Conformado com a mira
Não gostaria de fazer comparação entre nações, mas me vejo obrigado a fazê-lo, e digo que é de causar vergonha do povo a que pertenço quando vejo na internet protestos no Canadá, na Argentina, na Finlândia e em outros cantos do mundo eclodindo quando mesmo casos isolados de atentado à vida e à segurança dos cidadãos acontecem. Nesses países, basta que um episódio de violência (como a última chacina em escola na Finlândia) estampe os jornais ou as estatísticas de segurança pública apenas ameacem crescer (como em Buenos Aires em 2002) que o povo vai às ruas assegurar que a polícia não perca seu poder coercivo e o governo não amoleça nas políticas de bem-estar social. Ao seu modo, ora com cartazes e gritos ora com panelaços, o povo mostra que não se conforma quando sua liberdade e bem-estar são ameaçados e faz valer seu poder como senhor supremo de seu país.
Não é o que acontece no Brasil. Aqui os anos 90 e 2000 foram marcados pela promoção da violência urbana a níveis de guerra civil. Seqüestros já não ameaçam apenas gente endinheirada, bairros e municípios periféricos outrora tranqüilos estão dominados por assaltos e homicídios, casos de comoção nacional nos marcam numa freqüência muito maior que em outros lugares. E nada além de medíocres “caminhadas pela paz” e breves manifestações orquestradas por quem acabou de perder um ente amado mostram que a população não quer estar alheia à plenitude de seus direitos de viver e de ir e vir. Nada mais do que parcos pontos de protesto num país de dimensão subcontinental e demograficamente robusto.
Lembrei de um episódio com um colega meu de faculdade, que pensava em viajar para o Canadá. Exaltava a sociedade daquela nação: “não tem violência, não tem pobreza, não tem engarrafamentos, etc.”. E fiz questão de “complementá-lo” com uma verdade – considerando que ele havia poucos dias antes demonstrado múltiplas vezes um lamentável derrotismo para com seu país: “Não tem povo conformista...!”. Adorei sua cara de tacho. Aquilo simbolizou uma espécie de “beliscão motivacional” num povo que desistiu do direito de viver em paz em sua terra natal. E terei um apetitoso prazer em repetir essa atitude sempre que houver a oportunidade para isso acontecer, com outras pessoas.
Entre os motivos para essa letargia popular perante a arma apontada para si, releva-se mais o sistema educacional obtuso que não induz os jovens a trabalhar com sua realidade social, não desperta a cidadania e prefere ensinar-lhes um conteúdo concentrado na utilitariedade laboral. É enfaticamente necessário, no entanto, mostrar que essa não é a razão única para essa alienação, porque se fosse, todos aqueles que já estudaram em grandes escolas e universidades do exterior e voltaram para cá iriam tocar muitas revoluções por aqui, e não é o que acontece. É algo mais enraizado na cultura e que merece muito debate intelectual.
Escancarar essas razões culturais de tanta alienação e conformação em ser refém das hostilidades sociais de seu país vai ser de muita utilidade para se acordar o povo. Isso o tempo dirá como acontece, mas por enquanto vai-se vivendo conformado com a mira.
Autor: Robson Fernando
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