Complicada e Perfeitinha!



Era primavera. A estação representava bem o reflorescimento que estaria por vir naquela tarde de quarta-feira, dia 05 de outubro de 1988.
Teria sido um dia como qualquer outro.
Os pais de família se levantaram para trabalhar, amofinados e descrentes, curando as feridas pós anos de chumbo, custando digerir atentados terroristas, pasmados com as tais cartas bombas às instituições democráticas e os assassinatos. Era difícil crer em mudanças, quando famílias inteiras foram corroídas pela inflação e sepultadas pela recessão aterradora.
Quando mães, ainda choravam os filhos perdidos na fase negra da ditadura militar.
Era tanto Geisel, tanto Figueiredo e Tancredo, era Sarney.
Naquela manhã, para muitos, a palavra democracia ainda soava baixa, discreta, atemorizada.
Mas algo diferente estava acontecendo.
Da longínqua (mas nem tanto) e inacessível (até então) Brasília, ecoavam palavras que, certamente, fizeram brotar a incredulidade no coração dos mais otimistas.

“(...) A Nação quer mudar, a Nação deve mudar, a Nação vai mudar” (...). Hoje, 5 de outubro de 1988, no que tange à Constituição, a Nação mudou (...).*

Mas, Ulysses Guimarães tinha toda razão.
A Nação mudou.
Naquele dia, mudou de alma (leia-se esperança) e de perspectiva.
Nesse ano de 2008, especialmente nesse mês de outubro, fazem 20 anos que o Presidente da Assembléia Nacional Constituinte, Ulysses Guimarães, mostrou ao Brasil a “Constituição Cidadã”, naquele dia, era promulgada a Constituição da República Federativa do Brasil.
Portanto, temos infinitas razões para celebrar.
Aos mais críticos, é preciso lembrá-los que, se celebra não propriamente o texto normativo Constitucional, a perfeição almejada ou sua eficácia plena, mas aquilo que a Carta Magna representa (ou deveria representar) para o povo brasileiro.
É bem verdade, que o conjunto normativo é encharcado, cheio de antinomias e lacunas, ou, por vezes, até demasiadamente detalhista, mas quando promulgada, a Constituição tinha sabor de primavera, pouco importava as linhas gramaticais, pois, ver Ulysses Guimarães erguer nas mãos aquele livreto, era para povo a certeza de que todos os “Edson Luiz Lima Souto” foram honrados, e que, cada morte em nome da democracia não havia sido em vão.
Não vamos aqui divagar sobre princípios democráticos ou princípios e direitos constitucionais, mas, sobre espíritos democráticos, sobre sonhos de democracia e liberdade, que SÓ são possíveis hoje, graças à Constituição de 1988.
Abraham Lincoln, ex-presidente americano, disse certa vez, sabiamente, que “Democracia é a regra do povo, pelo povo e para o povo”, e completa, “Um boletim de voto tem mais força que um tiro de espingarda”.
Naquela primavera de 1988, a Carta Maior nos deu isso.
Celebrar a Constituição é enaltecer a tão mundialmente ambicionada e valiosa democracia, sermos gratos pela nossa “liberdade”, pelo fim da censura, pelo voto, pela liberdade sindical, pelos direitos do consumidor, pela proteção ambiental, reconhecendo assim, os esforços na “luta pelo direito”. É comemorar a civilização da Justiça e a humanização do Poderes.
Festejar o dia 05 de outubro deveria ser tão importante quando celebrar o pérfido 07 de setembro (ou o carnaval, ou a copa do mundo).
Quem sabe assim, valorando o que temos de bom constitucionalmente garantido, deixaremos de ser tão céticos e ateístas quanto a funcionalidade democrática da “Carta Tupiniquim”, e talvez, ao menos por um segundo, possamos compreender o sentimento libertador daquele outubro, e nos engrandecer por ele, uma vez que tornou tangível a liberdade outrora tão almejada, da qual ainda desfrutamos.
E assim, que a celebração seja o nosso grito: Mudar para vencer, sempre!

“Termino com as palavras com que comecei esta fala: A Nação quer mudar. A Nação deve mudar. A Nação vai mudar. A Constituição pretende ser a voz, a letra, a vontade política da sociedade rumo à mudança. Que a promulgação seja nosso grito: ‘Mudar para vencer! Muda Brasil!”*

* Trechos extraídos do discurso proferido por Ulysses Guimarães, em 05 de outubro de 1988, por ocasião da promulgação da Constituição da República Federativa do Brasil. Fonte: http://www2.senado.gov.br/bdsf/item/id/119477

Professora Aline de Freitas Queiroz Louzich
http://ventuspopularis.blogspot.com
Autor: Aline de Freitas Queiroz Louzich


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