O Normismo E A Normóia



Os gregos usavam o termo "nomus" quando queriam fazer referência a "padrão" e "ordem". Daí a idéia de princípios, regras e leis. Os latinos empregavam "norma" para nomearem regra e um tanto de coisa: aquilo que é de uso geral, conjunto de regras, costume, estado habitual, exemplo, hábito aceite, lei, método, modelo, paradigma, preceito, princípio, regra de direito ou jurídica e uniformização (cf. Dicionário Priberan).

Uso aqui o termo "normismo" para representar o tipo de pensamento que expressa a idéia de que o apego às leis, regras e normas realiza o que é correto, certo, perfeito e sempre desejável – isso numa perspectiva filosófica. Na ótica da psicologia, termo "normismo" tem em "normonóia" o seu irmão siamês. "Normóia" é o delírio da norma, a doença mental cuja característica é o apego exagerado à norma e à sua observância e cumprimento, haja vista que a norma é tida como o "ente" supremo e senhor do comportamento adequado e da qual as pessoas lançam mão para praticar a autoperseguição e a perseguição de outrem. "Anormismo" seria seu extremo oposto e expressaria a idéia de que não se deve seguir nenhuma norma socialmente validada com parâmetro orientador da conduta humana.

A respeito dessa temática, cumpre lembrar que o cristianismo nascente difundiu a idéia de seu criador de que "a lei é feita para o homem, e não o homem para a lei". Na verdade, toda lei é feita pelo ser humano, razão pela qual ele pode segui-la, ajustá-la ou transgredi-la quando a vida e as circunstâncias existenciais o exigirem. O sujeito "normóide", seguidor do normismo, passa longe dessa idéia de que o ser humano é legislador por excelência e de que, se ele pode o maior (fazer a lei), ele também pode o menor (flexibilizá-la, obedecê-la, transgredi-la). Para o "normóide", a norma tem um fim em si mesma. Ela não deve ser entendida como um instrumento, mas observada ao pé da letra, sem mais, nem porquê, dando margem a fundamentalismos de toda ordem. E as avaliações de Trabalho de Conclusão de Curso de Graduação de que participei este ano que o digam! Ao longo de quinze anos de magistério no ensino superior, nunca havia me espantado tanto com a burocracia, toda regrada feito capricho de quem cultua a regra, e não a busca da valorização dos saberes humanos.

Algo folclórico sobre esse assunto circulou na internet há algum tempo e caracterizava o signo de virgem como um típico adepto do "normismo", o "normóide" dos "normóides" (no sentido que estou tratando aqui). Diz o texto: "Virgem (23 de agosto a 22 de setembro). Você é metido a perfeccionista, observador e detalhista. Gosta de analisar e gerenciar tudo. Essa sua maldita mania faz de você um burocrata insuportável. Você é um bitolado e não tem nenhuma imaginação ou criatividade. Gosta mesmo é de tomar conta da vida dos outros. Critica os outros, 'mete o pau', mas não enxerga o próprio rabo. Quando as pessoas dos outros signos do zodíaco preenchem aquele maldito formulário de 15 vias carbonadas, de cinco cores diferentes, que devem ser batidos à máquina, elas não tem dúvida: só pode ser um virginiano que fez" (Folha Online, 17/04/2006). Mas, pensando bem, todos os "signos" podem vir a padecer desse mal.

Como todas as pessoas, tenho meu lado "normóide". Luto para superá-lo por saber que ele nos aprisiona. Isso não é nada bom. Boa é a liberdade. Saudável é saber que, como disse o velho Protágoras, "O ser humano é a medida de todas as coisas". Pode ser custoso, mas uma postura humanista perante a vida nos faz entender que acima da lei encontram-se o homem e a mulher, razão pela qual tê-los como nossas medidas pode ser o nosso princípio-gênese de todas as outras leis, flexibilizando-as quando a vida tiver de vir em primeiro lugar.


Autor: Wilson Correia


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