Egonomia: A Lei Sou Eu



Em um outro texto, referi-me ao "normismo", à "normóia". Atenho-me, neste de agora, ao "anormismo", o caso oposto desses fenômenos e que se configura como "egonomia", na acepção de desprezo pelas regras aceitas socialmente em nome da criação e validação das leis pessoais.

Em tese, o "anormismo" é a ausência de lei, uma vez que é isso o que sugere a etimologia do termo. Mas, vistos com bastante cuidado os exemplos históricos de "anormóides", vamos notar que, em verdade, trata-se de personalismo legal. No caso, o indivíduo, concebe-se como norma. Faz-se a lei. Confunde-se com ela. Identifica-se ao extremo com a norma. E, enquanto o "normóide" mobiliza o "delírio da lei" para praticar a perseguição e perpetrar caprichos os mais absurdos, o "anormóide" instrumentaliza-se por meio da lei, da norma. Faz-se a si mesmo um objeto, fonte da regra e a razão de ser de sua observância. É o "egônomo".

Um caso típico de "anormismo egônomo" (no sentido aqui empregado, de desconsideração total pelas leis socialmente produzidas e validação absoluta das leis pessoais) pode ser encontrado em Luís XIV, o rei da França, que governou entre os anos de 1638 a 1715. Esse monarca é autor da celebérrima frase: "L'Etat c'est moi" (O Estado sou eu). E fez escola. Hoje, no Brasil, há políticos que se sentem acima da ética e do direito e perambulam, incólumes, por todas os cantos da sociedade brasileira. Há quem, entre esse tipo de político, que fica o ano todo nas manchetes dos jornais, notadamente por seus "maus feitos", e nada lhes acontece. Confirmam, com isso, uma certa visão brasileira de que, em nosso país, a punição (cadeia, prisão) é só mesmo para "preto, pobre e puta", como disse José Francisco Rezek, um homem que ocupou altos cargos em Brasília (Judiciário e Executivo).

Igual ao "normismo", o "anormismo egônomo" é uma praga. Vistos na perspectiva semântica empregada neste artigo, elas resultam numa só e mesma coisa, com a diferença de que o "normismo" se vale da heteronomia, ao passo que o "anormismo" recorre-se de modo extremado à autonomia. A medida preventiva contra esses extremos, os quais revelam nossa incapacidade e incompetência para lidar com as leis, é o bom senso, aquele que Descartes descreveu na abertura de seu Discurso do método como algo que todos julgam ter o suficiente. Ilusão cartesiana: esse senso ou juízo bom, essa compreensão equilibrada entre o as dimensões normativas e o factuais da existência ainda nos falta, e muito. Trata-se de uma das coisas mais democráticas que existem, pois os "normóides" e os "egônomos" são bastante encontradiços em toda parte e em toda gente, até em quem deveria cuidar da saúde própria e alheia.

Que a filosofia nos ajude na busca desse "bom senso", dessa "sabedoria sã". Enquanto isso, cuidemo-nos de nos proteger dos "Todo-leis" (normóides), tanto quanto dos "Sem-leis" (egônomos). A vida tem dito que esses são os piores tipos humanos, verdadeiras pedras quando aparecem em nosso caminho.


Autor: Wilson Correia


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