supõe a consciência, a comunicação é condição imprescindível para o desenvolvimento da pessoa”

A comunicação envolve a constante circulação de intenções e implícitos. É impossível dizer que há concepção de mensagens isentas de julgamentos. Toda transmissão de conteúdo envolve uma complexa teia de significados capazes de conferir sentido aos objetos, materiais ou não, que permeiam o mundo.

Este processo foi, é e sempre será o meio pelo qual os padrões sociais e culturais são transmitidos através das gerações. Experimentou uma incrível evolução, que acompanhou a formação da consciência crítica do homem, levando-o a perceber ser ele um ser social, cujas ações, dotadas de sentido e significado, edificam sociedades. Juan E. Díaz Bordenave demonstra este caráter evolutivo ao dizer:

“[...] a comunicação evoluiu de uma pequena semente – a associação inicial entre um signo e um objeto – para formar linguagens e inventar meios que vencessem o tempo e a distância, ramificando-se em sistemas e instituições até cobrir o mundo com seus ramos”

As linguagens evoluíram, solidificando ainda mais esta associação entre signo e objeto. Vieram as descobertas e as nominalizações. Tentativas de explicar a origem de todas as coisas, de todos os seres. Através da comunicação, o homem encontrou-se na natureza e usando a palavra – e sua manipulação como arma maior –, foi capaz de construir o espaço social, em que nele travam-se constantemente relações interpessoais, paralelas ao desenvolvimento das tecnologias, da cultura, da consciência critica humana.

Existem modelos ditos consagrados que descrevem o ato da comunicação como um processo mecânico, em que uma fonte emissora elabora a mensagem, concebendo seus significados através de um código (verbal, lingüístico) que é conhecido e utilizado entre os interlocutores, e a envia através de um canal de modo a atingir o receptor (destinatário) causando neste algum tipo de reação à mensagem transmitida. Tal processo foi concebido em meados dos anos 20 por um grupo de intelectuais norte – americanos que conferiram à comunicação um caráter linear, de único sentido, em que os meios superavam todos os outros personagens deste processo. Esses estudiosos fazem parte da chamada escola norte – americana de comunicação, conhecida como Mass Communication Research (“Pesquisa de comunicação de massa”) .

É preciso dizer que este processo ignora uma questão importante com relação ao significado das mensagens que são elaboradas e estabelecem o contato entre interlocutores. Primeiramente esta concepção não considera os aspectos sociais e culturais dos envolvidos neste processo. É como se todos pertencessem a uma ordem cibernética regulada por leis e regras. Para estudar a comunicação, é preciso, antes de mais nada, concebê-la como um fenômeno tipicamente humano. E sendo elaborada pela mente humana, a mensagem carrega em si, segundo Gimenez (1978) “uma densa infra – estrutura de implícitos que, na comunicação humana, condiciona e regula todo o fluxo de informação”.

Desse modo, a comunicação supera um modelo simples de troca de mensagens entre interlocutores. Ela leva em consideração as formas de elaboração, os códigos utilizados, as intenções e os implícitos.

As dificuldades para a construção de teorias

Os estudos realmente densos que possuíam como objeto a comunicação são recentes. Datam do início do século XX, possivelmente porque novos meios, a televisão e o rádio por exemplo, foram concebidos e rapidamente espalharam-se pelos lares.

A demora para a organização de toda uma teoria que esmiuçasse todos os aspectos sociais, lingüísticos, comportamentais e filosóficos que estivessem relacionados a esta ciência se deu por conta do caráter plural do objeto. Faltava a conexão entre as idéias entre uma ou outra teoria, a relação entre a teoria e a prática (posto que, no caso da comunicação, a prática precedeu a elaboração teórica) e a fragmentação existente na própria comunicação.

Por isso, as chamadas teorias da comunicação são realmente novas e foram elaboradas e discutidas ao longo de um grande debate que envolveu nomes, países e sociedades.

O papel da filosofia

A comunicação vive, atualmente, um paradoxo: ao mesmo tempo em que há a troca rápida de mensagens, a difusão de imagem e som de maneira quase divina e as facilidades trazidas com o advento de novos instrumentos midiáticos, há a plasticidade e manipulação, tanto explícita como implícita, de praticamente todos os elementos que constituem o ato de comunicar. Uma nova realidade foi construída, baseada na renúncia, no espetáculo e na banalização da cultura.

Qual seria então o papel da Filosofia? Compreender as possibilidades de haver comunicação, transcendendo as aparências do mundo sensível e interpretá-la enquanto objeto de estudo contínuo, dinâmico e construtor de identidade. A chamada Filosofia da Comunicação busca, portanto apontar e compreender os processos de comunicação existentes partindo do pressuposto de que investigar a razão de ser deste fenômeno é conhecer a própria essência do homem. O próprio campo da Comunicação já apresenta aspectos filosóficos, sejam implícitos ou explícitos, como verdade, legitimação e consolidação de poder, manipulação de informação, utilização da linguagem para fins diversos, relação entre teoria e prática... Trata-se de um campo tão diverso e misterioso, que, mesmo com a atualidade das reflexões que são feitas acerca dele, ainda se apresenta um tanto nebuloso.

Comunicação e modernidade

A era moderna chega prometendo ao homem uma nova realidade. As inovações tecnológicas nascidas com a Revolução Industrial, assim como o novo projeto econômico (o capitalismo industrial em grande escala) mostram serem capazes de articular a racionalidade da ciência, das artes e dos saberes éticos com as leis reguladoras do Estado, do novo mercado econômico e da comunidade.

Os impasses gerados por essa desejada associação culminaram em uma nova visão acerca da comunicação. Os avanços dos meios de comunicação de massa instigaram novas pesquisas, portanto novas empreitadas no grande universo da comunicação. Os novos estudos passaram a considerá-los como parte integrante do processo comunicativo, afetando direta e indiretamente a formação (ou destruição) da capacidade opinativa do público. Grandes conglomerados de comunicação iniciam seus projetos e passam a retransmitir as informações. Mas antes elas passam por um meticuloso (e às vezes arbitrário) processo de despersonalização, com o objetivo de atender aos objetivos dos senhores da grande industria cultural , pertencentes às representações da classe dominante.

Uma nova corrente de estudos surge na Alemanha com o propósito de estudar a “nova comunicação” concebida após a primeira e segunda revolução industrial e a expansão do capitalismo industrial. A chamada Escola Frankfurtiana de Comunicação, através de uma visão marxista em ruptura com o pensamento norte americano de uma comunicação unidirecional, confere ao processo um caráter mais social, abordando seus aspectos psicológicos, tecnológicos, artísticos. A escola de Frankfurt mostra que os meios são responsáveis diretos pelas constantes modificações das relações de poder dos papéis sociais. As concepções desta escola apontam uma nova realidade: a banalização da cultura tornou-se realidade sólida; a própria realidade agora é um espetáculo. Marilena Chaui, em “Simulacro e poder: uma análise da mídia” atesta a produção de simulacros, ou seja, a realidade adquire uma superficialidade de sonhos, idiotizando o espectador, deixando este incapaz de distinguir a verdade da farsa.

Os teóricos da escola de Frankfurt mostram que a modernidade foi capaz de destruir a autonomia da capacidade cognitiva do homem. Ocorreu gradativamente a substituição da hermenêutica pela reprodução acelerada dos produtos oriundos da indústria cultural.

E o que vem a ser a Indústria Cultural?
“expressão cunhada por Theodor Adorno e Max Horkheimer para definir a transformação das obras de arte em mercadoria e a prática do consumo de ‘produtos culturais’ fabricados em série” .

A indústria cultural vem para segmentar todo o processo comunicacional. Os que possuem alto poder aquisitivo consomem determinadas “obras de arte”, tornando-se uma elite cultural. Os desfavorecidos consomem os meios massivos tradicionais. Além disso, ela cria uma falsa democracia midiática: há a sensação de que todos possuem os mesmos direitos de escolha entre os meios de comunicação. Na verdade, o que se pode perceber nos meios é que há, implicitamente, a separação entre a elite culta e a massa imbecil. Para isso, os meios procuram particularizar sua abordagem segmentando notícias, materiais.

Walter Benjamim, outro teórico desta escola, introduz o conceito da “aura artística” (a singularidade, originalidade das obras de arte). No clássico “A obra de arte na era de sua reprodutibilidade técnica”, o estudioso demonstra o declínio desta aura por conta da inovação técnica. O que ocorre é a reprodução massiva de praticamente todas as obras de arte. É bem verdade, no entanto, que a técnica disponibilizou ao grande público obras de arte que antes eram inacessíveis. Aqui há um ponto positivo. No entanto, Benjamim é taxativo ao dizer (no citado texto) que “à medida que diminui a significação social de uma arte, assiste-se no público a um divorcio crescente entre o espírito crítico e a fruição da obra”.

O homem moderno (e o contemporâneo também) torna-se sujeito que reafirma a lógica da opressão do sistema. Novas necessidades são criadas e ocorre a inversão de valores. Será verdadeiro aquilo que for de acordo com as normas estabelecidas pela nova ordem capitalista. A faculdade humana de pensar é destruída e ele passa vitalizar todos os objetos que são glorificados pela grande mídia. Nasce o que o estudioso Hebert Marcuse chama de homem unidimensional. Este novo homem é caracterizado pela renúncia. Renúncia da sua personalidade, da sua comunidade, da sua vitalidade. O homem da única dimensão “converte o supérfluo em necessidades e as necessidades humanas em mercadorias supérfluas”.

Outros filósofos também procuraram ressaltar as corrupções existentes no processo de comunicação. Jean Paul Sartre, filósofo existencialista, em sua Entre Quatro Paredes, procura mostrar um inferno diferente do modelo consagrado. Os personagens da obra são condenados a viverem em um aposento, sozinhos, porque renunciaram a sua liberdade comunicativa. A sentença é viverem em comunidade, aturando os caprichos um do outro. Nesse sentido, um dos personagens percebe que a comunicação entre eles é insustentável, pois cada personagem é uma espécie de espelho corrupto: pode refletir os outros, mas pode distorcer a imagem, já que é prioridade prezar pela individualidade. Aqui, a comunicação é vista como navalha pronta a machucar. A possibilidade da mentira é sempre constante. Isso afirma o caráter plástico da verdade, que corrobora a explanação de Friedrich Nietzsche de que não há verdade, mas sim perspectivas, que edificam uma cultura ocidental imbecil.

O estudioso George Orwell parece ter previsto os domingos de Big Brother, da Rede Globo de televisão, e da Casa dos Artistas, do SBT. A obra 1984 traz à tona uma sociedade vigiada de modo permanente por câmeras onipresentes que tentam flagrar alguma transgressão às ordens estabelecidas pelo sistema. A própria comunicação é a fonte do medo dos participantes dessa sociedade, que apenas conversam com um rosto em uma tela de televisão. Esse rosto é o chamado “Grande Irmão”, que, implicitamente, utiliza o seu discurso para concretizar o seu desejo de dominação. Percebe-se aqui a capacidade da sociedade contemporânea em construir os simulacros. A realidade torna-se espetáculo e é organizada como produto a ser vendido. Os dramas psicológicos humanos são tratados com riso pela sociedade.

Conclusões

A banalização da cultura e de praticamente todo o processo de comunicação traz à tona uma dúvida angustiante: há solução para essa catástrofe moderna? Como compreender e lutar contra o poder concentrado das grandes corporações midiáticas prontas a despersonalizar o seu público?

É necessário propor “a reflexão sobre a apropriação dos bens de consumo a partir do referencial da cultura, superando a postura que advoga sua compreensão a partir da pura racionalidade econômica” . Discutir a ética é importante no que se refere à construção de soluções que objetivam diminuir o caráter de renúncia que caracteriza o homem hoje. Despertar nas massas a consciência de que a moral e a ética da sociedade estão abaladas pela corrupção da comunicação é tarefa de todos, desde os comunicólogos até o cidadão telespectador.

É fato que a mídia brasileira é uma mídia “desdentada”. Pode-se dizer com certeza que 70% de toda a grade de programações da televisão, além de outros veículos, não oferecem ao público a oportunidade de reflexão sobre a comunicação. Parece que esta discussão está presa nos grandes círculos acadêmicos deste país. Tudo é feito para legitimar a ordem dos simulacros.

Onde estão as autoridades competentes dos grandes círculos político e acadêmico deste país? Elas possuem o poder político das leis e a capacidade acadêmica crítica para apontarem algumas medidas sensatas que resolvem este grande dilema. Por que então não o fazem? Será que também formam despersonalizados pela grande corporação midiática que se assentou sobre todos nós?

Portanto,
“[...] estudar e refletir sobre a realidade da midiatização e refletir sobre a realidade da midiatização no processo social impõe-se como problema filosófico essencial para o campo da comunicação” .

Os padrões culturais, sociais, a ética sobretudo, dependem da análise crítica dos meios de comunicação de massa. Eles são extensões do homem. E como tais devem prezar pelo bem estar social. A nossa realidade não é igual ao Big Brother global. Entretanto, a sociedade se encontra no paredão. Sucumbir? Jamais. A luta contra o processo de aniquilação da personalidade humana é constante e deve partir de cada um de nós. Do contrário, os senhores da indústria cultural votarão mais uma vez na eliminação das massas do processo comunicacional.

“Às vezes parecia que era só improvisar
E o mundo então seria um livro aberto
Até chegar o dia em que tentamos ser demais
Vendendo fácil o que não tinha preço”
Legião Urbana – Andrea Doria

Bibliografia consultada
CHAUI, Marilena. Convite à filosofia. São Paulo: Ática, 2000.
_________ Simulacro e poder: uma análise da mídia. São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2006.

DÍAZ Bordenave, Juan E. O que é comunicação. São Paulo: Brasiliense, 2006.
GOMES, Pedro Gilberto. Filosofia e Ética da comunicação no processo de midiatização da sociedade. Rio Grande do Sul: Editora Unisinos, 2006.
Autor: Agnelo Câmara de Mesquita Júnior


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